Paulo Kliass: Por um imposto sobre as commodities

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Colunistas| 06/12/2012 | Copyleft

DEBATE ABERTO

Por um imposto sobre as exportações de “commodities”

Alguns especialistas começam a levantar a hipótese de que esse tipo de tributo contribuiria para a estabilização de nossa taxa de câmbio em um patamar mais realista. É o caso do economista Bresser Pereira, que considera o imposto sobre exportações de “commodities” uma necessidade imperiosa.

Paulo Kliass, na Carta Maior

O tempo vai passando e os governantes do Brasil parecem que não mudam de postura. É impressionante a capacidade de acomodação frente ao modelo de política econômica e a passividade em aceitar as coisas como elas aparentam ser, apesar de seus aspectos negativos evidentes. Tudo acontece como se houvesse uma ordem natural da dinâmica da economia a ser venerada, que não pode ser nem mesmo tocada – o temor do desequilíbrio é o comandante em chefe. O receio de mudar o rumo, por pouco que seja, é imenso.

Assim, permanece essa mania de querer agradar — todo o tempo e o tempo todo — ao capital com a dengosa generosidade dos bilhõe$$ retirados do orçamento público. Ao mesmo tempo, o governo consegue manter a elevada popularidade nas pesquisas, graças a algumas migalhas remetidas aos desvalidos e evitando a recessão econômica. E assim, de desoneração em desoneração, “vamo que vamo”!

Muito tem se falado a respeito do tema da justiça fiscal e tributária. Ora, o que o governo tem feito e sinalizado ultimamente caminha na direção contrária de tal necessidade. Equidade fiscal significa que o conjunto das ações governamentais na área das despesas e das receitas do Estado tenha por pressuposto básico um tratamento privilegiado para os que possuem menos – a maioria da população.

No entanto, a insistência de nossos dirigentes da área econômica tem sido pela manutenção de medidas de agravamento da desigualdade. A essência das políticas tributária e fiscal tem favorecido o capital e as empresas. Como o rol de casos é imenso, vamos a alguns deles.

Aspectos da falta de justiça fiscal e tributária


Um dos mais evidentes é a manutenção da política de geração sistemática de superávit primário. Com isso, fica assegurado o destino de recursos orçamentários para o setor financeiro (pagamento de juros e serviços da dívida pública), ao passo que as rubricas sociais ficam à mercê dos conhecidos cortes, em nome da pomposa “responsabilidade fiscal”.

Entram na lista, também, as desonerações tributárias de toda ordem, sempre beneficiando o capital e comprometendo a sobrevivência estratégica de programas essenciais, como a previdência social.

Chama a atenção, por outro lado, o abandono da pauta de implementação de impostos sobre o patrimônio, como é o caso da regulamentação da previsão constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). O mesmo pode ser dito a respeito da regularização da sistemática de arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR), que responde por ridículos 0,3% do total de tributos federais, sendo bem conhecida a dimensão das propriedades rurais e a importância econômica do agronegócio em nosso País.

Outro aspecto de nossa estrutura tributária é sua regressividade.

Isso significa que os indivíduos e famílias de menor renda pagam, proporcionalmente, mais tributos na comparação com que apresentam rendimentos e/ou patrimônio mais elevados. Essa característica de evidente injustiça fiscal pode ser comprovada pelas alíquotas de Imposto de Renda, pelos inúmeros mecanismos de isenção e pela tributação viesada sobre o consumo.

Assim, qualquer indivíduo que compre um litro de leite, consuma 1 kw/h de eletricidade, utilize o telefone ou compre uma peça de vestuário paga sempre o mesmo valor do tributo, independentemente de seu nível de renda.

O discurso falacioso sobre a “nova classe média” também contribui para obscurecer o debate sobre a justiça fiscal. Ao invés de reforçar os elementos de cidadania e das obrigações constitucionais quantos aos direitos sociais básicos, setores do governo redirecionam o foco para a “grande novidade” do fenômeno. A partir de agora, esses setores, que tiveram seu patamar de renda familiar elevada, poderão também passar a “consumir” educação privada, saúde privada e previdência privada.

O conhecido fenômeno, tão bem descrito por Marx, do fetichismo da mercadoria. Com o círculo vicioso entre a baixa qualidade do serviço público e o estrangulamento de verbas orçamentárias, a estratégia desvia a atenção desses setores emergentes e retira a pressão pela melhoria da prestação dois serviços pelo Estado.

Políticas públicas são cada vez mais substituídas por regras e contratos – eis aqui mais uma faceta da mercantilização generalizada.

Tributação das “commodities”: solução para a maioria

Além de apresentar soluções para esses exemplos, o governo deveria adotar o mecanismo de tributação das exportações de “commodities”, para avançar no caminho da equidade fiscal, compensar as perdas de arrecadação com as benesses das desonerações recentes e contribuir para desentravar o nó da política cambial. E vejam que não se trata de nenhuma tentativa de reinventar a roda ou da criação de uma alguma nova jabuticaba tupiniquim.

A grande maioria dos países que apresentam uma forte contribuição de suas exportações derivadas de produtos primários (minerais e agrícolas) para o desempenho de sua economia vale-se desse tipo de expediente. Há muito tempo, tributam esses bens na venda para o exterior.

Em tese, essa modalidade de tributo não é muito eficiente para a exportação de produtos industrializados. Isso porque tais bens, acrescidos dos impostos, tornam-se mais caros nos países de destino e isso pode reduzir a competitividade dos mesmos.

No entanto, quando se trata de algo como as chamadas “commodities”, a situação é completamente distinta. Os preços desses bens são definidos nos mercados internacionais e dependem pouco da capacidade de influência de um ou outro país individualmente, seja pelo lado dos que exportadores ou dos que importam. Exceção deve ser feita, é claro, para agentes mastodônticos, como os Estados Unidos ou a China.

De toda a maneira, o Brasil exporta há décadas — e continua nessa mesma toada –- produtos primários sem que os preços internacionais tenham sido os responsáveis por grandes alterações no volume exportado.

Novo tributo não prejudica o desempenho exportador


Assim, se o País decidir por uma alíquota, digamos de 10%, a incidir sobre as exportações de minério de ferro ou de soja, por exemplo, o desempenho exportador não vai ser muito afetado no curto prazo. No começo do governo Lula, a Vale exportava o minério de ferro a US$ 14/tonelada, em janeiro de 2003. Chegou a receber US$ 187 em 2011 e agora se contenta com pouco mais de US$ 110.

Para o mesmo período, a cotação da soja saiu de US$ 210/tonelada, alcançou US$ 501 e agora está próxima de US$ 550.

Frente a essas variações de cotação internacional, adicionem-se ainda as variações da taxa de câmbio, que se reflete em termos dos ganhos monetários em reais dos exportadores.

No início de 2003 estava a R$3,60/dólar, chegou a R$ 1,56 em 2011 e agora está a R$ 2,10. Ou seja, apesar de todas essas alterações na renda do exportador, o Brasil só fez crescer suas vendas de “commodities” para o exterior.

E todos sabemos que esse modelo de característica neocolonial, baseado na exploração de minérios e produtos agrícolas, tem um enorme custo para o País: problemas de ordem social, econômica e ambiental. Assim, nada mais justo do que o Estado impor a tributação desse tipo de atividade que pertence ao passado e que deve ser encarada como uma etapa a ser rapidamente vencida e superada.

A Petrobrás exporta óleo bruto, um combustível que clama por sua substituição na matriz energética global. A Vale e similares exportam as riquezas minerais do nosso subsolo por um contrato de concessão a perder de vista, pois as reservas pertencem à União. O complexo do agronegócio exporta a soja e demais produtos agrícolas sem oferecer a contrapartida de uma sofisticação tecnológica nem agregação de valor adicionado à nossa economia.

Todas são atividades altamente comprometedoras de nosso meio ambiente.

Em 2011, as 6 principais “commodities” responderam por uma participação de 47% do total de nossas exportações. Isso significa que minério de ferro, petróleo, complexo da soja, complexo de carnes, açúcar bruto e café em grão totalizaram US$ 119 bilhões, em um total de exportações que atingiu US$ 252 bi. Se considerarmos isoladamente, o minério de ferro alcançou US$ 42 bi e a soja US$ 24 bi.

A incidência de uma alíquota de imposto de exportações só viria a reduzir um pouco a lucratividade das empresas do setor, por meio de um instrumento de equalização dos custos provocados por esse tipo de atividade.

Com certeza, as vozes levantar-se-ão, clamando contra a “sanha arrecadadora” e contra a suposta inviabilidade das atividades. Pura balela. O mesmo ocorreu quando o patamar das taxas de juros da SELIC foi reduzido e os bancos tiveram que passar a operar de outra forma. Aliás, nenhuma instituição quebrou e, como o governo está sendo conivente com o sistema financeiro, os clientes e usuários é que continuam pagando a pesada conta dessa mudança comportamental.

Finalmente, alguns especialistas começam a levantar a hipótese de que esse tipo de tributo ofereceria também a sua contribuição para a estabilização de nossa taxa de câmbio em um patamar mais realista, fora do risco de sobrevalorização. É o caso do economista Bresser Pereira, que considera o imposto sobre exportações de “commodities” uma necessidade imperiosa para uma estratégia de longo prazo para o Brasil.

Na verdade, o ex-ministro aposta na medida como fator de desestímulo à atividade exportadora espoliadora e como forma de incentivo a uma espécie de reconversão dos capitais atualmente ali investidos. Com a perspectiva de queda na rentabilidade no longo prazo, os recursos seriam direcionados para outros setores produtivos.

Assim, nesses tempos em que o governo continua a abrir, perigosamente, mão de sua receita tributária por meio das isenções generalizadas e recorrentes, esse tipo de imposto só teria a apresentar ganhos para a grande maioria da sociedade. Os únicos prejudicados seriam os exportadores, que passariam a compartilhar com os demais setores uma mui modesta parcela de seus expressivos ganhos que, até agora, foram direcionados exclusivamente para os cofres de suas empresas.

Trata-se, na verdade, apenas de uma modesta e bem vinda medida de justiça fiscal.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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Comentários

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Nisio

LUCROS EXORBITANTES E MUNICÍPIO POBRE

Congonhas em Minas é um retrato deste contraste ou melhor desta inustiça.
Uma cidade pobre, casario simples, pessoas pobres, assoladas pela poeira das mineradoras de ferro, nacionais e estrangeiras. Hoje com um custo de US40,00/tonelada e vendendo a US$118,00/tonelada e milhares de toneladas retiradas dia e noite. Além disso o governador tucano concedeu benefício de reduzir em R$2,60/tonelada o imposto. Enquanto isso, bilhões de dolares em lucros beneficiam as mineradoras e seus controladores. Na cidade alguns empregos, muita poluição, no rastro da destruição.

Lafaiete de Souza Spínola

Tudo comprova que a nossa federação tem sido um dos principais entraves ao nosso desenvolvimento.
Proponho um PAÍS UNITÁRIO!
Quanto às comodities, precisamos exportar, pelo menos, produtos com maior valor agregado. Não tem sentido a exportação do minério de ferro bruto etc.
E pior ainda: quem tem o controle das exportações de várias comodities são empresas estrangeiras.

Marcelo de Matos

Muita coisa poderia ser feita em matéria de tributação. Acontece que toda mudança depende de aprovação do Congresso Nacional. O fim da guerra fiscal entre os estados, por exemplo, seria muito bom. Acabar com a sonegação, melhor ainda. Ocorre que o Congresso derrubou a CPMF que dificultava a sonegação. Agora dizem que o governo arrecada muito, mas, ninguém vê que a sonegação é ainda maior. O PIG coloca-se contra muitas mudanças e assim fica ainda mais difícil. Por fim, não dou trela a essa prosa do Dr. Bresser. Isso é campanha de tucano.

    carlos

    caro marcelo,

    nem toda crítica ao governo dilma é “campanha de tucano”.

    nem toda proposta para aprofundar as mudanças é “campanha de tucano”.

    os tucanos ficariam contra o imposto sobre as exportações de produtos primários.

    tanto é que, no governo FHC, foi criada a lei kandir, que isenta do tributo ICMS os produtos e serviços destinados à exportação.

    Na época, o PT foi contra a lei kandir.

    Então, um imposto com o proposto seria rejeitado pelos tucanos.

    E deveria ser proposto pelo partido mais importante do país, o PT, que deveria fazer pressão sobre o PT.

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