Jornal Nacional, Ato 7: Com a divulgação dos áudios, sem poupar nenhum detalhe, Globo manda recado; Bolsonaro, na presidência, não é protagonista

Tempo de leitura: 6 min
Reprodução do You Tube

por Ângela Carrato e Eliara Santana*, especial para o Viomundo

Seis movimentos — que chamamos de atos por envolverem estratégias discursivas e de comunicação bem estruturaras — marcaram o posicionamento do Jornal Nacional na eleição presidencial de 2018.

 Ato 1: A cena do avião e o sumiço de Lula

 Ato 2: Quando a Globo estava em busca do candidato “de centro”

Ato 3: Huck fracassa e Lula só volta para ser denunciado

 Ato 4: Como foi a ”humanização” de Bolsonaro, depois do silenciamento de Lula

Ato 5: O dia em que o JN acobertou as fake news contra Haddad

Ato 6: JN, o “cão de guarda” do golpe, já perdeu esta eleição qualquer que seja o resultado

Numa rápida passagem pelos seis atos, mostrados com exclusividade pelo Viomundo, vimos o principal veículo noticioso da Globo num grande ir e vir.

Sempre pautado pela deflagração do antipetismo, o JN, primeiro, tenta projetar um candidato do chamado “centro”, representado por Geraldo Alckmin.

A estratégia não dá certo, e o JN passa, então, a abraçar (não com todo o entusiasmo necessário) uma nova candidatura.

É nesse momento, em nome do antipetismo que ajudou a construir, que o Jornal Nacional envernizado cai nos braços de Jair Bolsonaro.

Começa então, como já mostramos aqui, um trabalho minucioso de construção de um candidato: o grande desafio é humanizá-lo para ocultar seu passado de declarações homofóbicas, racistas, machistas e misóginas.

Nas aparições no jornal de maior audiência no Brasil, Bolsonaro é representado como um homem gentil, preocupado com o país, com o desemprego, pai de família, cristão, que será presidente de todos os brasileiros. Mas a relação entre criador e criatura não é das mais estáveis.

Quando finda o segundo turno, arriscamos o palpite de que a Globo, qualquer que fosse o resultado das urnas, sairia perdedora.

Mas o Jair tem outros propósitos e, tal qual o Fernando Collor de 1990, não é facilmente controlável.

Portanto, segue sua rotina de comunicação pelo Twitter, declarações controversas e certo desprezo pela Rede Globo, ao mesmo tempo em que privilegia outras emissoras, como Record (sua porta-voz) e Band.

Logo após o resultado oficial, assistimos, ao vivo no JN, a uma entrevista com o novo presidente, que não compareceu aos estúdios.

A postura inicial de subserviência da Globo, numa clara tentativa de agradar o eleito, ficou bem clara pela condução cortês e apolítica de Bonner.

Três encenações discursivas do JN se destacam:

1. Bolsonaro e a Constituição: Bonner reforça, com uma pergunta inocente, o respeito de Bolsonaro à Constituição, no que é prontamente respondido.

2. Bolsonaro humanizado: segue a tentativa deflagrada no processo eleitoral de retirar do eleito a marca da homofobia, reforçada por suas declarações. Há um amplo espaço para que ele se declare respeitoso. Nesse momento, sem reação do editor Bonner, ele reforça a farsa do kit gay.

3. Respeito à liberdade de imprensa: Bonner destaca a imprensa como pilar da democracia e pergunta (muito suavemente) se o presidente eleito respeita isso e se quer acabar com algum veículo.

É a deixa para Bolsonaro condenar abertamente um veículo da grande imprensa, o jornal Folha de S. Paulo, por causa das denúncias sobre o uso do WhatsApp na campanha e acusação de  disseminar fake news. Titubeante, William Bonner faz uma ressalva inócua.

Segue-se o período das nomeações dos ministros, ir e vir na extinção de ministérios — como o do Trabalho e o da Cultura — sempre com uma cobertura seca, periférica, sem muitos desdobramentos.

E Bolsonaro segue mantendo a comunicação via twitter e com longas entrevistas concedidas à Record.

O JN segue contido, sem grandes arroubos, sem contextualizações – nem sobre a nomeação de Moro como ministro -, mas Bolsonaro, em coletiva, mostra sua intenção de enquadrar a imprensa quando dispara: “imprensa que não entrega a verdade nos jornais, TVs ou rádios vai ficar pra trás”.

Então, aparecem em dezembro as denúncias que envolvem Fabrício Queiroz, ex-assessor do agora senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), mostrando o relatório do COAF.

As denúncias prosseguem com foco em Queiroz, mas sem deixar de citar as ligações com Flávio, o primogênito do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Chega a posse, a festa não é a esperada, mas ganha seu momento no JN, que tenta cortejar a primeira-dama Michelle, dando a ela amplo espaço nas cenas e encenações da posse (sobretudo o inusitado e oportuno discurso em Libras).

Prossegue um período de certa calmaria, e como não há muito o que dizer em termos de política e economia, a previsão do tempo ganha grande destaque.

Desenha-se uma normalidade para o país, com a expectativa das nomeações e do encaminhamento das reformas, e tudo segue dentro dela.

Até que chega janeiro… e as primeiras relações perigosas de Flávio Bolsonaro, o 01 do clã, são efusivamente narradas por Bonner na bancada do JN.

Noite após noite, os detalhes das altas transações econômicas não explicadas e a relação próxima com o motorista do seu gabinete que movimenta altas quantias são levadas ao público, mostrando todas as movimentações suspeitas na conta de Flávio, em quem recai a suspeita de uso de um laranja.

A pressão da cobertura leva o primogênito ao colo da Record, numa entrevista patética em que chora enrolado à bandeira do Brasil. O pai presidente se mantém afastado, dando declarações evasivas – sempre pelas redes sociais.

Depois de o JN bater bastante, há uma trégua, e o jornal se preocupa em repercutir bem a passagem de Bolsonaro por Davos.

A cobertura começa no dia anterior ao discurso, mostrando um presidente descolado e simples. Em relação ao discurso, a cobertura total teve 8 min e 12s, portanto, tempo maior que o do discurso em si, que durou 6 minutos.

O discurso total foi fatiado – o locutor resumia destacando pontos essenciais e vinha na sequência o trecho do discurso.

Essa estratégia fez com que a precaríssima fala de Bolsonaro parecesse um discurso de chefe de Estado.

Nenhuma menção negativa ao discurso – nem mesmo o fato de que ele, dispondo de 45 minutos em Davos, falou por seis.

Para repercutir, a reportagem busca o presidente do Bradesco, que estava em Davos, e que tece elogios ao parco discurso, ou seja, a voz do mercado dá o suporte necessário.

Finda a aventura da viagem e tendo Bolsonaro mantido a distância da Globo, aparece nova rodada de denúncias, agora mais pesadas, contra o filho 01.

O público descobre, então, que as conexões de Flávio são realmente perigosas, o que aparece em destaque no jornal: além das transações econômicas já mostradas, novos e instigantes detalhes mostram a relação estreita de 01 com milicianos do Rio de Janeiro.

E além de esmiuçar essas relações, o JN traz reportagens paralelas para explicar o que são as milícias e como agem.

O pai presidente mantém a “tradição” de falar apenas pelas redes sociais e de dar entrevistas para Record, tornando-se cada vez mais distante da Globo, que é atacada nas redes sociais pelos seguidores de Bolsonaro, acusada de perseguir a família.

Portanto, quebrado o armistício, o JN segue fazendo bem o trabalho de apresentar os negócios do filho 01.

Em meio a esse acirramento, o jornal demonstra grande simpatia pelo general Mourão, que ocupa, com o já acalentado Sergio Moro, posição de destaque em relação à cobertura da imprensa. O vice é o que aparece e o que passa a falar em nome do governo.

O distanciamento é tão marcado que a nova estadia de Bolsonaro no Einstein, para retirada da bolsa de colostomia, tem uma cobertura protocolar do JN – nada que lembre a enfática cobertura de antes das eleições, no episódio da facada, com aquela estratégia de humanização do candidato antipetista.

A crise no governo, com as farpas trocadas com o então ministro Gustavo Bebianno, ganha destaque também.

E todo esse percurso desemboca no dia 19 de fevereiro, quando um Bebianno amargurado e traído revela a faceta instável do mito a partir de áudios no Whatsapp.

Nessas mensagens, entregues à revista Veja, Bolsonaro diz, entre outras pérolas, que não quer que Bebianno se encontre com ninguém da Globo (talvez já estivessem costurando uma trégua mais duradoura, pois ele se reuniria com um executivo da emissora, no Planalto), que ela é a inimiga e o atacava desde as eleições.

A cobertura do JN, com 20 min e 36s para o assunto, dá um enorme destaque para os áudios, trazendo todas as falas, sem poupar nenhum detalhe.

Na ausência de um candidato de sua preferência, a Rede Globo oscilou entre “tapas e beijos” com o candidato capaz de derrotar o petismo e o PT, apostando, como fez com Collor, que ele talvez fosse controlável, como um bom candidato tucano.

E, assim,  seria possível deixá-lo apenas enfeitando e conversando no Twitter enquanto outro personagem de fato governava.

No entanto, mais surpresas vieram.

A divulgação dos áudios pode ser um recado importante para Bolsonaro: ele está na presidência a serviço de… e não como protagonista.

Logo, a famiglia precisa ser enquadrada. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

*Eliara Santana é jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.

 


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Comentários

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Julio Cesar

A Globo é o cavalo de troia instalado no Brasil pelas oligarquias, inclusive militares, para fazerem o papel de amansar corno na nossa cidadania. Rsrsrs.

Zé Maria

VAZÔ: https://twitter.com/i/status/1098388580026728448

Jair Bolsonaro, apavorado,
pra Onix, sobre Bebianno :

“Se ele me cobrar individualmente o mínimo eu tô Fodido.
Tem que vender uma casa minha para poder pagar.”

Vê só. O Maior Problema do Jair
são os Honorários Advocatícios
a serem cobrados pelo Bebianno.

https://oglobo.globo.com/brasil/onyx-busca-acerto-com-bebianno-para-poupar-bolsonaro-ouca-audio-23468384

Zé Maria

Os Donos da Globo são integrantes da Milícia do Guedes.

Enquanto a Defórma da Previdência estiver em Voga,
a Rede Globo não vai atropelar o Bolsonaro no Governo.

Os Herdeiros do Roberto Marinho dependem do Mercado Financeiro.

João Marcelo Zica

Ótima análise! Reportagem impecável! Também seriam muito bem-vindas análises sobre o Fantástico que, ao contrário do JN, tem assegurado a simpatia dos antibolsonaro à globo.

lulipe

A Globo sabe que Bolsonaro não é lula nem Dilma que tinham medo dela. Sabe que a mamata das verbas publicitárias acabou. Sabe que encontrou um adversário à altura.

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