Marcio Sotelo Felippe: A vendedora de ovos e os perdigotos

Tempo de leitura: 3 min

por Marcio Sotelo Felippe

Hegel contava a história da vendedora de ovos. A moça bonita foi reclamar que os ovos que comprara estavam podres. A vendedora, uma velha senhora, responde: “quem você pensa que é para reclamar comigo? Teu pai é um inútil, tua mãe uma vadia que fugiu com um francês e ninguém sabe de onde vem o teu dinheiro”.

Hegel queria mostrar como um conflito pode ser tratado de modo enviesado e a argumentação sobre o fato concreto, que é o que importa, obscurecida. Os ovos estavam podres, ainda que a moça fosse mesmo prostituta, o pai um inútil e a mãe adúltera. No entanto, dito isto, a questão do apodrecimento dos ovos desaparece.

Quando Reinaldo Azevedo polemiza com alguém usa a estratégia da velhinha dos ovos. Basta passar os olhos pelos seus posts. Alguém que lhe criticou solta perdigotos. O pai de Vladimir Safatle é latifundiário improdutivo. Ao polemizar com a brilhante psicanalista Maria Rita Kehl, procura atingi-la profissionalmente.

Em seu post de ontem, respondeu às críticas que lhe fiz por distorcer a nota da Associação Juízes para a Democracia (AJD) sobre os recentes acontecimentos da USP. A nota dizia a coisa mais óbvia da democracia: a lei ordinária deve estar de acordo com a Constituição e respeitar os direitos fundamentais. Usava uma linguagem diferente para dizer essa coisa elementar. Como a expressão usada pela AJD era inusual, (cimo da Constituição) prestou-se à manipulação do colunista. E eu sou apresentado como “poderoso” por conta de um cargo que deixei de exercer há 11 anos. Sutil. Se um “poderoso” o ataca, ele, que insulta, passa a ser a vítima.

No dia anterior, um amigo me dizia que haveria resposta dele. Respondi na hora: se responder, Reinaldo Azevedo vai usar a estratégia da velhinha dos ovos. Não deu outra. Ninguém lhe disse que eu solto perdigotos. Então, escarafunchou a minha vida pessoal e achou o mote: minha mulher é juíza e é da AJD. A mensagem é clara: estou defendendo minha mulher. Tudo o mais fica em segundo plano. Se eu digo que ele usa expedientes macarthistas, que expõe, consciente e irresponsavelmente, os dirigentes da AJD ao nominá-los um a um, ele, incorporando a velhinha dos ovos, fala da minha mulher. Como falou dos perdigotos e do pai de Safatle.

Agora vejamos o seu post de 9 de dezembro, após tudo que relatei: “blogueiros a soldo do oficialismo, que pagam as contas com o nosso dinheiro, criaram o mito de que ofendo as pessoas. Já aconteceu, sim, aqui e ali, coisa rara, mas em questões pessoais — e nunca sem ter sido atacado antes. Mas deixei isso de lado. Quando se trata de um tema público, nunca! Nada de ofensas!

Vejam bem: se se trata de um tema público, ele nunca ofendeu…

Vou explicar como funciona a coisa. Quando elege alguém como inimigo político, Reinaldo Azevedo introduz de algum modo um aspecto pessoal negativo. Nesse momento seus leitores ficam envolvidos numa atmosfera complicada. O clima que se estabelece é do tipo “vou lhe contar um segredinho terrível sobre fulano. Sabe, ele solta perdigotos; sabe, o pai dele é um latifundiário complicado”. Os argumentos que aparecem no resto do texto pouco importam. O trabalho sujo está feito. O adversário está desqualificado. A ideia é humilhar, operar com as baixas emoções, com o ressentimento, com o ódio. Se o leitor não gostava de esquerdistas por razões políticas, agora não gosta de esquerdistas porque eles são pessoas ruins, desprezíveis, repugnantes.

O leitor há de perceber onde isso pode chegar. A História está repleta de exemplos. Quando, em vez de ideias, as pessoas são desqualificadas, o clima para coisas ruins vai sendo criado. O primeiro passo é esse: apresentar o adversário político como alguém que não merece respeito como pessoa. A grande vítima dessa estratégia é o processo democrático. Na democracia, ideias são discutidas. Não o pai, os perdigotos ou a mulher.

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Marcio Sotelo Felippe é Procurador do Estado de São Paulo

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