Policarpo não fez “mau jornalismo”; cometeu um crime
por Dr. Rosinha*
“Este é o retrato sem retoques de como se faz um jornalismo sem ética, um jornalismo que, para destruir determinado alvo ou determinado projeto político, não hesita em violar as leis, a Constituição e a própria dignidade dos cidadãos.”
É dessa forma que o incisivo texto do relatório final da CPI do Cachoeira define a relação de Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília da revista Veja, com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acusado de chefiar uma quadrilha com tentáculos no poder público e na mídia.
O jornalista da CBN, Kennedy Alencar, em comentário sobre a CPI, disse que o relatório final não apresenta provas contra Policarpo. Para Alencar, Policarpo não cometeu nada além de “mau jornalismo”. “E mau jornalismo não é crime”, afirma.
De fato, não é, embora isso também seja bastante questionável. Mas o que emerge do relatório final é muito mais do que “mau jornalismo”. Só um corporativismo ancestral pode explicar a declaração de Kennedy Alencar. No relatório, Policarpo Jr. aparece encomendando grampos clandestinos e pedindo ajuda para devassar, sem autorização legal, a intimidade de um cidadão brasileiro (no caso, Zé Dirceu, quando hospedado em um hotel de Brasília). Em troca desses “pequenos favores”, Policarpo fazia o papel de assessor de imprensa da organização chefiada por Cachoeira: publicava o que lhes era conveniente e omitia o resto. Assassinava reputações e promovia jagunços de colarinho branco, como o ex-senador Demóstenes Torres, também integrante da organização, a exemplos éticos a serem seguidos pelas próximas gerações.
Quando a Delta não foi beneficiada por uma licitação para a pavimentação de uma rodovia federal, Cachoeira acionou Policarpo para, através de uma reportagem da Veja, “melar” a licitação. Posteriormente, como os interesses da Delta continuaram a ser negligenciados, Cachoeira e Policarpo montaram uma ofensiva para derrubar o ministro dos Transportes – o que acabaram por conseguir.
Em troca, quando lhe interessava, Policarpo solicitava à organização criminosa que, por exemplo, “levantasse” as ligações de um deputado. Tudo isso está no relatório final, provado através das ligações interceptadas pela PF com autorização judicial. Não é “mau jornalismo” apenas. É crime.
“Não se pode confundir a exigência do exercício da responsabilidade ética com cerceamento à liberdade de informar. Os diálogos revelam uma profícua, antiga e bem azeitada parceria entre Carlos Cachoeira e Policarpo Júnior”, diz o relatório.
Policarpo não é o único jornalista envolvido com a organização de Cachoeira, mas é sem dúvida o que mais fundo foi neste lodaçal. Durante a CPI, não foi possível convocá-lo para depor, porque não havia condições políticas para tanto. Agora, porém, as provas falavam alto.
Apoie o VIOMUNDO
Porém as questões políticas (necessidade de aprovar o relatório) mais uma vez se interpuseram. Assim como feito em relação ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi necessário retirar as menções a Policarpo do documento. O relator entendeu, e eu o compreendo e defendo, que Policarpo, perto do governador Marconi Perillo, do PSDB de Goiás, é secundário. Mas, ser secundário não afasta a necessidade de a Polícia Federal continuar a investigá-lo, e espero que o faça, mesmo com seu nome não constando no relatório. Afinal, todo suspeito deve ser investigado.
*Deputado federal do PT-PR
Leia também:
Marcos Coimbra: A história do mensalão faz água por todos os lados
Lincoln Secco: A guerra contra a esquerda no Brasil
Rodrigo Vianna: Inglaterra investiga crimes de imprensa; no Brasil, não pode: seria “revanchismo”!
Mauricio Dias: Roberto Gurgel volta a atacar
PT: STF não garantiu amplo direito de defesa, fez julgamento político e desrespeitou a Constituição
Nassif: Por que o ministro Ayres Britto se calou?
Leandro Fortes:Trâmite do mensalão tucano desafia a noção de que o Brasil mudou
Lewandowski: “A teoria do domínio do fato, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada”
Jurista alemão adverte sobre o mau uso de sua “Teoria do Domínio do Fato”Patrick Mariano: Decisão do ministro Joaquim Barbosa viola a Constituição e as leis vigentes
Bernardo Kucinski: Macartismo à brasileira
Ramatis Jacino, do Inspir: O sonho do ministro Joaquim Barbosa pode virar pesadelo
Comparato: Pretos, pobres, prostitutas e petistas
Dalmo Dallari critica vazamento de votos e diz que mídia cobre STF “como se fosse um comício”
Rubens Casara: “Risco da tentação populista é produzir decisões casuísticas”
Luiz Flávio Gomes: “Um mesmo ministro do Supremo investigar e julgar é do tempo da Inquisição”




Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!