Maria Inês Nassif: Dilma é Dilma, Lula é Lula

Tempo de leitura: 4 min

12/09/2011 | Copyleft

DEBATE ABERTO

Dilma é Dilma, Lula é Lula

Todo o temor dos setores de centro-esquerda nas eleições do ano passado residia no fato de a candidata ungida por Lula, Dilma Rousseff, não ter as mesmas qualidades do ex-presidente. Os primeiros nove meses de governo, todavia, mostram que, em alguns casos, ela transformou suas desvantagens em vantagens.

Maria Inês Nassif, na Carta Maior (sugestão do Igor Fellipe)

O talento de Luiz Inácio Lula da Silva para lidar com as multidões; sua expertise em diálogo, adquirida nas mesas de negociação com os patrões como sindicalista; a ascendência sobre o PT, por ter sido, desde a criação do partido, a ligação entre os quadros de esquerda e as massas; e até um tendência ao pragmatismo acabaram concentrando todos os elementos de governabilidade em suas mãos, nos seus dois mandatos (2002-2010).

O carisma e o talento político, e algumas apostas bem sucedidas – que permitiram a inclusão de grandes contingentes pobres à sociedade de consumo – se sobrepuseram a condições extremamente desfavoráveis do seu mandato. Lula lidava com uma elite política rachada ao meio: na base de apoio, tinha que lidar com a política de clientela de partidos tradicionais, à direita ou ao centro; na oposição, com um udenismo que tinha grande potencial de instabilização do regime. Sem fazer o governo dos sonhos da esquerda de seu partido ou dos movimentos sociais, a guinada à direita do PSDB e o “lulismo” das bases acabaram limitando a ação dos grupos mais radicais. Seu vínculo com a CUT também neutralizou o movimento sindical.

Todo o temor dos setores de centro-esquerda nas eleições do ano passado residia no fato de a candidata ungida por Lula, Dilma Rousseff, não ter as mesmas qualidades. A presidenta eleita não tem vínculos históricos com o PT ou com os movimentos sociais, não tem prática de negociação – nem no movimento sindical, nem com os partidos políticos – e não é uma líder popular. Os primeiros nove meses de governo, todavia, mostram que, em alguns casos, ela transformou suas desvantagens em vantagens. Depois de oito anos de governo de um líder político como Lula, era obrigatória a reautonomização dos partidos e dos movimentos sociais.

A crise política e a radicalização à direita do PSDB e do PFL juntaram esses atores em torno de Lula. O governo Dilma acena para uma certa organização da vida institucional, pelo menos no que se refere às forças que deram apoio orgânico à sua candidatura. A disputa política tende a ser menor no cenário institucional e se desloca para a sociedade. Governo vira governo, partido vira partido, movimento sindical vira movimento sindical e movimentos sociais viram movimentos sociais.

O Congresso do PT, realizado no início de junho, é um exemplo. O partido saiu da toca e construiu sua própria agenda política, com itens que o governo não necessariamente assumirá, como a regulamentação da mídia. A reforma política, se comove governo e partido, está nas mãos do partido: a opinião pública precisa estar convencida disso e a luta se dá no Legislativo, entre os partidos políticos. A CUT reassumiu a bandeira da redução da jornada de trabalho sem o correspodente corte em salários. O MST aproveitou uma evidente preferência do governo por medidas destinadas ao incentivo da produção na propriedade familiar, tem sido ouvido nas suas reivindicações por crédito e tecnologia para assentados e deve colocar a reforma agrária no campo de luta social (até hoje não foi feita nenhuma desapropriação para fins de reforma agrária no governo Dilma).

Sem grandes vínculos com o partido e com os movimentos sociais historicamente ligados a Lula, Dilma tem gasto mais tempo com eles do que seu antecessor. O ex-presidente entendia esses setores como uma extensão de seu mandato. E tinha o “lulismo” como amortecedor de demandas mais radicais. Desde o episódio dos “aloprados” — em 2006, a Polícia Federal deu flagrante em petistas que tentavam comprar um dossiê contra o candidato ao governo pelo PSD, José Serra – , Lula botou a direção do PT na geladeira. O deputado Ricardo Berzoini, então presidente do partido, amargou o desgaste do episódio junto ao governo até o fim de seu mandato na presidência do PT. Quando José Eduardo Dutra, quadro da confiança de Lula, assumiu a presidência petista, a campanha eleitoral já estava em andamento. O PT se concentrou nas eleições; Lula, no governo e nas eleições.

Com uma composição muito elástica da base parlamentar, Lula evitou conversar diretamente com os movimentos sociais. O que garantiu um certo controle sobre os movimentos mais radicais foi a radicalização à direita da oposição. Não havia interesse desses setores me enfraquecer o governo, depois de terem sofrido um período negro de criminalização nos governos tucanos. A CUT também perdeu o poder de ação, embora os trabalhadores do setor público tenham mantido alguma militância.

Dilma devolveu poder à direção do PT, ao abrir um contato direto com o atual presidente da agremiação, Rui Falcão. Abriu sua agenda para políticos. E, além de ter conversado pessoalmente com líderes de movimentos sociais, manteve o canal aberto com esses setores via Gilberto Carvalho, nomeado secretário-geral, que tem um diálogo inquestionável com eles.

O racha do DEM, o PSD, também foi um grande presente para a presidenta. Com uma base parlamentar muito grande, os pequenos partidos de direita tendem a ser neutralizados com os novos integrantes da base. O governo também pode se dar ao luxo de abrir mão de parte dos votos do PMDB para aprovar matérias de seu interesse. Tanto é assim que a presidenta tem feito as mudanças no Ministério a cada escândalo, devolvendo aos partidos da base o ônus pelo desgaste dos malfeitos dos titulares das pastas por eles indicados.

É certo que muita água vai correr debaixo da ponte até terminar o primeiro mandato de Dilma – e mais água ainda se ela conseguir a reeleição. Mas o fato é que os primeiros meses de seu governo mostram que Dilma é Dilma e Lula é Lula. Cada um lida com as dificuldades de governo com as qualidades que possui.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

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Comentários

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SILOÉ-RJ

AZENHA;
Sensacional a propaganda do governo nessa matéria do seu blog. Ela deveria estar em todas as mídias. Tocante linda simples e objetiva.
Parabéns, a agencia de publicidade responsável.

ZePovinho

Segunda a minha patroa(que dava aulas por lá),o Instituto Cajamar de formação de quadros para o PT foi detonado por Dirceu e por Jorge Lorezentti.
Sem quadros novos,a burocracia domina o partido e fica fácil para as corporações se tornarem donas dele.
Tem de haver gente nova.Com Dilma(que é Dilma,graças a Deus),Lula,parece,percebeu o tamanho da besteira que fez ao não fazer nada para que o PT mantivesse o Instituto Cajamar.

"……Singelo exemplo: em recente entrevista ao jornal Valor, o presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Sergio Nobre, lamentou que o PT tenha abandonado a organização de células de base -numa das quais ele despertou para a militancia- onde se discutia política, projetos e lutas. Por quê? Que fim levou o projeto de escola de quadros do PT? Com a palavra, Rui Falcão"……
(Carta Maior; 4ª feira, 14/09/ 2011)

UMA GOVERNANÇA QUE NÃO CONSEGUE RESOLVER O CALOTE DA GRÉCIA VAI RESOLVER O QUÊ?

Os bancos franceses tiveram sua avaliação de risco piorada hoje. Motivo: o sistema financeiro gaulês tem mais de 59 bilhões de euros empenhados na Grécia, cuja dívida externa soma 300 bi de euros rumo ao calote. O FMI reúne-se hoje para discutir o colapso da Grécia. Merkel, Sarkozy e Papandreu tem hoje uma teleconferência para garimpar um caminho alternativo ao 'default' da Grécia. O secretário do Tesouro norte-americano Timothy Garthner viaja em caráter extraordinário à Polônia nesta 6ª feira onde acontece uma reunião de ministros da economia do euro. Assunto: Grécia. A profusão de reuniões, declarações e rumores reflete ao mesmo tempo um sentimento de prontidão e um vácuo de lideranças, instrumentos e políticas à altura da crise econômica em curso no sistema capitalista mundial. Se nem mesmo um calote de 300 bi de euros encontra solução nesse corre-corre sem rumo, que esperança pode haver para desafios sistêmicos, a exemplo de uma reforma que empurre o dentifrício das finanças desreguladas de volta ao tubo? Por que as peças do quebra-cabeças não se juntam, ao contrário, se dissolvem, em contraposição ao que ocorreu em 1929? É singelo apontar o dedo para a medíocre expressão dos personagens que atravessam a tela em direção ao rodapé da história: Merkel, Sarkozy, Barroso, Cameron, Lagarde, Obama… Melhor do que o escarnecer os tripulantes do naufrágio, porém, é arguir a estrutura que leva a nau à pique. Falta à crise um interlocutor social organizado, partidos e sindicatos consequentes, uma mídia progressista de qualidade e disseminada, capazes de nuclear idéias e forças que desloquem e ampliem o patamar das respostas sistêmicas requeridas pela crise. Foi num aluvião de mobilização social que surgiu um Roosevelt; um Getúlio Vargas; uma Frente Popular na França e a proeminência de forças de esquerda em todo o mundo nas décadas que se seguiram ao crash de 29 nos EUA. Foi desse embate maiúsculo de idéias e forças que nasceu o New Deal e uma espiral de planejamento público, direitos sociais e coerção saudável das finanças que, juntos, recolocaram os mercados a serviço da sociedade -em maior ou menor graduação, a depender da relação de forças em cada caso. Não se pode exigir dos personagens transitórios que cruzam a tela nesse momento mais do que mitigação. Cores e contornos acima de sua palidez terão que ser buscados na palheta progressista. Ou nada deterá o rumo funesto dos acontecimentos. Singelo exemplo: em recente entrevista ao jornal Valor, o presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Sergio Nobre, lamentou que o PT tenha abandonado a organização de células de base -numa das quais ele despertou para a militancia- onde se discutia política, projetos e lutas. Por quê? Que fim levou o projeto de escola de quadros do PT? Com a palavra, Rui Falcão.
(Carta Maior; 4ª feira, 14/09/ 2011)

Sagarana

Essa menina é de Taubaté?

SILOÉ-RJ

LULA e DILMA pessoas visivelmente diferentes mas com os mesmos objetivos e o mesmo foco. É isso que importa.

Elias SP SP

Com todo respeito que Maria Inês merece, e me desculpando por antecipação devido ao grau de minha ignorância, faço um pergunta com humildade. O que significa "REAUTOMIZAÇÃO dos partidos e dos movimentos sociais"?

    Elias SP SP

    Aproveitando que escrevi errado e agora corrigindo, a “reautonomização dos partidos e dos movimentos sociais” me parece algo impossível de se pôr em prática no jogo da política brasileira. “Governo vira governo, partido vira partido, movimento sindical vira movimento sindical e movimentos sociais viram movimentos sociais.” O que é isso? O país de Alice? Autonomia, (ou ‘reautonomia’) não é coisa da democracia. Na democracia se administra idéias conflitantes. Lula fez do seu modo, Dilma faz do jeito dela e assim segue a nave que deve nos levar cada vez mais a um país melhor.

    Elias SP SP

    Peço ao Viomundo que publique a reparação que fiz sobre o comentário acima. Foi ignorado duas vezes. Por gentileza dêem-me ao menos o motivo da recusa.

ricardo silveira

É óbvio que cada governante lida com as dificuldades que enfrenta com as qualidades que têm. E daí? A questão é considerar a qualidade das dificuldades que cada um enfrenta. As de Lula foram herança de FHC e a de Dilma, herança de Lula. Será que é tão difícil perceber que as dificuldades de Dilma são infinitamente menores que as de Lula? Mais, porque será que as boas políticas de Lula são sempre vistas como “apostas bem sucedidas”? O preconceito está encalacrado até nas pessoas bem intencionadas. Parece que Lula é um mau exemplo e que Dilma precisa se diferenciar. Ora, por tudo que Lula fez é mais provável que, no lugar de Dilma, Lula teria um desempenho melhor ou, no mínimo, igual ao dela. A propósito, cadê o marco regulatório?

Bertold

Inês Nassif escreve bem mas erra fragorosamente sua análise sobre o PT. Engana-se ela, o partido é ciente da responsabilidade de apoiar e fiar o governo mas Rui Falcão na presidência significa na verdade o controle do PT pelo PT e uma garantia de independência. Se Dilma quiser viver de um pragmatismo perene, fazendo muitas concessões ao neoliberalismo interno como vem fazendo, em algum momento terá sérios problemas com as bases do PT e não haverá estabilidade econômica que impeça o partido de reivindicar o cumprimento de suas bandeira mais caras.

Esdras Oliveira

A Maria Inês é uma craque, sem mais

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