Leandro Fortes: Dilma começa a acordar

Tempo de leitura: 4 min

por Leandro Fortes, em CartaCapital

Quando Dilma Rousseff se vestiu para ir à festa de aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, logo depois de assumir a Presidência, em 2011, eu fui um dos poucos a reagir publicamente na imprensa. Mesmo entre os blogueiros progressistas, lembro apenas de outra voz dissonante a reclamar da atitude servil da presidenta, a da historiadora Conceição Oliveira, do blog “Maria Frô”.

De resto, o gesto foi forçosamente saudado como um ato de estadista, de representação formal do governo e do Estado brasileiro junto a uma “instituição” nacional, no caso, o conservador diário instalado na rua Barão de Limeira, na capital paulista. O mesmo diário que, meses antes, estampara uma ficha falsa de Dilma na primeira página, com o objetivo de demonizá-la como guerrilheira e assassina e, assim, eleger o candidato do jornal, José Serra, do PSDB.

Não é difícil compreender, contudo, o que pretendia Dilma ao aceitar fazer parte da noite de gala da família Frias. Terminada a Era Lula, a presidenta se viu na contingência de criar uma rede própria de relações na mídia, com quem imaginou ser possível firmar um acordo de civilidade. Lula, a seu tempo, também caiu nessa esparrela. Mas nem a experiência do governo anterior, nem as baixarias encampadas pela mídia na campanha de 2010, ao que parece, foram capazes de convencer Dilma da inutilidade desse movimento.

A mídia que aí está, protegida pelas cidadelas dos oligopólios e por uma adestrada bancada parlamentar de vários níveis, nunca irá se conciliar com um governo de cores populares, de ligações esquerdistas, mesmo esse esquerdismo envergonhado do PT. Essa mídia tem como única agenda a defesa do grande capital, do latifúndio e do liberalismo econômico predatório regulado pelas forças do mercado. É uma mídia constrangedoramente provinciana, mas absolutamente descolada da realidade brasileira, ignorante da força dos movimentos sociais e nutrida, cada vez mais, por jornalistas pinçados da mesma classe média que acostumou a paralisar pelo medo. E, em muitos casos, por experientes jornalistas cooptados pela perspectiva de visibilidade e uma aposentadoria tranquila, às favas com os escrúpulos, pois.

Dilma, por sua vez, protege-se dessa discussão por trás do escudo da “gerentona”, da presidenta voltada para a administração da infraestrutura e da saúde econômica do país. Pouca ou nenhuma atenção dá ao alvoroço golpista diuturnamente organizado, ainda que no modelo cucaracha mais do que manjado aqui consolidado no esqueminha Veja-Jornal Nacional-Folha-Estadão-Globo, com o suporte diário dos suspeitos de sempre plantados nas trocentas colunas de opinião a serviço do pensamento único ditado pela direita brasileira.

Foi preciso um tapa na cara dado, vejam vocês, pelo gentil Fernando Henrique Cardoso para Dilma Rousseff, enfim, esboçar uma reação – e, possivelmente, entender o que está se passando no país que existe além da calçada do Palácio do Planalto e das planilhas sobre evolução da base monetária. Resgatado temporariamente do esquecimento, FHC foi alçado ao patamar de boneco de ventríloquo para falar o que nem mesmo a mídia, em toda sua fúria conservadora, tinha tido coragem até então de por em palavras: Dilma seria vítima de uma “herança pesada” de Lula.

Isso vindo de um presidente que quebrou o país três vezes, submeteu a nação ao FMI, permitiu um apagão energético, foi reeleito graças à compra de votos no Congresso e deixou o cargo com a popularidade no rodapé.

Expor FHC ao ridículo e, ao mesmo tempo, incensá-lo com longos textos laudatórios faz parte de um paradoxo recorrente na imprensa brasileira, também descolada cada vez mais de um artigo de luxo: o jornalismo. A capa da Veja com Marcos Valério de Souza, vermelho como um pobre diabo, a acusar Lula é mais um movimento desesperado para interditar o ex-presidente, justamente quando ele trabalha para eleger candidatos do PT Brasil afora. O texto, baseado em frases atribuídas a Valério, ainda que viesse mesmo da boca do publicitário mineiro, é parte de mais um rito dessa polca golpista entoada por uma estrutura de comunicação viciada e moribunda.

O mais curioso, no entanto, é a revelação feita pela Folha de S.Paulo sobre os gastos oficiais de publicidade federal com essa mídia tão liberal e amante da livre iniciativa: as Organizações Globo ficam com um terço de todo o dinheiro do tesouro nacional disponível para propaganda; as dez maiores empresas do ramo, com 70%. Ou seja, são financiados para fazer panfletagem política de quinta categoria.

Sem essas tetas generosas do governo ao qual achincalham por encomenda, todas essas portentosas instituições da imprensa nacional e seus zelosos colunistas, estes, lacrimosos paladinos da liberdade da expressão e do livre mercado, iriam à bancarrota. Todas, sem exceção.

Na semana passada, Dilma cancelou de última hora a presença em um evento da revista Exame, a quinzenal de economia da Editora Abril, em São Paulo. Alegou “motivos familiares”, mas já havia sido avisada da patranha da Veja. Mandou o ministro Guido Mantega, da Fazenda, em seu lugar. No meio do evento, Mantega se levantou e foi embora. No mesmo dia, instigada pelos donos, a cachorrada hidrofóbica instalada no esgoto da blogosfera se autoflagelou, histérica.

Já é um começo.

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Comentários

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Rodrigo Prado

Doce ilusão do Leandro Fortes.
O Governo nunca irá se “rebelar” contra qualquer órgão da “grande” mídia.
Se quisesse fazer algo relevante era só acertar onde mais dói, no bolso.
E faz o contrário, libera verba para publicidade como se fosse um direito adquirido das revistas e jornais.

Valmont

O governo Dilma continua pagando tributo à mídia golpista, esse mesmo PiG que tornará a atacá-la na próxima eleição. Criando cobras…

FrancoAtirador

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Golpismo age como se não houvesse amanhã

Por Saul Leblon, no Blog das Frases – Cata Maior

Carlinhos Cachoeira e seu ubíquo braço-direito, o araponga Dadá, não estão mais à solta para emprestar artes e ofício às reportagens’ e ‘denúncias’ programadas por ‘Veja’. Quase não se nota.
Se o plantel perdeu talento específico, o engajamento na meliância política ganhou em arrojo e sofreguidão.
A constelação de colunistas que orbita em torno daquilo que ‘Veja’ excreta arregaçou mangas e redobra esforços.

A afinação do jogral não deixa dúvida sobre o alvo mais cobiçado, como mostra a meticulosa análise de Marco Aurélio Weissheimer (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20898).

O troféu da vez é Lula, não a pessoa, mas o símbolo de uma barragem que reordenou a política brasileira criando espaço à ascensão do campo popular.

Buliçosos escribas do jornalismo isento sugerem nesta 2ª-feira que podem superar as mais dilatadas expectativas na caça ao tesouro.

As postagens do colunismo amigo de Demóstenes Torres — outro centurião da linha de frente abatido sem deixar vácuo — sugerem a travessia de um Rubicão.

O conservadorismo age como se não houvesse amanhã. A crise econômica não destruiu o governo do PT e o país retoma o crescimento neste 4º trimestre. Então, é agora ou nunca.

Com a ajuda das togas que atiçam o linchamento contra o partido no STF, a mídia demotucana arranca uma escalada preventiva vertiginosa.

Comete-se de forma explícita aquilo que até mesmo Dadá e Cachoeira teriam pejo em praticar desguarnecidos das sombras: a chantagem ancorada em ‘provas’ improváveis, mas tornadas críveis através do incessante centrifugador de carniça de quatro hélices: Veja-colunistas- bancada demotucana-Procuradoria geral da República.

No manuseio dessa engrenagem exibem o que sabem fazer melhor: regurgitar guerra política travestida de jornalismo; incorporar denúncias palatáveis à heterodoxia jurídica; arredondar a massa informe em escândalo e criminalização de forças e lideranças que não derrotam na urna há três eleições presidenciais.

Nas últimas 72 horas uma não-entrevista do publicitário Marcus Valério a ‘Veja’, talvez pela pífia credibilidade e repercussão do meio e da mensagem, transformou-se em ‘entrevista gravada’ — mas cujo áudio a revista ‘estuda’ se vai liberar’, avisam os relações públicas do comboio em marcha.

Ato contínuo, o renitente vácuo de credibilidade é ocupado pelo anúncio da existência de um suposto vídeo, ‘de 4 cópias’ (sempre é oportuno um detalhe para granjear confiabilidade à impostura) em que um desesperado Marcus Valério faria revelações para divulgação imediata — ‘caso sofra um atentado’, acena um operador da usina de carniça midiática, exalando o odor característico que o inebria.

Claro, o indefectível procurador Roberto Gurgel está disponível para dar uma pala, emprestando glacê jurídico aos fuzarqueiros do golpismo; porém, evocando parcimônia: ‘só’ posteriormente ao julgamento em curso no STF, as denúncias de Valério contra Lula — negadas pelo próprio e por seu advogado, até segunda ordem — poderão, eventualmente, ser examinadas pelo ministério público.

No fecho do rally desta segunda-feira, o PSDB e seu rodapé gasto, Roberto Freire, ‘exigiam’ que Lula se pronunciasse sobre a maromba desatada.

Esse é o idioma político adotado pelo dispositivo midiático conservador — que recebeu 70% da publicidade federal do governo Dilma — a dois anos da sucessão de 2014.

http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1094

Leonardo Meireles Câmara

Ué, não estou entendendo. O governo não precisa cortar custos? Então porque não começa acabando com a boquinha desses pilantras?

Não quero meu dinheiro de impostos na mão dessas “famiglias” mafiosas.

Patrick

Leandro é um otimista.

wilson

Alimentando o crocodilo p/ ser o último a ser devorado por ele.Essa mídia tupiniquim não passa de uma navezinha, a nave mãe tem outro endereço e é de lá que vem a ordem.Essa estratégia de controlar a mídia na América Latina proporcionou a queda de Alende com o caos nos transportes.A TV é muito,muito mas muito forte, só não ve quem não quer.Lei dos Médios já!

Willian

Alguns jornalistas se ressentem de Dilma não comprar uma briga que não é dela, mas deles. Grande parte destes jornalistas já trabalhou nestes veículos e por diversos motivos saíram (ou foram saídos de lá). Imaginavam que quando seu grupo chegasse ao poder seria a hora da desforra. Mas nem Lula, e muito menos Dilma, que estão mais interessados no projeto de poder PT, quiseram comprar uma briga em mais esta frente. Nove anos no poder e o PT sabe quem pode comprar na grande imprensa e quem não pode.

    Alexandro Rodrigues

    Seus erros de concordância fazem o que você escreveu não ter o menor sentido…

Julio Silveira

Oxalá não seja apenas marcação de território em época de campanha.

Rodrigo Vianna: Dilma, a ilusão de um acordo com a mídia « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Leandro Fortes: Dilma começa a acordar […]

Rasec

Excelente artigo! Fica difícil defender um governo de golpes diários plantados por uma elite predatória, e preconceituosa quando esse mesmo governo é quem a financia. Lamentável! Acorda Dilma!

Dialética

Mas sem povo ela nunca poderá acordar. Lula também gostaria de ter acordado, mas o povo não entendeu nada e ficou esperando que o Messias resolvesse lá em Brasilia.Aprendamos com Portugal, que está tentando outra revolução dos cravos…

tiago carneiro

A tucana presidenta Dilma poderia acordar fazendo um governo de vergonha, que olhasse pelo trabalhador.

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