Rafael Valim: A espetacularização do MP e as condenações midiáticas

Tempo de leitura: 3 min

O MP E A SEDUÇÃO DO ESPETÁCULO

por Rafael Valim, no Le Monde Diplomatique Brasil

A Constituição Federal de 1988 confiou ao Ministério Público elevados objetivos, aos quais corresponderam indispensáveis competências e garantias  institucionais.   Edificou-se  uma instituição inteiramente vocacionada à defesa da sociedade, cuja atuação tem sido decisiva na afirmação da trôpega democracia brasileira.

A importância  e o protagonismo do Ministério Público não devem ocultar, entretanto, os desacertos em que, à semelhança de qualquer instituição, incorre. Os membros do Ministério Público não são seres superiores,  infensos  às paixões humanas, tampouco  estão acima da ordem jurídica. Cometem equívocos e devem responder por seus atos, como qualquer agente público.

Convém assinalar,  de qualquer modo, que o reconhecimento  da falibilidade do Ministério Público jamais justificará, por exemplo, propostas tendentes a suprimir  seus poderes investigatórios. Impõe- se o aprimoramento,  e não o desmantelamento da instituição.

O  tratamento conferido à informação pelo Ministério Público é justamente  um dos pontos que estão a merecer aprimoramento  e que, não raras vezes, rendem-lhe merecidas críticas.

Nos últimos tempos,  o Ministério Público converteu-se  em uma das principais fontes da imprensa nacional, dentro do contexto de transformação  do jornalismo  investigativo  em “jornalismo sobre investigações”. Tal circunstância é prenhe de consequências, as quais não podem ser negligenciadas pela sociedade brasileira, verdadeira destinatária  das atividades desempenhadas pelo Ministério Público.

Condenações midiáticas

O  Ministério Público e a imprensa, embora muitos insistam em dizer o contrário, não compartilham interesses comuns. Há muito se desvaneceu a ingênua ideia de “neutralidade objetiva” do jornalismo, cuja atuação seria presidida exclusivamente por interesses públicos.  A história  prova, à saciedade, que a imprensa é guiada por interesses específicos, inconfundíveis com os interesses assinados ao Ministério Público pela Constituição Federal.

A assimilação  dessa realidade  revela a necessidade de o Ministério Público manter uma interlocução  transparente,  veraz, cautelosa, equilibrada e responsável  com a  imprensa.   São inadmissíveis   a execração pública de investigados,  os chamados “vazamentos”  de informações à imprensa, os acordos de exclusividade com jornalistas.

Com efeito, é de rigor proscrever a lamentável prática de “condenações midiáticas  de acusados”, para as  quais concorre frequentemente o Ministério Público. As  garantias  do devido processo legal,  da presunção de inocência e da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas constituem   direitos fundamentais que o Ministério Público não deve apenas respeitar, senão que proteger de forma intransigente.

A defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e  individuais indisponíveis,  de  que está incumbido o Ministério Público nos termos do art. 127 da Carta Magna, implica,  necessariamente,  a irrestrita proteção dos direitos e garantias fundamentais de todos os indivíduos,  entre os quais,  obviamente, figuram os investigados por supostas práticas delituosas.

O Ministério Público, para servir verdadeiramente à sociedade, deve portar-se como um legítimo guardião da Constituição Federal e, nessa medida,   distanciar-se  da espetacularização que, lamentavelmente, marca a sociedade contemporânea.

Rafael Valim é advogado,  mestre e doutorando  em Direito  Administrativo pela   PUC-SP e  especialista  em  Direito   Constitucional   pela Universidad  Castilla-La  Mancha  (Espanha). É professor da PUC- SP, Universidade Nacional de Cuyo e Universidade Nacional de Comahue (Argentina).

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Comentários

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Bonifa

Um bom artigo, mas que infelizmente se refere a um Ministério Público lá detrás, do meio do caminho, quando seus pecadilhos ainda causavam apenas um pequeno mal estar. Depois disso, o Ministério Público já avançou quilômetros à frente, e hoje pratica abertamente o papel de linha institucional auxiliar dos interesses políticos, ideológicos e outros da Grande Mídia, mesmo que estes interesses sejam criminosos, como ressalta o Senador Collor de Mello.

Delta Martins

Mais do que gosto pela eapetacularização,trata-se de conluio IDEOLÓGICO,pela tomada do poder,que,já que não o coseguem pelo voto,que se faça pelo golpe.Branco,que seja.

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