O salário de professor e os heróis da mídia

Tempo de leitura: 3 min

16.02.12 – Brasil
Salário de professor

por Gabriel Novis Neves
Médico e ex-reitor da UFMT

do Adital, sugerido pelo leitor Paulo de Tarso, via e-mail

Estava me deslocando de carro com o rádio ligado em um programa de notícias locais. O entrevistado era o secretário municipal de Educação. A cada pergunta feita pelo experiente jornalista – que de poder entende tudo, vinha uma resposta redondinha.

A impressão que os ouvintes tinham, e também o próprio entrevistador, era de que a Educação básica em Cuiabá estava entre as melhores do mundo. Não se faz Educação de qualidade sem professores qualificados e motivados. Com alunos em espaços físicos inadequados, sem bibliotecas, laboratórios, áreas de lazer e alunos em tempo integral.

Para exercer a função de professor é necessário possuir curso superior e enfrentar um concurso público. Após ouvir maravilhas sobre esta Educação pública desconhecida pela população de Cuiabá – não se esquecendo de que os filhos dos ricos e políticos, frequentam Escolas particulares – veio a pergunta que todos os ouvintes gostariam de escutar: “Quanto ganha um professor de ensino básico na rede pública municipal?”.

A resposta não foi tão rápida como aquelas em que o secretário afirmou que não tínhamos crianças fora da Escola; que o número de creches estava sendo aumentado e que a Educação infantil caminhava para a sua universalização. Após uns segundos, o secretário respondeu: “Dentre as capitais brasileiras, Cuiabá é a segunda que melhor remunera os seus professores.”

Diante dessa afirmação, o jornalista, e, claro, os ouvintes, quiseram saber o valor desses salários. “Em meio período (20h), o professor ganha cerca de R$ 1.360. Em dois turnos (40h), o dobro” – respondeu o secretário. Estava encerrada a entrevista.

Tenho uma faxineira que nem sei se tem instrução primária. Chegou à minha casa indicada por amigos por seus méritos pessoais. Trabalha seis horas por semana, com direito a auxílio transporte, café da manhã, lanche, almoço e banho no final do expediente.

Não lava ou passa roupas, não cozinha, apenas faz a manutenção semanal do meu apartamento. Pago com satisfação R$ 85,00 por visita. Em um rápido cálculo verifiquei que, trabalhando cinco dias por semana, seu salário líquido era superior ao de um professor da segunda capital do Brasil a melhor pagar seus educadores.

Os nossos administradores públicos têm a infeliz mania de tapar o sol com a peneira. Se compararmos o salário que o mercado de trabalho oferece a outras categorias profissionais, veremos que o Brasil remunera muito mal seus professores. E o pior: parece que nossos dirigentes não têm consciência disso, ou têm?

No mínimo, eles deveriam reconhecer a nossa real situação educacional, qual seja: de baixíssima qualidade. Pesquisas recentes demonstram que é a estupidez de alguns países que os impede de investirem pesadamente na formação e profissionalização dos seus mestres, e Educação das suas crianças.

Diante dessa visão caolha com relação à Educação – e providencial para a sobrevivência de alguns grupos políticos – estaremos eternamente condenados a ser exportadores de alimentos e matéria- prima para os países que priorizaram a Educação.

A boa Educação passa, necessariamente, pelo bom professor.

Como somos um país rico, o projeto de lei mais importante que tramita no Congresso Nacional é aquele em que se dará o título de Heróis Nacionais aos jogadores titulares, e aos reservas, dos campeonatos mundiais de futebol de 1958, de 1962 e de 1970.

O texto prevê ainda um prêmio de R$ 100 mil para cada jogador titular e reserva, e um auxílio especial para a aposentadoria de heróis, como Pelé, Zagalo, Tostão, Rivelino, Leão e tantos outros atletas que tanto fizeram por eles, digo, pelo Brasil. Ser professor no Brasil é uma opção de vida quase sacerdotal. Herois são os da mídia, como a Luiza que voltou do Canadá.

[Fonte: Diário de Cuiabá (MT)]

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Comentários

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Geralda

Ser professor em nosso país é assinar sua sentença de miséria e fome.É isto mesmo povo alienado é muito melhor para governar. Até quando iremos sem priorizar a educação?

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[…] Novis Neves Médico e ex-reitor da UFMT do Adital, sugerido pelo leitor Paulo de Tarso. Via VioMundo. Estava me deslocando de carro com o rádio ligado em um programa de notícias locais. O […]

O_Brasileiro

A mídia "dos banqueiros" só fala no impacto do aumento do piso dos professores sobre os cofres das prefeituras… Sobre o custo dos juros, ai eles pedem aumento dos juros, mesmo que isso custe queda do preço do dólar e baixa competitividade da indústria nacional!
Não sei o que é pior: se políticos corruptos ou se uma mídia corrupta…

Lucas Costa

Precisamente hoje veio um montador de móveis aqui em casa, montar o berço do meu filho. Percebi pela conversa que se tratava de uma pessoa com algum grau de instrução. Ele era nitidamente muito mais educado dos que as outras pessoas que vieram fazer o mesmo tipo de serviço em outras ocasiões. Qual não foi minha surpresa ao saber que se tratava de um licenciado em matemática! Disse ele que havia abandonado as aulas pois ganhava mais com este tipo de serviço. Continuava dando aulas, mas apenas de reforço escolar. Não tenho elementos para duvidar do que ele me falou.

Um licenciado em matemática veio montar o berço do meu filho… Será que haverá quem o ensine a fazer as contas daqui a uns anos, meu deus???

Luis

Excelente texto mas muito lamentavel a situação.
Ainda bem que há aqui o anonimato pois sou também um professor…
Lembram da frase do Rui Babosa em que dizia que "haverá um termpo em que as pessoas terão vergonha de serem honestas"?
Para refletir…

Rafael

O Brasil continuará sendo um país medíocre enquanto medíocre for a importância dada à educação pelos nossos governantes.

francisco p. neto

Se o Brasil tivesse trilhado na década de 60, principalmente no período da ditadura, o caminho que a Coréia do Sul trilhou, investindo pesado em educação, hoje o país seria outro.
E vou mais além. Se o Brasil não tivesse caído nas mãos dos ditadores de farda, que oficializou o retorno das capitanias hereditárias, distribuindo-as para as oligaquias que por sua vez foram cooptadas pelos governos e empresários dos EUA e seus aliados, hoje o país seria sem sombra de dúvidas a segunda economia mundial.

carlos costa

escola, pra valer, tem que ser horario integral; o professor, qualificado, muito bem remunerado; do jeito que é hoje é uma farsa.

Rita

Vocês já viram em São Paulo? Professor com 25 anos de trabalho, duas graduações pela USP, com 25% da prova de mérito vai se aposentar com 2.500,00 reais. Isto com jornada completa.

    Márcio Gaspar

    Com 25 anos, 2500,00!!! Agora imagina para quem está començando a lecionar no Estado ou Município.

    Douglas

    Por isso que o curso a ser feito é ser "ADEVOGADO" pra "DESPOIS" ser um "JUIZE DI DIREITO". Esse sim. Pode matar (http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u123744.shtml), esfolar, vender sentenças, etc. A pena para ele? Se aposentar com salário integral (mais de 20 contos + mordomias). É mole?

Francisco

Sou professor tem vinte anos. Comecei cedo. Rapidamente vi que ensino fundamental (na época, quinta a oitava série) pagava o suficiente para custear o próprio trabalho. As colegas ficaram com medo de perder o emprego se reivindicassem. Não pensei duas vezes, pulei para o ensino médio – pagava melhor. Fiz concurso público e descobri em três meses que eu ficava cobrindo a aula vaga de "trocentos" colegas. Tentei organizar o pessoal, não rolou (ACM tava no auge), pulei fora.

Fui ensinar em cursinho pré-vestibular e preparatório. Até hoje é a única modalidade de ensino no Brasil que entrega o que promete. Mas não forma cidadãos. Continuei (e continuo) atuando ai, apesar de tudo, é trabalho honesto, ninguém entra ali enganado. Mas eu queria formar brasileiros. Comecei a ensinar em universidade: senso critico, cidadania, leitura dos clássicos. Excelente! Foi maravilhoso por um tempo.

Ai veio FHC e privatizou a educação superior (educação superior pública no Brasil é meramente residual, na prática, acabou). Comecei a ver colegas perderem o emprego porque os "clientes" não estavam contentes com a nota, a cobrança de empenho e qualidade. Tentei me adaptar, me prostitui um bocado, desde "maneirar" na nota até dar aula de tudo, a cada semestre de uma coisa – verticalidade zero – até que não teve jeito. "Professor, nós não gostamos da sua nota!". Um professor vale menos que três ou quatro "clientes"… Resultado: rua.

Hoje dou aula em pós-graduação, estou mais velho e tenho menos caráter – graças a Deus, ou não pagava minhas contas e tento montar negócios que envolvam conhecimento (cursos, consultoria, RH, o que rola). Não forço a barra: se o aluno demandar, tem Nietzsche, Marx, Piaget, Freud, Marcuse, o "escambau". Se não demandar, "feijão com arroz". Isso e "arredondar a nota para cima" (um eufemismo de consequências trágicas…) ou "fazer um trabalhinho para ajudar" (mais auto-engano nosso, docente…). Curiosamente, quando comecei a ensinar não ligava para nota, o importante era a aprendizagem, hoje…

Mão de obra caríssima para o país formar (tenho mestrado), não dou aula do que sei e quando dou é com o "freio de mão puxado". Contudo, como eu, outros tantos foram cuidar com a vida. O mercado "esvaziou". De lá para cá, criaram um piso nacional e um PNE, vejo na TV campanhas para as pessoas optarem por ser professores e bolsas de estudo para os estudantes de licenciatura (!). Botaram até (pasme!) número máximo de alunos por sala! E eu que já tive, uma vez, que dar aula para cento e vinte alunos numa sala de escola pública!! Tá ficando legal.

Acredite: esta ficando bem melhor… Mas não é ESSE o problema.

Sem professor, vão ter que pagar direito. Se a lei da oferta e da procura funciona, daqui a dez ou vinte anos eles vão pagar o certo, numa estrutura que funcione. Cadeira para o professor sentar e, talvez até, papel higiênico para as professoras. Chique no "urtimo". Dez ou vinte anos. Quem se formar daqui a vinte anos, vai se aposentar da docência daqui a cinquenta ou sessenta (vinte mais trinta ou quarenta). Esses professores serão os que eu – e tantos colegas assustados – passamos por que são "clientes". Só então começará a "revolução na educação". Não estarei vivo, mas torço para que esse dia chegue, sinceramente. Mais sessenta anos. Sessenta.

Na boa, daqui a sessenta anos, com o avanço das coisas, ainda vai existir escola?

    Marcelo de Matos

    Francisco, parabéns, você foi sincero. Nossa solidariedade.

    Eduardo Di Lascio

    Vai existir ensino, mas não escola.

    Miguel

    tenho cinco anos a menos de magisterio, mas trajetoria semelhante. E ainda temos que ouvir maledicentes nos chamando de encostados e privilegiados…

    Celso

    Francisco, bela descrição de uma trajetória rejeitada! Sou professor também, e quando leio o post que originou o seu desabafo, também, tenho vontade de chorar pelo quanto nós estamos esquecidos, e pior, isso não muda nada! Torço, semelhantemente a você, que, em algum futuro, sabe-se lá, a sociedade olhe para nós, professores.

    Erica Akira

    Ainda estou no início da jornada de professor, mas depoimentos como esse e artigos como o que originou esse comentário me deixam emocionada. Não sou a “única maluca que acredita no ensinar”. Minha solidariedade. Sou sonhadora mas já antevejo que não vai ser fácil.

JOSE DANTAS

Os governos fazem de conta que pagam, os professores que ensinam e os alunos que aprendem. Quem merece mais do que ganha encontra outra opção de sobrevivência que lhe proporcione melhor condição financeira, mesmo que seja pintando uma parede ou pilotando um fogão.

    cronopio

    Olha o fascista aí, gente! José Dantas, mais um fascista sai do armário! A lista só cresce…

Eduardo Di Lascio

No ensino mais geral, o professor vai ser substituído pela internet, o ensino à distância. Primeiro as escolas públicas e aos poucos, as particulares. Só vão permanecer os mais especializados em algum assunto muito específico, em faculdades ou cursos de extensão ou os de colégios muito elitizados. Não dou mais do que 20 anos para isso se consolidar.

    cronopio

    Com todo respeito, Eduardo, mas acho que o professor vai é ser substituído pelo Policial e a sala de aula, pelo presídio.

    Eduardo Di Lascio

    A máquina de moer carne que é mundo em que vivemos quer pessoas treinadas, mas não educadas. Quanto mais destreza e menos reflexão, melhor, caminhamos nesta direção.

    Eduardo Di Lascio

    Eu acho engraçado as pessoas que negativam o meu comentário, será que você acreditam que eu acho que o fim dos professores é uma coisa boa?

    Lucas Costa

    Não entenderam.

Eduardo Di Lascio

Por mais que o brasileiro médio concorde que tem que valorizar o professor, ele age na direção contrária, desprezando a cultura e o saber, ouvindo lixo, assistindo lixo, lendo lixo, achando bonito ser ignorante, dando risada de quem sabe mais.

Marcelo de Matos

É verdade que a faxineira do autor do post pode ganhar mais que um professor. Um pintor de parede também. Acabo de contratar um aqui no prédio para pintar o teto da minha cozinha por R$ 190,00. Ele está pintando um apartamento no andar de baixo e já preparou o teto da cozinha com sobras de massa corrida do outro apartamento (a tinta que usará, também, será sobra do outro apartamento). Assim eu não gastarei com material. Pintores e pedreiros, entre empreitadas e biscates, conseguem ganhar mais que um professor. O pedreiro que me presta serviços na casa de praia comprou um Palio 0 km. Ganhar pouco, porém, não é o principal problema do professor. Duro deve ser ensinar a quem não se interessa em aprender; difícil deve ser suportar desobediência, indisciplina, desrespeito e violência dos alunos, sem contar a falta de colaboração, a incompreensão e até agressões dos pais. O sistema protege os alunos (ECA e outras leis) e quem dá respaldo ao professor? Ele tem de tentar impor disciplina em classes de 40 alunos – claro que não consegue.

tiago tobias

Eu tenho 24 anos e mesmo sendo professor há dois anos, encaro com perplexidade e pessimismo o sistema educacional brasileiro. Tirando todas as questões referentes ao investimento dos governos na educação, acredito que o problema maior das pessoas são suas "referências" de sucesso. Desde cedo, somos educados, graças aos filminhos da sessão da tarde, que ser "nerd" é sinônimo de fracasso. Nos filminhos da sessão da tarde é sempre o cara que joga futebol americano quem come todo mundo, que se dá bem e é popular. O nerd é o babaca, o cara que não aproveita a vida, que leva uma existência "loser" e não é convidado para participar do baile de formatura.
As referências dos nossos jovens são as piores possíveis. Louvam-se como heróis esportistas, artistas de novelas, participantes de reality shows, os vulgares, os incultos…Estes sim, são os paradigmas de sucesso que moldam a percepção da molecada. Nunca se louva o gênio criativo de um cientista, de um escritor, de um inventor…O sucesso só é alcançado pelos "espertos", pelos "desonestos", pelos burros, descolados…Pra que ser intelectual, pra que estudar? Vá cuidar do seu tchan, otário!

Em tempo: nunca vou esquecer de um programa da Xuxa em que, numa competição entre meninos e meninas, o ganhador levava um belíssimo brinquedo como prêmio e o perdedor, como castigo, levava um livro!

Pedro

E olha que a Luiza nem concorda com o que dizem sobre ela: http://youtu.be/vhN7MYq_6ic

Luiz

Em Caxias do Sul, professores de escola municipal recebem, junto com outros benefícios, perto de 3 mil por 40h. O estado, agora administrato pelo PT, paga nem a metade disso e resiste pagar metade dos professores de Caxias, também pelas 40 horas semanais.

    Julio Silveira

    Sempre disse que o Tarso é um burgues metido a socialista e que não se diferencia de nenhum dos burgueses que anteriomente governaram o estado para seu grupo social. Sua fome politica prejudicou e muito o Olivio Dutra, um sujeito, esse sim, afinado com a classes mais humildes, que integrou as vilas a cidade, que chegou a peitar o modus operandi da parceria burguesa politica local. Esperar empenho para melhorar a vida dos professores do estado vindo nessa administração, terá que ser sentado.

professofredor

O texto é um retrato preciso da situação de descaso dos governos e, por extensão, da sociedade para com a Educação. Sugiro tb a leitura de http://professofredor.wordpress.com/2012/02/24/sa… onde há mais informações sobre a pesquisa citada (PISA) e sobre o caráter "sacerdotal" da profissão.

Gerson Carneiro

Professores são tão achincalhados por parlamentares. São tão achincalhados.

O que é o salário de um professor em relação aos ganhos de um político (para não ir tão longe, de um vereador)?

Em Campinas-SP, logo após terem cassado o prefeito e o vice, os vereadores se sentiram "com moral" para, em uma votação relâmpago, subir os próprios salários, de R$ 6,5 mil para R$ 15 mil.

Heróis são os do BBB.

    Eduardo Di Lascio

    As pessoas dizem que admiram os professores, mas quem realmente aspira a uma carreira condenada ao desconforto e à frustracão contínua? Temos é compaixão.

    Miguel

    eu sempre quis ser professor. faco o que gosto, felizmente – nem todo mundo tem esse prazer.

fernandomayer

Excelente texto. Demonstra claramente como vivemos em um país de "heróis" que não trazem nada de útil para a sociedade. O Brasil é um país onde a política do pão (bolsa família, etc) e circo (futebol, carnaval) funciona perfeitamente. Educação básica e respeito ao trabalho de quem se dedica a ensinar não tem espaço nesse sistema. Até quando?

Celso Carvalho

Excelente post.

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