Mike Whitney: Usando o mercado de ações para enriquecer ainda mais com dinheiro público

Tempo de leitura: 6 min

Números fictícios de um sistema fictício

A alta de Wall Street que não foi alta

por MIKE WHITNEY*, no Counterpunch, em 23.08.2012

As ações norte-americanas atingiram alta recorde de quatro anos na terça-feira antes de mergulhar de volta em território negativo ao final do pregão. Normalmente, um pico como aquele causaria aplausos, mas não desta vez. Desta vez a reação foi mais controlada, sombria, especialmente porque a alta está ficando sem combustível e os investidores estão incertos se o Banco Central vai resgatá-los de novo ou não.

Embora o índice Dow Jones e a S&P 500 tenham subido por 6 semanas consecutivas e mais que dobrado desde 9 de março de 2009, quando estavam no piso (naquele dia o índice Dow Jones fechou em 6.547 pontos e o S&P em 676), os investidores sabem que tudo não passa de fumaça e espelhos resultantes de taxa de juros zero e injeções de liquidez. É por isso que os pequenos investidores continuam a fugir dos fundos de ação, em massa. Papais e mamães estão convencidos de que não estão competindo em igualdade de condições e que insiders estão tirando proveito do sistema. (Checar a reportagem da CNBC, “O mercado de ações é uma fraude?” — uma pesquisa econômica mostra que pouco menos da metade dos norte-americanos acredita que o mercado de ações é fraudado por insiders).

Não é apenas que os escândalos estão assustando os pequenos investidores. É o fato de que todo o jogo mudou. A ênfase não é mais nos fundamentos da economia ou na escolha de companhias bem gerenciadas com boas perspectivas de crescimento e lucro. O jeito de ganhar dinheiro é comprando e vendendo ações a cada 11 segundos (comércio de alta frequência) ou apostando contra seus próprios clientes (G-Sax) ou, melhor ainda, descobrindo quando o Banco Central vai dar ao mercado outros 600 ou 700 bilhões de dólares comprando bens (Quantitative Easing). É essencialmente o que tem acontecido agora; as ações subiram por 6 semanas em antecipação a outra rodada de quantitative easing. Os aumentos de preços não tem nada a ver com os fundamentos, como ilustra este excerto da Reuters:

“No segundo trimestre, a porcentagem de companhias que superaram suas previsões de lucros foi o mais baixo desde 2009. Para cada companhia com uma perspectiva positiva havia quase cinco com perspectiva negativa, segundo dados da Thomson Reuters. As estimativas de ganhos do terceiro trimestre estão em queda profunda e agora mostram um declínio anual de 1,8%, o que resultaria no primeiro trimestre de crescimento negativo em três anos… Com os resultados de mais de 95% das companhias da Standard & Poor 500, apenas 41% cumpriram as metas de faturamento… Investidores disseram que os resultados significam bandeira vermelha para os trimestres vindouros… ‘O que isso nos diz é que a economia está ficando mais devagar, o que é um mau sinal para as expectativas de faturamento, às quais estamos acostumados’, disse Pankaj Patel, analista de pesquisa quantitativa do Credit Suisse de Nova York (“U.S. corporate earnings point to further gloom”, Reuters).

Viram? O faturamento não dirige mais o mercado. O que dirige o mercado são as operações de impressão de dinheiro do Banco Central, motivo pelo qual a alta de seis semanas do mercado de ações começou a falhar, já que os investidores estão preocupados pelo fato de que os dados econômicos talvez não sejam suficientemente ruins para justificar outra infusão maciça de dinheiro. A assim chamada “Jogada de Bernanke” nasce da crença de que o presidente do Banco Central não vai permitir que as ações caiam abaixo de um certo ponto antes de retomar sua temporada de compras. Considerem que as intervenções de Bernanke já expandiram o balanço do Banco Central em mais de U$ 2 trilhões desde 2009, tornando-o o maior depósito de lixo tóxico do planeta. O que importa é que a classe dos investidores continue a ter lucros com seu preços inflados de ações, ainda que a economia real continue num coma irreversível.

Naturalmente, há quem argumente que a recuperação econômica é real, que o varejo e a confiança do consumidor estão crescendo e que o mercado imobiliário está finalmente se recuperando. Bobagem. A verdade é que não há demanda. Salário e renda continuam estagnados e o desemprego está acima de 8%, de forma que o consumo, que responde por 70% do PIB, continua mal. Como o economista Dean Baker apontou, “perdemos de U$ 1,2 a U$ 1,4 trilhão em demanda no setor privado (quando estourou a bolha do mercado imobiliário). Parte disso foi substituído pelos déficits de orçamento do governo federal, mas não o suficiente para compensar a perda”. É por isso que Bernanke continua a bombar os mercados financeiros com esteróides. Assim, as ações não refletem a condição abismal da economia real, que mal se move. Este é o verdadeiro objetivo do Quantitative Easing: sustentar os preços das ações enquanto a economia real definha, numa crise sem fim.

Pergunte o seguinte: como podem os lucros das corporações crescerem se os salários estão estagnados? Não podem, pelo menos não por muito tempo, porque ainda que os custos de produção caiam, os trabalhadores já não tem os meios para comprar o que as empresas produzem. Assim as vendas caem e o lucro também. (E quando o faturamento cai o preço das ações deveria cair). Este problema pode ser temporariamente enfrentado com empréstimos de centenas de milhares de dólares a qualquer um capaz de assinar um financiamento imobiliário, mas como sabemos este é apenas o caminho para um mundo de dor. A única solução real é o crescimento da renda, com salários que acompanhem a produção. Infelizmente estamos indo no caminho oposto, como Charles Biderman mostra em seu TrimTabs:

“A razão pela qual o crescimento do faturamento decepciona se torna aparente quando dou um passo atrás e vejo nosso gráfico que acompanha a taxa de crescimento dos salários comparada à do mercado de ações pelos últimos oito anos… Em 2011 o crescimento dos salários caiu de 6% no pico, em abril, para menos 4% em outubro e depois para menos 3,3% em janeiro de 2012. Desde então o crescimento salarial manteve esta tendência. O crescimento tem ficado em 3% ano após ano. O que é pior é que estes 3% não consideram a inflação. Meu chute é que a inflação real, agora que os preços do petróleo estão subindo, é de pelo menos 3%. Assim, não há qualquer crescimento da massa salarial, o que significa que o faturamento das empresas vai encolher e o preço das ações também, a não ser — e este é um grande ‘a não ser’ — que o Bernanke continue com sua compra de bens em larga escala, as quais vão sustentar as bolhas no preço das ações. É a única forma de manter esta farsa. Como vamos acabar?

Tudo indica que Bernanke vai se render e lançar uma terceira rodada de Quantitative Easing assim que o preço das ações começar a cair. Isso vai disparar novas compras de ações por parte das corporações montadas em dinheiro, sustentando os preços das ações enquanto a economia real se move à taxa miserável de 1% de crescimento (do PIB). É importante notar que o mercado de ações tem continuado a subir ainda que a compra de ações no varejo tenha crescimento negativo (o que significa que as pessoas continuam a tirar dinheiro dos fundos de ações). Isso resulta do fato de que — como apontou o analista Tom Lee, do JP Morgan — “as corporações nos últimos 20 anos representaram 87% da entrada de dinheiro no mercado de ações. Se você olhar para os dados dos últimos 20 anos, o varejo representou a entrada de U$ 1,5 trilhão no mercado, enquanto o investimento corporativo foi de cerca de U$ 6 trilhões”. (“Chart Attack: Following the Corporate Cash Hoard“, Bloomberg)

Entenderam? “87%” do dinheiro que flui para o mercado de ações vem de corporações, enquanto Papai e Mamãe são responsáveis por apenas 13%. Em outras palavras, os caras pequenos, como eu e você, não contamos.

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O mercado de ações não tem nada a ver com “a alocação eficiente de capital para os empreendimentos produtivos”. Isso é papo de relações públicas. O mercado é o lugar onde as pessoas que estão podres de ricas ficam ainda mais ricas. E fazem isso tirando proveito do sistema da forma que puderem ou esperando que o Bernanke faça isso por elas. De qualquer forma, a bolsa não reflete o que está acontecendo na economia real. É o motivo pelo qual ninguém mais celebra datas estúpidas; são números fictícios num sistema fictício.

Nota: A manchete de quinta-feira do Wall Street Journal diz que “o Banco Central pode tomar novas ações. Minutas mostram consenso claro para novas medidas a não ser que a economia se recupere”. Que surpresa!

*MIKE WHITNEY lives in Washington state. He is a contributor to Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion. He can be reached at [email protected]

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