Seymour Hersh: No Irã, a volta das ‘armas de destruição em massa’

Tempo de leitura: 5 min

November 18, 2011

O Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica

por Seymour M. Hersh, na New Yorker

A primeira pergunta sobre política externa no debate republicano [de candidatos à Casa Branca, em 2012] da noite de sábado lidou com o Irã e um recém-publicado relatório da Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA]. O relatório, que renovou preocupações sobre “a possível existência de material e instalações nucleares não declaradas no Irã”, tinha um tom mais sombrio que as avaliações anteriores.

Mas foi cuidadosamente balanceado. No debate, no entanto, qualquer ambiguidade foi desconhecida. Um dos moderadores disse que o relatório da AIEA tinha dado “provas adicionais de que o Irã está perseguindo uma bomba nuclear” e perguntou aos vários candidatos o que fariam, se ganhassem a presidência, para conter o Irã. Herman Cain disse que daria assistência aos que tentam derrubar o governo. Newt Gingrich disse que coordenaria a reação com o governo de Israel e aumentaria as operações secretas para bloquear o programa de armas iraniano. Mitt Romney  disse que o estado do programa nuclear iraniano tinha sido “o maior fracasso de Obama do ponto-de-vista da política externa” e acrescentou “olha, uma coisa dá para saber… é que se o Barack Obama for reeleito o Irã terá uma arma nuclear”. Na noite de sábado, a bomba iraniana foi dada como certa.

Tenho feito reportagens sobre o Irã e a bomba para a New Yorker desde a década passada, com foco na incapacidade dos maiores e mais brilhantes membros do comando conjunto das Forças Especiais [dos Estados Unidos] em encontrar provas definitivas de um programa de produção de armas nucleares no Irã. O objetivo do programa de alto risco de operações secretas era encontrar algo físico — um “caldeirão esfumaçante”, como uma autoridade que conhece o assunto me disse uma vez — para mostrar que o Irã estava trabalhando em ogivas nucleares em lugar desconhecido e em seguida atacar e destruir o local.

O [New York]Times informou, na sua reportagem principal no dia seguinte à divulgação do relatório da AIEA que os investigadores “acumularam uma grande quantia de novas provas que, eles dizem, dá credibilidade” à tese de que o Irã está conduzindo atividades nucleares para a produção de armas. O jornal citou um embaixador ocidental que declarou “que o nível de detalhe é inacreditável… O relatório descreve virtualmente todos os passos para produzir uma ogiva nuclear e o progresso do Irã nestes passos. Parece um menu”. O Times deu o tom para a cobertura. (Uma outra reportagem do Times naquele dia notou, mais cautelosamente, que “é verdade que as alegações básicas do relatório não são substancialmente novas e tem sido discutidas por especialistas faz anos”).

Mas quão definitivas, ou transformadoras, foram as descobertas? A AIEA disse que continuou em anos recentes “a receber, coletar e avaliar informação relevante sobre as possíveis dimensões militares do programa nuclear do Irã” e, como resultado, foi capaz de “refinar suas análises”. O resultado foi “maior preocupação”. Mas Robert Kelley, um engenheiro nuclear e diretor aposentado da AIEA, que passou mais de 30 anos no programa nuclear do Departamento de Energia dos Estados Unidos, me disse que encontrou pouca informação nova no relatório da AIEA. Ele notou que centenas de páginas de material parecem vir de uma fonte única: um laptop, alegadamente entregue à AIEA por uma agência de espionagem ocidental, cuja origem não ficou clara. Este material e outros “são notícia velha”, diz Kelley, de conhecimento de vários jornalistas. “Eu me pergunto porque a mesma coisa é considerada ‘nova informação’ pelos mesmos repórteres”.

Uma avaliação com nuances sobre o relatório da AIEA foi publicada pela Associação de Controle Armamentista (ACA), uma ONG cuja missão é encorajar apoio público a participar do controle armamentista. A ACA notou que a AIEA “reforçou o que a comunidade contra a proliferação de armas reconhece há algum tempo: o Irã se engajou em várias atividades de desenvolvimento de armas nucleares até 2003, então suspendeu várias delas, mas continuou outras”. (A comunidade de inteligência estadunidense chegou à mesma conclusão em uma estimativa de 2007, ainda não divulgada).

O relatório da AIEA “sugere”, disse o texto da ACA, que o Irã “está trabalhando para reduzir o tempo de produção de uma bomba quando e se tomar a decisão de fazê-la. Mas continua aparente que um Irã nuclearmente armado não é iminente, nem inevitável”.

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Greg Thielmann, um ex-analista do Departamento de Estado e do Comitê de Inteligência do Senado que foi um dos autores da avaliação da ACA, me disse que “existem provas preocupantes que sugerem que os estudos estão em andamento, mas nada que demonstre que o Irã está realmente construindo a bomba”. Ele acrescentou, “aqueles que querem conseguir apoio para um bombardeio contra o Irã estão agressivamente distorcendo o relatório”.

Joseph Cirincione, o presidente do Fundo Ploughsare, uma grupo de apoio ao desarmamento, que serve no Comitê Assessor de Segurança Internacional de Hillary Clinton, disse que “recebi informação sobre quase todo esse material vários anos atrás na sede da AIEA, em Viena. Há pouca novidade no relatório. A maior parte da informação é bem conhecida de especialistas que acompanham esta questão”.

Cirincione notou que “pós-2003, o relatório cita apenas um episódio de modelagem em computador e alguns outros experimentos no Irã”. (Uma autoridade-sênior da AIEA me disse, “fiquei pouco impressionado com a “informação”).

O relatório notou que a câmera de inspeção que filma as instalações civis de enriquecimento nuclear do Irã — obrigatória pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear, do qual o Irã é signatário — “continua a verificar que não houve desvio de material nuclear declarado”. Em outras palavras, todo o urânio de baixo enriquecimento produzido dentro do Irã está lá; se urânio altamente enriquecido está sendo usado para fabricar uma bomba, teria de ser de outra fonte, desconhecida.

A mudança de tom da AIEA parece ligada a mudanças no topo da agência. O relatório da AIEA tem peso extra porque a agência tem reputação há vários anos como árbitro confiável em questões relativas ao Irã.

Mohammed ElBaradei, que se aposentou como diretor-geral da AIEA há dois anos, era visto internacionalmente, embora nem sempre em Washington, como um intermediário honesto — o que o levou a ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 2005.

O substituto de ElBaradei é Yukiya Amano, do Japão. No fim do ano passado, um telegrama secreto da Embaixada dos Estados Unidos em Viena, sede da AIEA, descreveu Amano como “pronto para o horário nobre”.

De acordo com o telegrama, obtido pelo WikiLeaks, em um encontro em setembro de 2009 com Glyn Davies, o representante permanente dos Estados Unidos na AIEA disse que “Amano lembrou ao embaixador em várias ocasiões que ele teria de fazer concessões ao G-77 [o grupo de países em desenvolvimento], que corretamente pedia a ele para ser justo e independente, mas que ele [Amano] estava solidamente no campo dos Estados Unidos em todas as decisões estratégicas, das nomeações de alto escalão ao alegado programa nuclear do Irã”.

O telegrama acrescentou que a disposição de Amano “de conversar abertamente com os interlocutores dos Estados Unidos sobre sua estratégia… é um bom sinal sobre o futuro relacionamento”.

É possível, naturalmente, que o Irã tenha simplesmente evitado as atividades de reconhecimento dos Estados Unidos e da AIEA, talvez até mesmo construindo o pesadelo de Dick Cheney: uma instalação nuclear subterrânea. A relação do Irã com a AIEA está longe de ser boa: a liderança do país começou a construção de suas instalações de enriquecimento de urânio nos anos 80 sem informar a agência, em violação do tratado de não-proliferação. Na década e meia seguinte, sob pressão de ElBaradei e do Ocidente, os iranianos começaram a assumir sua jogada e abriram as instalações de enriquecimento e as informações relativas a elas aos inspetores da AIEA.

O novo relatório, no entanto, nos deixa onde sempre estivemos desde 2002, quando George Bush colocou o Irã como integrante do Eixo do Mal — com muita conversa beligerante mas sem provas definitivas de um programa nuclear armamentista.

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