Rafael Correa: Dois pesos, duas medidas da mídia

Tempo de leitura: 6 min

Do presidente Rafael Correa, do Equador, em entrevista à Folha, sugerido pelo Murilo Vescovi, no Facebook (reprodução parcial):

O sr. falou de Assange, que vai completar seis meses na Embaixada do Equador no Reino Unido. É uma crise sem fim?

Para crise sem fim o termo é infinita. Para crises nas quais não se conhece quando será o fim se chama indefinida. Não temos ainda uma definição. Tudo depende da Europa, do Reino Unido.

Se amanhã houver salvo-conduto, acabou-se o problema. Se a Suécia decide, como permite sua lei, como fizeram já em outras ocasiões, enviar oficial de Justiça para entrevistá-lo na embaixada em Londres, ou o interrogam via Skype, via internet. A normativa Suécia permite. Ou, se o advogado do senhor Assange, Balthazar Garzón, obtém êxito nos recursos que apresentou na Justiça europeia, acabou-se o problema.

O Equador já fez o que tinha de fazer.

A crise com o Reino Unido, que aventou a possibilidade de entrar na embaixada, está superada?

Foi um gravíssimo erro, um deslize da chancelaria britânica que foi superado totalmente. Eles disseram que não pediram desculpas, mas, na verdade, pediram.

Era até burro. Se impusessem esse precedente [de invadir a embaixada], o maior prejudicado seriam eles mesmos, porque eles tem muito mais embaixadas do que o Equador e eles justificavam a entrada pela força, as embaixadas britânicas seriam as mais ameaçadas.

Creio que se deram conta do erro crasso, e o impasse foi superado.

Para ficar no Reino Unido, o que o sr. achou do Relatório Leveson, sobre…

Apoie o VIOMUNDO

[Interrompe a pergunta] Rasgo minhas vestes! Atentado à liberdade de expressão!

O relatório propõe lei de imprensa que regule a mídia. O sr. se sente frustrado por não ter aprovado sua proposta do tema no Equador?

O tempo nos dá razão. Quando as respostas vêm do Primeiro Mundo, é civilização, mas quando vêm da América Latina são ditadores famintos de poder que querem calar os heroicos jornalistas que só revelam a corrupção dos políticos.

Ou seja, na América Latina e no mundo inteiro, o poder midiático é um poder imenso. Provavelmente maior que os Estados, frequentemente sem ética, em função de negócios privados. Eles provêem um direito, mas, por definição, se estão num dilema entre garantir um direito ou garantir o lucro da empresa, prevalece o segundo. Temos de saber o que estamos enfrentando.

Quando Alemanha prende 23 pessoas, fecha uma rádio em novembro ou dezembro de 2010 por fazer propaganda nazista, isso é civilização. Quando, de acordo com a lei, processamos um jornalista que me acusou de criminoso, de ordenar atirar sem aviso prévio em um hospital cheio de civis, pura e simples difamação, é atentando à liberdade de expressão. Acabemos essa moral dupla.

O problema nem está sobre quem tem a propriedade, que já é um problema — quem tem os meios de comunicação na América Latina, os pobres, a Madre Tereza de Calcutá ou as oligarquias? Qual tem sido a prática? Fazer um empório econômico, vimos como foi em Equador. Ter 200 empresas, entre elas o maior banco do país que quebraram de maneira fraudulenta, aliás, e depois comprar canais de TV, jornais. Para que? Para informar? Não, para defender o empório.

O problema, além da propriedade, é a própria forma de produção que tem de questionar. Como é possível que um direito tão fundamental para a coesão social, para a liberdade, para os demais direitos como é a informação, esteja em mãos de negócios privados? E já que está, e ante esse tipo de problemas, o que se necessita é controle social. E como se realiza controle social nos Estados modernos? Por meio de leis, com legitimidade democrática.

Por isso é óbvio que necessitamos de lei para regular o poder midiático. E é isso que bloquearam por quatro anos na Assembleia do Equador. Isso é o que o poder midiático e seus cúmplices na Assembleia Nacional vem bloqueando.

O sr. falou de poder econômico, mas o Estado também o tem. O governo equatoriano disse que não vai mais anunciar em “jornais mercantilistas”. Não é uma maneira de manipular lealdades?

Como economista não canso de me surpreender. Se perguntamos a um economista o que ele pensa do Estado não regular um mercado com poucas empresas provendo um bem básico, inclusive um direito, e com capacidade de fazer um conluio, de entrar em acordo para prejudicar o usuário, o economista diria: “Está louco? Obviamente que temos de regular esse mercado”. Esse é o mercado da informação, e quando se regula, é um atentando à liberdade de expressão.

Agora lhe pergunto do ponto de vista ético. Se o Estado privilegia certos negócios dando-lhe preferência para compras públicas, etc. vai preso! Mas no caso dos meios de comunicação, se você não lhes dá publicidade para melhorar a rentabilidade de seus negócios é atentado à liberdade de expressão. São incoerências. Que se definam! Se são negócios privados, por que clamam ajuda do governo? E se não são negócios privados, mas sim meios que provêem direito fundamental e necessitam que todo mundo lhe dê dinheiro, por que não aceitam a regulação social? Está aí a inconsistência.

O sr. tem utilizado direitos de respostas exibidos em programas de TV, interrompendo a programação, o que muitos consideram desproporcional. O que diz em sua defesa?

Se é tão desproporcional, eu proponho um trato: que não me insultem, que não mintam, que não terei nada que responder. Maravilhoso! Todo mundo feliz! Eles nos insultam dia a dia. Se estamos aqui, ainda sendo governo, é por que enfrentamos essa imprensa e a desmentimos. E temos mais credibilidade que eles.

Se fizermos um estudo de todas as barbaridades que já disseram… Aqui vai outra contradição, no caso, política. A imprensa é o contrapoder do poder político. A que se perguntar se esse é o papel da imprensa. Se é o contrapoder do poder, que legitimidade tem isso? E qual é o contrapoder do contrapoder?

Depois, ao se definir assim — porque se definem, o jornal “El Universo” colocava : “o quarto poder”. Quer dizer que são agentes políticos, e quando têm respostas políticas [a seus atos] dizem: “atentado à liberdade de expressão”.

Passam todo o tempo dizendo que sou corrupto, ladrão, autoritário, dizem tudo do presidente. Quando no sábado eu lhes digo “medíocre” é atentado à liberdade de expressão. Maravilhoso! Se é tão desproporcional a resposta do presidente, contra tudo isso, que não digam mentiras.

Mas isso eles não fazem, porque sabem que é essa sua maneira de fazer negócio e viver e tentam ainda submeter aos governos a ver se algum dia conseguem algo como em 30 de setembro de 2010 e matam o presidente ou derrubam o governo para voltar ao poder. Por que esse é o problema de fundo: a disputa de poder. O poder legítimo democrático, e os poderes fáticos liderados pelo poder midiático.

O sr. defendeu uma norma, chamada “Código da Democracia” sobre a cobertura jornalística eleitoral, que depois foi modificada pela Justiça. [Antes era: os meios de comunicação devem “se abster de fazer promoção direta ou indireta, seja por meio de reportagens especiais ou qualquer outra forma de mensagem que tenda a incidir a favor ou contra determinado candidato”. O Tribunal Constitucional retirou o trecho: “por meio de reportagens especiais ou qualquer outra forma de mensagem”, por entender que restringia o trabalho jornalístico]. O sr. ficou frustrado com a alteração?

Você leu a reforma? Isso é o que tem que discutir os roteiros de filme americano. Que não nos enganem. Essa gente não busca defender nossos direitos, informar. Busca manter o poder fático que tinham, ser os grandes eleitores, e na democracia os grandes eleitores são os cidadãos, e não os que tiveram dinheiro para comprar uma gráfica. Ou querem que aconteça o que acontece em alguns países, que são os meios que escolhem o presidente, que ficam reféns desses meios?

O artigo que o mundo chamou de “mordaça” (tenho em algum lugar uma publicação que diz que foi um artigo imposto pelo presidente permitindo só publicidade para ele, isso é uma mentira) o que proíbe aos meios de comunicação em época eleitoral é fazer campanha a favor ou contra candidatos ou teses. Sobretudo porque em campanha eleitoral, não é dever dos meios fazer campanha. Seu dever é informar, e quem decide são os cidadãos. Disseram que iam proibir entrevistas, tudo isso era mentira.

As mudanças que o Tribunal Constitucional fez foi para excluir qualquer dúvida, para evidenciar que era mentira que não se podiam fazer entrevistas. O que os meios de comunicação diziam era que os cidadãos não poderiam ser informados, e que o único que podia se promover era eu. O que se dizia nessa reforma, e ainda se diz, é que os meios de comunicação não podem fazer campanha a favor ou contra candidatos e teses.

Leia também:

Caros Amigos: Um outro caso que a mídia “desconheceu”

Dr. Rosinha: Retirada do nome do relatório da CPI não absolve Gurgel

Mino Carta: O PT não é o que prometia ser, demoliu seu passado honrado

Folha vai à suíte presidencial para sugerir caso de Lula com Rose

Leandro Fortes: Cardozo fica de fora da Operação da PF, constrangendo governo e PT

Kasrils:”O que Israel faz com os palestinos é pior que o apartheid”

Bandeira de Mello: “Não se condenará mais ninguém por pressuposição”

Relatório Leveson propõe órgão independente para monitorar jornais

Promotor italiano que condenou donos da Eternit é por banir amianto aqui

Dr. Rosinha e a CPI do Cachoeira: Policarpo cometeu um crime

No Senado, Collor diz estranhar decisão de omitir indiciados

 Carta Maior denuncia o modo ‘Folha’ de fazer jornalismo: Vergonha!

Procuradora Fairbanks: Não existe conversa de Rosemary com Lula

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Leia também