Falta de transparência trai memória das vítimas da ditadura na USP
Tempo de leitura: 9 minMonumento da USP: Falta de transparência trai a memória das vítimas da ditadura
por Conceição Lemes
Em 3 de outubro, o Viomundo publicou: A USP homenageia as vítimas da “Revolução de 1964″?
Na placa do monumento às vítimas da ditadura na USP, que está em construção na Praça do Relógio, ao lado do bloco A do CRUSP, estava escrito: Monumento em Homenagem a Mortos e Cassados na Revolução de 1964
A ministra Maria do Rosário, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, indignada, detonou: Essa placa na USP é um absurdo.
Em seguida, a sua assessoria de imprensa nos enviou por e-mail a sua posição: “Farei contato com o reitor para mudar imediatamente a inscrição na placa”.
A Petrobras, também por e-mail, informou que o nome do projeto que patrocina era outro.
No dia 4 à tarde, a Reitoria da USP, por meio da sua assessoria de imprensa, nos enviou por e-mail, o seguinte esclarecimento:
“Houve um erro na inscrição da placa. O nome correto é: Monumento em Homenagem aos Mortos e Cassados no Regime Militar. Trata-se de um projeto do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. A correção da placa será feita o mais breve possível.
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Por favor, peço a gentileza de que inclua este esclarecimento em sua matéria, pois o NEV é um grupo de pesquisa reconhecimento nacional e internacionalmente e não pode ser exposto dessa forma por um erro na placa da obra”.
NOTA DE ESCLARECIMENTO DO NEV, QUE SE NEGA A ESCLARECER DÚVIDAS
Criado em 1987, o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEVUSP) tem como um dos seus coordenadores o professor Sérgio Adorno. O professor Paulo Sérgio Pinheiro, especialista em direitos humanos, também integra o núcleo, onde atua como pesquisador associado. Foi ele quem nos endereçou em 6 de outubro, através da assessoria de imprensa do NEV, uma nota de esclarecimento, da qual destacamos abaixo alguns trechos (a íntegra está no final desta matéria)
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Memorial aos Membros da Comunidade USP
Vítimas do Regime da Ditadura Militar – 1964/1985
Em 2010, o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP) teve a iniciativa de propor à Reitoria da Universidade de São Paulo a construção de um Memorial em homenagem aos membros da comunidade USP que foram perseguidos durante o regime autoritário que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. A Reitoria manifestou apoio ao projeto, inclusive comprometendo-se a ceder a área em terreno da Universidade.
…….
Em resposta a esta sinalização de apoio, o NEV/USP, com a ajuda de arquitetos formados pela USP – que trabalharam voluntariamente –, formulou um pré-projeto arquitetônico que foi apresentado ao então Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), Paulo Vannuchi, com vistas à obtenção de financiamento.
…….
Assim a Universidade de São Paulo ao promover uma homenagem a essas vítimas, dá um passo necessário e muito aguardado. Ainda que numerosas homenagens parciais tenham tido lugar em diferentes departamentos – como, por exemplo, aquela realizada na Faculdade de Medicina, a sete professores cassados entre 1964 e 1969 – é necessário que seja ouvida a voz oficial da instituição acadêmica, em respeito às vítimas e à própria história desta Universidade de São Paulo.
……
Para viabilizar esta homenagem o NEV/USP, com apoio da Reitoria, associou-se à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, à FUSP e à Petrobrás. Esse consórcio forneceu os fundos necessários à obra física do Memorial (sic).
……
A inauguração do Memorial está prevista para dezembro de 2011.
Como a nota de esclarecimento era insuficiente para certos pingos nos is, solicitei mais esclarecimentos, enviando estas perguntas por e-mail ao professor Paulo Sérgio Pinheiro:
“Li o texto que nos enviou por intermédio do Itã [assessor de imprensa do NEV]. Gostaria de esclarecer várias dúvidas, já que a Reitoria não o fez.
1) Na placa estava escrito uma coisa, a Reitoria nos informou outra. E aparentemente o que estará escrito será terceira. Mais precisamente o título que consta na nota de esclarecimento Memorial aos Membros da Comunidade USPVítimas do Regime da Ditadura Militar – 1964/1985. É isso mesmo?
2) De acordo com a placa, a obra começou em 16 de agosto. Por que decorridos quase 50 dias ninguém da Reitoria nem do NEV havia percebido o equívoco? Segundo a Scopus, a solicitação de alteração só foi feita na manhã seguinte à publicação da reportagem do Viomundo.
3) Já que é um projeto importante do NEV por que os senhores não estavam acompanhando todos os passos? Não houve nem a curiosidade de passar por lá para ver o início das obras?
4) Na nota de esclarecimento, é dito: “Para viabilizar esta homenagem o NEV/USP, com apoio da Reitoria, associou-se à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, à FUSP e à Petrobrás. Esse consórcio forneceu os fundos necessários à obra física do Memorial”.
Só que quem efetivamente forneceu os fundos para a obra física do Memorial foi a Petrobras, que fechou um contrato com a FUSP, correto?
5) Na placa são citadas ainda a Scopus, a Dezoito Arquitetura e Coordenadoria do Espaço Físico (Coesf). Qual o papel delas?
6) Na nota de esclarecimento é dito também: “o NEV/USP, com a ajuda de arquitetos formados pela USP – que trabalharam voluntariamente –, formulou um pré-projeto arquitetônico”. A Dezoito Arquitetura não recebeu nada pelo projeto?
7) Segundo a placa, a obra ficará em 89 mil e poucos reais. Como foi distribuído esse valor repassado à FUSP? Quanto cabe à Scopus, à Dezoito e demais envolvidos? Qual a taxa de administração que a FUSP cobra? Quem contratou quem?
8) Como foi contratado o projeto? E a sua execução?
9) Normalmente obras desse porte em órgãos públicos exigem licitação. E segundo a Reitoria foi feita licitação. Qual o número da licitação?
10) Como é efetuado o pagamento? Mensal? No final da obra?
11) O memorial vai ficar pronto na data prevista?
Como não houve retorno, contatei o assessor de imprensa do NEV. Foi, aí, que soube por ele que nem o professor Paulo Sérgio nem o NEV iriam responder mais nada.
Enviei-lhes novo e-mail, reiterando a demanda, acrescentando:
“Caro Professor Paulo Sérgio,
Como até o início da tarde desta sexta-feira, 7 de outubro, não obtive qualquer retorno do senhor, liguei para o assessor de imprensa do NEV.
Foi então que ele me disse que nem o senhor nem o NEV se manifestariam mais sobre o assunto. Tudo o que a instituição tinha a dizer estava na nota de esclarecimento.
Pedi-lhe, então que me enviasse um e-mail, informando exatamente isso, pra eu documentar a posição dos senhores. Ele concordou.
Porém, como passou algum tempo e o e-mail não veio, liguei novamente para o assessor de imprensa do NEV. Foi aí que ele me disse que o NEV não encaminharia mais nada.
Ou seja, se eu não tivesse insistido, nem a resposta de que NEV não encaminharia mais nada, eu teria. É uma pena, pois eu só quero a verdade”.
Renovei a solicitação mais duas vezes. Nenhuma resposta.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA É UMA TRAIÇÃO À MEMÓRIA DAS VÍTIMAS
O fato é que há mais mistérios em torno da “placa da USP” do que somente o nome errado:
1) A Reitoria da USP, por meio da sua assessoria de imprensa, nos informou que para a contratação do projeto “foi feita licitação, sim. Porém, não disponho do número. Verificarei”. Só que essa informação não chegou a esta repórter até hoje.
2) NaMaria, do NaMariaNews, uma das maiores especialistas em Diário Oficial do Estado de São Paulo, arregaçou as mangas para nos ajudar a desvendar mistério. Não encontrou nenhuma ocorrência no DO para a obra do memorial. Pelo menos entre as licitações feitas pela FUSP, Coesf e USP, a menos que tenha um lapso do DO.
3) A obra teria começado em 16 de agosto, segundo a “placa” maldita. Questionada por que decorridos quase 50 dias (na época da denúncia) ninguém da reitoria ou da Coordenadoria do Espaço Físico havia percebido o erro, a Reitoria afirmou: “A placa é recente. O erro já havia sido percebido e já havia sida (sic) solicitada a correção”.
Só que, segundo a Scopus, empresa encarregada da construção do memorial, o pedido para retificação da placa só foi feito na manhã do dia 4 de outubro, portanto muitas horas após a denúncia feita pelo Viomundo.
4) O memorial está sendo construído na Praça do Relógio, na Cidade Universitária. O NEV fica ao lado do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e em frente à Escola Politécnica. Para se ir até o NEV, passa-se a uns 100 metros da Praça do Relógio.
Considerando que o memorial é importante para o NEV, por que ninguém do núcleo, ao menos por curiosidade, deu uma passada lá para saber como estava o andamento da obra? Se tivesse feito isso, certamente descobriria o erro da placa antes da denúncia.
A “placa” já era assunto entre os estudantes quase uma semana antes da matéria do Viomundo. Será que foi desinteresse? Descaso? Esquecimento ou sei lá o quê?
5) A Petrobras fechou contrato de patrocínio de R$ 89.013,13 com a Fundação Universidade de São Paulo (FUSP) para a execução do memorial.
O “percurso” completo desse dinheiro é uma incógnita, já que não nos foi fornecido o documento público de licitação nem qualquer informação sobre a execução da obra. Como foram distribuídos os 89 mil reais, descontada a taxa de administração da FUSP? Será que foi tudo para a Scopus, já que a Dezoito Arquitetura fez o pré-projeto voluntariamente?
6)Aparentemente o memorial será um “biombão” de concreto. Os nomes serão escritos aleatoriamente, sem obedecer ordem alfabética. Abaixo imagens dos croquis:
A nota de esclarecimento do NEV encaminhada a esta repórter, a pedido do professor Paulo Sérgio Pinheiro, afirma:
“A lista dos nomes que irão figurar do Memorial será produto da pesquisa em andamento, realizada pelos pesquisadores do NEV/USP, a partir de diversos levantamentos prévios, como aquele feito na publicação O Controle Ideológico na USP, editada pela Associação dos Docentes da USP em 2004. Para melhorar a qualidade das informações estão sendo realizadas entrevistas e pesquisas nos Departamentos de Pessoal das unidades de ensino da USP”.
Isso significa que obra foi iniciada sem que o NEV tivesse pronta a lista dos nomes a serem homenageados, já que essa nota nos foi enviada no dia 6 de outubro. Como se começa uma obra sem que a “alma” dela esteja pronta? O NEV receberá por isso?
7) Na verdade, até mesmo o nome definitivo ainda é uma incógnita.
A placa original dizia: Monumento em Homenagem a Mortos e Cassados na Revolução de 1964.
A reitoria da USP reconheceu o erro e disse que o nome correto é: Monumento em Homenagem aos Mortos e Cassados no Regime Militar.
Porém, segundo a nota de esclarecimento do NEV, o nome é outro: Memorial aos Membros da Comunidade USP Vítimas do Regime da Ditadura Militar – 1964/1985.
A Reitoria teria informado incorretamente ao Viomundo o nome do monumento? Ou o correto é realmente esse da nota de esclarecimento do NEV? Ou será que o correto é A Repressão na USP: Monumento em Homenagem a Mortos e Cassados, já que este é o nome do projeto que a Petrobras está financiando. Foi uma das perguntas que fiz ao professor Paulo Sérgio Pinheiro e não obtive resposta.
Certamente os mortos e os torturados da USP pela ditadura civil-militar não aceitariam que em nome deles se fizesse algo tão pouco transparente. Eles que já haviam sido vítimas do golpe de 64, foram, de novo, traídos, na própria “casa”.
Por isso, repito aqui o final da mensagem que enviei ao professor Paulo Sérgio Pinheiro e ao NEV, questionando a não resposta:
“Num e-mail que me enviou o senhor disse: ‘
Conceição,
espeto que vs ajudem a salvrbo mmorial depois da controversia se conta que nunca na Usp e a primeira vez que um reitor faz um homenagem aos cassados,mortos e presos professores,alunos e funcipnaros da Usp 21 anos depois do fim d ditadura…” (sic)
Como ajudar a salvar o memorial, se a Reitoria, o NEV e o senhor me sonegam as informações necessárias para esclarecer definitivamente essa história?”
Em tempo. A nota de esclarecimento do NEV diz:
Para viabilizar esta homenagem o NEV/USP, com apoio da Reitoria, associou-se à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República…
Só que o nome correto da parceira é Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (sem o Especial), como nos alertou a assessoria de imprensa da própria Secretaria.
Íntegra da nota enviada ao Viomundo pela assessoria de imprensa do NEVUSP, a pedido do professor Paulo Sérgio Pinheiro
Leia também:
Professor Caio Toledo: Vitória simbólica sobre a ditadura pós-1964










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