Janio de Freitas: O poder de cassar deputados federais condenados pelo Supremo é da Câmara

Tempo de leitura: 3 min

por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo

A PREOCUPAÇÃO com o possível conflito de autoridade entre o Supremo e a Câmara, no caso de cassação de deputados federais condenados no julgamento mensalão, remete a mais do que a essa divergência já bem exposta, jornalisticamente, por Elio Gaspari e Fernando Rodrigues (Folha de ontem).

O que está em jogo é a essência da Constituição, em parte dos princípios definidores e protetores do seu caráter democrático. Logo, é a própria natureza do regime que a divergência põe em questão.

Quando a Constituinte restringiu à Câmara e ao Tribunal Superior Eleitoral o poder de cassar mandato de deputado federal, sem dar o mesmo ao Supremo, não foi por acaso nem esquecimento. Foi para guardar coerência com o espírito constitucional desejado.

Se o Supremo é visto hoje como a sede da pureza humana, o constituinte de 1988 dobrou-se à história e à percepção do seu tempo: viu no Judiciário tanto a fonte eventual de pressões espontâneas, como o alvo (bem menos eventual) de pressões que o manipulem, originárias do Executivo, das Forças Armadas e outras. Ao longo do tempo, as casas parlamentares têm sido as maiores e mais frequentes vítimas das pressões que se valem do Judiciário.

Conceder à Câmara e ao Senado, com extensão aos similares nos Estados, o direito exclusivo de decidir sobre os mandatos de seus integrantes foi uma proteção dada ao Legislativo como todo. E, portanto, à independência dos Poderes no limite pretendido pela Constituição.

Mas os tribunais eleitorais tinham que ser exceções parciais na relação Judiciários/Legislativos. Vieram atender às necessidades administrativas das eleições e ao seu enquadramento, com os candidatos, às leis específicas. São tribunais com alcance limitado. Ainda assim, não são isentos de pressões nem de sentenças marcadas por pressões conhecidas para serem tomadas. São exemplos do que poderia se abater sobre Legislativos -o federal, os estaduais e os municipais- sem as cautelas existentes.

O poder de cassar ou não os deputados federais condenados pelo Supremo é da Câmara. Concedido pela Constituição, que não o quis estendido ao Supremo. Aí, porém, com estímulos da Procuradoria-Geral da República, há quem pretenda tê-lo.

A propósito, os clamores pelo fim de todo voto secreto na Câmara e no Senado também desconsideram as razões da Constituinte para instituí-lo. Ou seja, pensando no voto secreto como impedimento para a covardia, esquecem seu valor, em certos tipos de votação, contra as pressões e retaliações. Nesse caso, o voto secreto é fator de liberdade política e opinião.

IGUALDADE

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Muito simbólica a ocorrência simultânea da libertação de Carlos Augusto Cachoeira, o Carlinhos Cachoeira, e do naufrágio da CPI do Cachoeira.

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