Urariano Mota: Quem não pode pagar, que se morda de dor

Tempo de leitura: 3 min

por Urariano Mota, em Direto da Redação

Recife (PE) – Confesso que me havia prometido não voltar mais ao assunto do artigo da semana passada, publicado aqui. Até porque recebi um gentil email, que entre outras coisas ameaçava o colunista com estas claras palavras, que transcrevo com dó da cirurgia feita pelo médico na língua portuguesa:

“Caro jornalista (?), otário é V.S. Que escreveu este artigo muito provavelmente de olho em algumas migalhas paga pelas seguradoras de saúde. Gostaria de vê-lo numa mesa de cirurgia a merecer de um pseudo-anestesista (pois certamente V.S. Não merecer ser atendido por um anestesiologista), que se satisfaz com cinco mirreis de honorário fajuto (não justo como insinuou V.S.), seria no mínimo divertido, e aí sim, muito justo!”.

Notem o senso baixo de vingança.

Entendam, além de não possuir o talento de Molière (alguém notou?), não quero tampouco ganhar a sua sorte, de morrer ao ser castigado pela própria sátira sobre os médicos. Se não posso escrever O doente imaginário, não vou por isso me tornar o ex-colunista do anestésico.

Mas o ruído causado merece duas curtas explicações. Na primeira delas, escrevi o texto anterior sob o custo da  minha própria experiência – paguei para escrevê-lo, ao ser vítima de uma tabela de anestesistas em Pernambuco. Na segunda, seria imoral passar sem resposta linhas furiosas que o texto recebeu de  alguns médicos. Em mais de uma mensagem, eles alegaram que cobram o preço justo para os seus dignos estudos e especializações. Ao que podemos comentar: se a população está em nível mais baixo de renda que a sua brilhante, única especialização dos anestesistas, o azar é dela. Vive quem pode.

Outros médicos, de passagem, argumentaram contra o mercado, contra os exploradores planos de saúde, que enriquecem à custa da saúde dos profissionais. Isso é verdade, no geral. Mas os dignos e ameaçadores esqueceram, antes, que os planos e hospitais privados vivem mesmo é à custa da doença do povo.

Mais: sob pretexto de reagir à exploração dos ricos planos de saúde, os anestesiologistas querem os olhos fechados da população (e com aprove-se!) para a sua pequena consciência de humanidade. E não só: no caso específico de Pernambuco, e do plano de saúde Cassi, os anestesistas não dizem tudo, contam a verdade pelo meio, o que é sempre uma forma eficiente de mentir. Uma olhada no site Coopanest-PE mostrará que ela mantém convênio com o Bradesco Seguros, por exemplo, que usa tabela AMB/90.

Para quem não sabe, AMB 90 significa tabela da Associação Médica Brasileira de 1990. O que confirma, confirmaria, os valores baixos, miseráveis, pagos por um plano de saúde ”top”, ou top-top, como deveria ser dito. A tese geral aí fica satisfeita.

Mas ao ser questionada,  sobre os preços pagos aos profissionais, a Cassi me responde:

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“oferecemos aos anestesistas os maiores preços pagos pela Cassi no Brasil, mas a Cooperativa local se fecha. Quer mais. Os anestesistas chegam a ser melhor remunerados que os cirurgiões em mais de um procedimento médico”.

E acrescenta:

os valores pagos a eles estão acima do CBHPM, Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, na versão 5. O que significa: os anestesistas recebem pelo piedoso serviço  preços maiores que os pagos em toda e qualquer ABM. Então, por que não chegam a um acordo? – Os anestesistas querem mais, bem mais, a Cassi responde.

Daí que, amigos, enfim: este colunista pagou por uma anestesia um valor acima de 200% do que lhe foi reembolsado. Sem remédio de recurso. Enfim, e espero que não em fim, conforme a ameaça lá do começo, o escritor Fernando Soares foi quem sintetizou bem a questão:

“Os anestesiologistas são a única especialidade que se levanta contra o abuso dos planos. Graças a Deus, imagine se todas as especialidades se levantassem contra o tal abuso (que de fato existe), teríamos que ganhar na mega-sena para realizarmos qualquer intervenção cirúrgica”.

Enquanto isso, paga quem pode, e quem não pode, que se morda de dor.

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