por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania
No último domingo, o jornal Folha de São Paulo publicou matéria que, além de mau jornalismo, pode ser considerada uma farsa revoltante e uma legítima aberração científico-estatística. Pesquisa do instituto Datafolha, que pertence ao grupo que controla o jornal, foi estampada em sua primeira página sob um título que distorce os fatos e que se baseou em uma grosseira manipulação da base de dados da pesquisa.
Dizem que a melhor forma de esconder alguma coisa é fazê-lo à vista de todos, sobretudo em países em que a opinião pública majoritária, a de classe média – que é a parcela da sociedade que lê jornais – é tão pouco atenta, de cultura geral tão baixa e tão facilmente manipulável como ocorre no Brasil. Foi assim que a Folha deixou ver no próprio título de sua matéria a distorção mal-intencionada e estarrecedora que cometeu.
Vejamos a principal manchete de primeira página que estampou a edição da Folha de São Paulo de 13 de novembro de 2011:
“58% dos alunos da USP apoiam a PM no campus”.
A grande má fé nessa matéria, nessa manchete e na própria pesquisa que apurou esse dado saltam aos olhos por várias razões, todas incontestáveis. E o que preocupa não é apenas a ousadia dos autores dessa farsa, mas confiança deles na incapacidade da opinião pública de pensar por si mesma e de enxergar o óbvio, uma confiança que se vê justificada ao se analisar manifestações dessa “opinião pública” que a imprensa expõe em colunas de leitores em jornais e revistas ou em comentários de internautas em sites ou blogs corporativos da grande mídia.
A primeira razão é a que deveria saltar mais aos olhos, mas que quase passa batida. A presença da polícia na USP é uma questão de Segurança Pública e que, portanto, de forma alguma afeta só os alunos da USP, mas a todos aqueles que trabalham na Cidade Universitária, como professores e outros funcionários da instituição, sem falar em quem não trabalha ou estuda por lá, mas que tem que ir ao local pelas mais variadas razões.
A segunda razão é a de que a pesquisa não ouviu só os estudantes que freqüentam a Cidade Universitária, na Zona Oeste da capital paulista, mas outras unidades da Universidade de São Paulo até em outras cidades do Estado, pessoas cujas opiniões sobre o que acontece no campus paulistano têm a mesma validade que as de quaisquer outros cidadãos de qualquer outra parte do país porque essas pessoas não estão expostas ao que se passa por lá.
A terceira razão é a minimização escandalosa da contradição que a pesquisa também revelou à vista de todos e que, aí sim, deveria ter sido a manchete principal de primeira página da Folha de domingo passado se o jornal não tivesse tentado manipular a informação distorcida que seu instituto de pesquisa apurou: apesar de a maioria (58%) do universo pesquisado apoiar a PM na Cidade Universitária, maioria similar (57%) acha que a presença da polícia por lá não adianta nada, sendo que apenas 27% dos pesquisados acha que adianta.
A matéria da Folha e a própria pesquisa Datafolha em tela, além da farsa, também encerram valiosas informações sobre a mentalidade elitista e excludente não só da própria USP, mas da grande imprensa.
Antes de prosseguir, leitor, analise, na foto logo abaixo deste parágrafo, a contraposição das imagens de manifestações dos estudantes que apoiam a PM na USP e dos que são contra.
Certamente o leitor já intuiu o que vem a seguir.
Somem-se as imagens a outros fatos: a matéria da Folha revela que o apoio à PM detectado pelo Datafolha é majoritário entre os alunos de Exatas (77%) e Biológicas (76%), mas é amplamente minoritário entre os alunos de Humanas (54% contra e apenas 40% a favor).
Somemos, finalmente, esse dado sobre as áreas que apóiam ou não a PM à informação que a ombudsman da Folha, Suzana Singer, ofereceu no último domingo, de que “Os alunos de maior poder aquisitivo estão, em geral, nos cursos de engenharia, economia e medicina [exatas e biológicas], não em filosofia, ciências sociais, história e letras [Humanas]”.
Fica perfeitamente claro, portanto, como é ridículo dizerem “filhinhos de papai” os estudantes da USP contrários à PM no campus. Eles pertencem, como se vê, àquela minoria do corpo discente da universidade composta por jovens que muitas vezes são pobres e chegaram com esforço hercúleo à universidade gratuita apesar da falta de condições financeiras, como mostram a pesquisa, os fatos e as fotos.
Este post chega ao fim deixando o leitor com uma reflexão: alguém acredita seriamente que os estudantes que apóiam a PM na USP fumam menos maconha do que aqueles que são contra?
Leia também:
Relatório da Secretaria de Direitos Humanos confirma: Reitor da USP votou contra vítimas da ditadura
20 comentários
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Datafolha sobre o apoio à PM na USP é uma aberração estatística – Eduardo Guimarães « Ágora
19 de dezembro de 2011 às 00h31[…] Blog da Cidadania e Viomundo […]
carlos5
30 de novembro de 2011 às 19h52argumantação mais fraca essa do Eduardo Guimarães…
a manchete diz: "58% DOS ALUNOS…"
aí começa o "mar das lamentações":
1) Eduardo Guimarães "reclama" q SÓ os alunos foram ouvidos… mas a manchete diz exatamente isso!
2) Depois, ele reclama q TODOS os alunos foram ouvidos e não só os do CAMPUS… o q novamente está de acordo com a manchete e a noticia!
3) Finalmente, ele "descobre um furo": se 58% são a favor, como pode 57% achar q não adianta nada? Mas qual o problema? as respostas são "excludentes"?
resumindo:
Eduardo Guimarães produziu um texto cheio de vícios, meias-verdades e mentiras inteiras para denunciar um texto q, segundo ele, era cheio de vicios, meias verdades e mentiras inteiras!
assim, fica dificil de acreditar, né?
Carlos
22 de novembro de 2011 às 13h45Caro Eduardo mudando de assunto, mas para um lado político que o senhor deve ser a favor, e que tem a ver com manipulação estatística:
Porque tanta força dos intelectuais de araque da sua esquerda burra em juntar pardos a negros em todos os estudos e notícias??? Para fabricar um racismo no Brasil????
Na minha opinião isso nem deveria fazer parte de um censo, somos brasileiros, nem negros, nem brancos, nem a pqp…
Eduardo Guimarães
19 de novembro de 2011 às 07h59Apesar de as fotos serem menos importantes do que a argumentação do texto, informo que a foto dos estudantes favoráveis à PM foi extraída da edição da Folha de São Paulo do último domingo e foi publicada por mais de um ângulo, sendo claro que é totalmente legítima, e a foto dos estudantes contrários à PM é da assembléia que fizeram após a invasão do campus, segundo a matéria de onde foi tirada
Walter Akio Goya
17 de novembro de 2011 às 15h49Perdão, não quero entrar nessa discussão toda.
Concordo que existam dois mundos (perdoem a generalização, é um estereótipo que funciona muitas vezes): um é dos ricos POLI/FEA e dos pobres FFLCH.
Não existe diálogo entre eles; uma pena. Afinal, o que eles vêm é a mais pura realidade: para os primeiros, a polícia é segurança. Para os outros, é autoritarismo, brutalidade e truculência. Não é assim que funciona? Antes de estudantes e funcionários da USP, são todos paulistanos e conhecem a PM que age em seu bairro.
Porém, corrijam aí senhores jornalistas… a foto que representa a FFLCH é da greve dois funcionários da limpeza… que não tem nada a ver com a de agora. http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/not…
PS: talvez até tenha uma foto com muito mais gente votando na assembléia pela greve (2 mil? 3 mil pessoas?).
Pedro
17 de novembro de 2011 às 15h48Eduardo, onde você pegou essas fotos das manifestações dos estudantes? Porque aí tem um erro seríssimo, que me preocupa bastante.
A foto dos estudantes da FFLCH foi tomada da greve dos funcionários terceirizados da USP que ocorreu em abril: http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/not…
Então onde você queria chegar com essa comparação?
Klaus
17 de novembro de 2011 às 23h51Parece que o Eduardo pegou uma foto de uma greve de funcionários dizendo que era do pessoal da FFLCH. Já seria grave. Mas a foto dos "apoiadores" da PM no campus claramente foi trabalhada com Photoshop para incluir o mauricinho branco engravatado. Para se ter certeza da manipulação, basta verificar que o sol alcança o engravatado pela esquerda, enquanto no restante dos manifestantes, pela direita. Vergonha, seu Eduardo.
P.S.Duas coisas que espero: que este post seja publicado e que ele venha dar sua versão sobre as fotos. Duvido que uma delas aconteça.
Klaus
18 de novembro de 2011 às 00h02A foto foi manipulada pela própria Folha. Ao Eduardo, desculpas. Agora, por que manipularam, é uma boa pergunta.
Alexandre Bitencourt
21 de novembro de 2011 às 17h58Não parece manipulação não, observe o cabelo dele comparado com os outros estudantes. Logo mais pense que a cartolina pode estar refletindo o sol contra o outro lado do rosto.
Klaus
17 de novembro de 2011 às 14h49Ano que vem tem eleição para prefeito de São Paulo. É um dever do candidato petista deixar bem claro aos eleitores se é a favor ou contra à PM na USP. Digo isto, porque em época de eleição candidatos costumam desdizer o que disseram antes, como uma candidata que sempre foi a favor do aborto (assim como o seu partido), mas que de olho nos votos religiosos disse ser contra, ou algo parecido. Eleição é uma boa hora para se debater este assunto, não?
Marcelo
17 de novembro de 2011 às 14h21Amigos,
Aquela foto com o rapaz segurando um cartaz em apoio à PM parece ser UMA MONTAGEM fotografica (feita com photoshop). Eu trabalho com manipulação de imagens à 20 anos e creio que esse rapaz nao estava no meio desse povo que está aplaudindo. Me parece que ele foi APLICADO ali.
[[ ]]s
cronopio
17 de novembro de 2011 às 21h04Nossa, você tem razão. Tem uma luz incidindo no rosto dele completamente diferente da luz ambiente. A camiseta do rapaz de azul tem uma fímbria branca que foi utilizada para disfarçar o recorte. O ombro da menina de camiseta branca apresenta um ângulo oblíquo que contraria qualquer manual de anatomia. Dá para notar também uma discrepância entre o foco, parece realmente uma colagem. Estou abismado. Isso é um crime grave. Será que não podemos processar o jornal? Incrível! Marcelo, isso exige medidas jurídicas. Vou salvar essa foto. Isso é prova contra o PIG. Que canalhice!
Klaus
17 de novembro de 2011 às 23h43É verdade, parece Photoshop. A quem interessaria colocar um branco engravatado com jeitão de mauricinho apoiando a PM no Campus? Diz aí…
Antonio
17 de novembro de 2011 às 13h00A foto acima dos que não apóiam a PM na USP parece foto de comercial de desodorante, com atores e atrizes bem vestidos e maquiados.
cronopio
17 de novembro de 2011 às 21h08Antônio, repare no rapaz que segura o cartaz. Trata-se de uma colagem, tenho quase certeza. Um comentário nesse sentido me alertou e agora me parece um serviço grosseiro. Meu pai trabalha com edição de imagens, mas basta olhar com atenção e você vai perceber. Há uma luz incidindo sobre o rosto dele completamente diferente da luz ambiente. A camiseta do rapaz de azul tem uma fímbria branca que foi utilizada para disfarçar o recorte. O ombro da menina de camiseta branca apresenta um ângulo oblíquo que contraria qualquer manual de anatomia. Dá para notar também uma discrepância entre o foco, parece realmente uma colagem. Gostaria de saber as consequências legais dessa armação. O que pode acontecer com o jornal que frauda uma foto?
Vinicius
17 de novembro de 2011 às 12h50Faço duas observações, uma concordando e outra me opondo ao que está no texto.
Primeiro me oponho. Estudo na FEA, trabalho de terno e gravata como o rapaz da foto e mesmo assim não passou pela minha cabeça apoiar essa manifestação mal informada.
Segundo, trago mais uma informação que o jornal omitiu.
À pergunta 'Você é a favor ou contra a ação da Polícia Militar que desocupou a reitoria ocupada pelos estudantes?', as respostas foram:
A favor – 45%
Contra – 46%
Nem a favor nem contra – 5%
Não sabe – 3%
Pela lógica do jornal, a manchete seria: 'Maioria é contra a ação da PM para desocupar reitoria'.
FrancoAtirador
17 de novembro de 2011 às 12h38.
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"alguém acredita seriamente que os estudantes que apóiam a PM na USP
fumam menos maconha do que aqueles que são contra?"
Maconha, não sei.
Mas cocaína e ecstasy,
dá 80% a favor da PM.
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Rodrigo
17 de novembro de 2011 às 11h37"Fica perfeitamente claro, portanto, como é ridículo dizerem “filhinhos de papai” os estudantes da USP contrários à PM no campus. Eles pertencem, como se vê, àquela minoria do corpo discente da universidade composta por jovens que muitas vezes são pobres e chegaram com esforço hercúleo à universidade gratuita apesar da falta de condições financeiras, como mostram a pesquisa, os fatos e as fotos."
Meu caro, essa dedução mais me parece um licensa poética. No meu entender, e em minha experiência vivida no campus universitário público, acho que não se pode chegar a essa conclusão
Jorge
17 de novembro de 2011 às 13h40Concordo. Não se pode chegar a essa conclusão, mas podemos com certeza, sem ânimo de parecer pedante, concluir que uma 'licensa' escrita com tamanha desfaçatez pode ser de tudo, menos poética!!
José Vitor
17 de novembro de 2011 às 10h56A edição da Folha onde saiu essa pesquisa era visivelmente voltada a justificar a ação da PM, ops, o governo do Alckmin, mas sem dar muito na vista, sem falar no nome do Alckmin.
Coisa parecida foi o artigo recente do Paulo Moreira Leite na Época, que foi mostrado aqui também no Viomundo, que distorce o acontecido, como se o consumo de maconha fosse a causa de tudo, e sem falar nem uma vez no governo do estado e no nome do Alckmin.