Piero Locatelli: Em São Paulo, “porte de vinagre” dá cadeia

Tempo de leitura: 5 min

O repórter de CartaCapital Piero Locatelli (na foto, ao centro, de camiseta branca) narra sua prisão por “porte de vinagre”, revela a violência contra detidas e lamenta que não-jornalistas não tiveram a mesma sorte e seguiram presos

publicado 14/06/2013 00:44, última modificação 14/06/2013 00:53

por Piero Locatelli, em CartaCapital

Eu comprei uma garrafa de plástico de 750ml de vinagre por menos de dois reais nesta quinta-feira 13. Fui a um mercado no caminho para a manifestação contra o reajuste das passagens, que iria cobrir para o site da revista.

Explico o porquê.

Acompanhei o primeiro protesto de perto na semana anterior. Na avenida Paulista, tive contato com bombas de gás lacrimogêneo. No dia seguinte, pela manhã, tinha a impressão de que havia passado um ralador em meu nariz e em meus olhos.

No segundo protesto, na última sexta-feira 7, manifestantes que seguiam pacificamente foram recebidos com mais bombas na zona oeste da cidade. No meio do ato, uma pessoa só com os olhos de fora espirrou vinagre na minha camiseta, dizendo para eu respirar e me cuidar.

Foi quando descobri que o vinagre atenua os efeitos do gás lacrimogêneo. O exemplo da manifestante desconhecida me fez ser mais precavido desta vez. Nesta quinta-feira, desembarquei do ônibus em frente ao metrô Anhangabaú. Ao chegar, vi dois estudantes sendo presos. Perguntei ao policial o que eles portavam. Ele falou em “artefatos”, sem especificar. Os presos responderam que era vinagre.

Eu não sabia que o mesmo iria acontecer comigo logo em seguida. No viaduto do Chá, a caminho da Praça do Patriarca, para onde os estudantes haviam sido levados, me deparei com jovens sendo revistados. Liguei a câmera do celular para filmá-los, quando gravei o seguinte diálogo:

SD PM Leandro Silva: Tira a sua [mochila] também.

Eu: Eu sou jornalista, amigo. Você quer a minha identificação?

SD PM Leandro Silva: Não, não. Não precisa não.

Piero: Tem vinagre aqui dentro. Tem algum problema?

SD PM Leandro Silva: Tem. Vinagre tem.

Piero: Por quê?

SD PM Leandro Silva: Pode ir lá [ser revistado]

Em seguida, minha mochila foi aberta enquanto eu continuava filmando (como é possível ver no vídeo) e pedia para pessoas próximas fazerem o mesmo. Questionei algumas vezes qual lei, norma ou portaria proibiria o porte de vinagre, mas não obtive resposta.

No caminho, tive a oportunidade de ligar para uma amiga, também jornalista, que estava indo ao ato. Disse a ela que estava sendo levado à praça do Patriarca.

Em seguida, continuei gravando. Foi este meu último diálogo com os policiais antes de ser colocado contra a parede de uma loja fechada na praça:

SD PM Pondé: Tá gravando aí, irmão?

Piero: Tô. Sou jornalista, amigo.

Cap. PM. Toledo: Vinagre… Pode ficar ali com a mão para trás.

Piero: Como é que é? Eu estou sendo preso? É isso?

Cap. PM. Toledo: Pega e fica ali com a mão pra trás! Coloca a mão pra trás aí! Mão pra trás! Mão pra trás e pega a sua bolsa! Mão pra trás!

Fiquei com a cara colada contra a parede [foto acima]. Enquanto isso, meu gravador permaneceu ligado em meu bolso. Este é um dos diálogos captados:

Policial homem não identificado pela reportagem: Encosta na parede! (2x) Mão pra trás! Coloca a mão pra trás! Mão pra trás!

Mulher: Para de me agredir. (2x) Você é homem.

Policial homem não identificado pela reportagem: Cala a boca! (3x)

Mulher: Para de me agredir. Eu não fiz nada (3x)

Policial homem não identificado pela reportagem: Quer uma policial feminina pra te agredir? Tá com spray!

Mulher: Eu não tô com spray! (2x)

Homem (policial?): Cala a sua boca! (3x)

Na sequência, a mesma mulher detida fala baixo com uma colega:

Mulher detida 1: O que ele fez com você?

Mulher detida 2: Ele me bateu com o cassetete.

Mulher detida 1: Onde?

Mulher detida 2: Em tudo. Na minha barriga, nas minhas costas.

(….)

Mulher detida 2: Ele me bateu, ele me agrediu, eu não fiz nada. Eu tava respeitando ele (2x). Ele tem que me respeitar. Eu sou uma cidadã.

Mulher detida 1: Calma. Calma. Calma. Ele não vai te respeitar porque ele tá passando dos limites. Isso é abuso de poder. Calma.

Logo após ter sido colocado contra a parede, estive ao lado de um fotógrafo, conhecido de outras pautas. Ele percebeu os flashes na parede em que nos escorávamos, disse que havia fotógrafos atrás de nós.

Eu tentei virar para ver se havia conhecidos. Não via ninguém e era recebido com gritos de policiais que me mandavam olhar para frente novamente e “não arranjar problema”.

Na terceira vez que virei, vi ao longe outro colega. Gritei o nome dele e fui colocado novamente contra a parede. Esses jornalistas se comunicaram novamente comigo por duas vezes. Na primeira, gritaram para eu virar e tirar uma foto. Na segunda, que haviam conseguido um advogado para mim.

Fui jogado em um ônibus da Polícia. Tentei perguntar por que eu havia sido preso e para onde eu estava sendo levado. Mais uma vez, não obtive resposta.

Dentro do veículo, policiais diziam que, caso houvesse pedras, era para seguir dirigindo. As ruas eram abertas por batedores, algumas motos que seguiam à frente.

Ao meu lado estava uma menina, pré-vestibulanda, que me perguntou cochichando porque estavam tirando fotos de mim no ônibus. Eu expliquei que era jornalista e aqueles eram amigos. Ela disse que “ao menos eu ia poder escrever sobre o que aconteceu, os outros não poderiam fazer o mesmo”. Falei que estávamos presos pelo mesmo motivo.

O ônibus da polícia seguiu por um caminho longo até o 78º DP, nos Jardins. Fomos colocados em fila para a revista. Pedi para colocar a blusa e um policial negou, dizendo que dali a pouco ia “ficar quente”.

Em seguida, finalmente explicaram porque estávamos ali. A delegada dizia que não estávamos presos, estávamos “sob averiguação”. Eu não sei a diferença. Tinham me levado para um departamento policial à força e não me diziam o motivo. Os meus documentos tinham sido retidos pela polícia.

Iriam fazer um Boletim de Ocorrência para todos os presentes. Segundo disseram os policiais, todos os outros (cerca de quarenta pessoas, nas minhas contas) haviam sido levados por conta do vinagre. A exceção era um que havia sido pego com entorpecentes.

Uma vez dentro da Polícia Civil, fui bem tratado. Vários policiais me perguntavam o que eu estava fazendo com um vinagre na mão. Eu tentava explicar e eles, incrédulos, não sabiam que o problema era justamente uma garrafa de vinagre. Cerca de duas horas após ser detido, fui liberado com a chegada de advogados. Deixaram que eu levasse o vinagre.

O fato de eu ser jornalista amenizou os problemas causados pela ação da polícia. A delegada chegou a me perguntar por que eu não havia me identificado como jornalista à Polícia Civil. A minha redação me disponibilizou um advogado e tentou contatar quem fosse possível. Meus amigos e outros colegas foram solícitos, mostrando o meu caso em redes sociais. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) fez um comunicado falando da minha prisão, que foi reproduzido pelos maiores veículos do País.

Sou grato a todos eles por terem me ajudado. Só lamento que as histórias de todos os outros não tiveram a mesma conclusão. Ir e vir com garrafas de vinagre deveria ser um direito de todo cidadão.

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Comentários

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verdade policial

Já que a polícia não consegue por ordem na criminalidade, usam bomba de gás lacrimogênio em manifestantes. É mais fácil mostrar serviço contra quem sabidamente não tem condições de reagir ( à altura). Porque não entram nas favelas do rio jogando bomba em qualquer um pra ver??? Foi com essa política e policia que nasceu as FARC. Porque confronto que se preze tem que ser com igualdade de condições (MESMO PODER DE FOGO!!!!)

Sousa netos

Gente agora estou com medo de ir no supermercado para comprar vinagre.

Será que seu comprar molho de pimenta dá cadeia tb???

Zé Francisco

Coroné PM: – Garçon, um limão por favor para eu temperar a salada.
Garçon: – Infelizmente o fornecedor não trouxe limão, mas temos o vinagre aí na mesa.
Coroné PM: – Vou apreender e envia-lo para perícia!
Garçon: – Mas, senhor, é vinagre…
Coroné PM: – Você quer ser preso por desacato?
Garçon: – Não, senhor, de forma alguma, me desculpe, mas se for vinagre?
Coroné PM: – Aí você tá liberado.

Jose Mario HRP

São tantas emoções!

Narr

O Globo já anuncia que a culpa é do PT e da Dilma. Em http://oglobo.globo.com/pais/imprensa-estrangeira-destaca-que-protestos-ocorrem-em-momento-de-crise-da-economia-8684002

    LordLorein

    Da Dilma eu não sei, mas quem chamou a polícia para dar porrada, não tenho nem dúvidas, foi o Haddad(PT). E agora quer faturar politicamente no caso para 2014.

    AlvaroTadeu

    Lord Lero-lero, você ficou maluco? Haddad chamou a polícia? De que lado você está, do branco ou do preto? (do branco, está com Aécio Never, se for do preto, está com FHC, se todos me entendem).

Aline C Pavia

Melhor coisa que poderia ter acontecido.
O fascismo da PM de Cerra, Covas, Geraldinho Pinheirinho mostrado, inclusive vísceras e entranhas, unanimemente pela própria imprensinha medíocre que sempre ocultou seus abusos, desde Carandiru até hoje.

Jose Mario HRP

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=5w1fxiXxdbw

Essa PM meganha é burra demais !
E pior que já está o youtube mundo afora!

Samir

Para conhecimento:

“BANDANAS encharcadas em vinagre substituem a máscara de gás … DE MERGULHO: para proteger contra o spray de pimenta e o gás lacrimogêneo. LUVAS: …”

http://www.arteeanarquia.xpg.com.br/manual_acao_direta.htm

Jose Mario HRP

Dezenas de jornalistas presos?
Vá a São Paulo!
Aqui não há liberdade de expressão!
Não precisa ir a Africa para ver jornalistas espancados ou presos , vá a São Paulo!
Quer ver jornalista com bala de borracha no olho e quase cego?
Vá a São Paulo!
Quer ver a meganha bater sem limites , espancando jovens, chutando estomagos e cabeças e explodindo bombas dentro de onibus com populares alheios ao protesto, sem controle e freio?
Vá a Sampa!
Envergonhadamente Jose Mario , um brasileiro que jamais pensou que nosso paiseco caisse tanto!
Vergonha pelo mundo afora!

Jose Mario HRP

Nem dá para acreditar que um delegado caia nessa!
Indiciar o sujeito por vinagre?
Vai passar atestado de burro!
A Meganha é burra e fascista como Geraldo Alckimin mas um delegado aceitar fazer tal papel ridiculo?
VERGONHA…………..
E a anisti internacional nos colocou no lugar!
DITADURA!
E o Haddad encolheu a altura de o1 centimetro politicamente….
Já o Geraldo é a mesma coisa…..Um Verme!

angelo

Fotos e fatos comprovam: presidente errou em não seguir recomendação da ONU, quer seja, extinguir a rançosa e não redimida PM. Oficial dizer que jornalista foi preso porque não conseguiu provar que vinagre era vinagre é quase divertido.

FrancoAtirador

.
.
Cara!

Isso é um ‘Remake’ da Ditadura Militar

no auge da Repressão sob o Regime do AI-5!

O Estado de São Paulo em Poder do Fascismo!
.
.

    Rodrigo Leme

    Com apoio do governo federal e da prefeitura da cidade, né?

    Alemao

    Só rindo mesmo pra acreditar no que leio…

    Samir

    Fala sério, maluco.

    LordLorein

    A prefeitura não tem nada a ver né?

    Arivaldo Roussef Lula da Silva

    Calma gente: ele só quer que a responsabilidade seja dividida, assim fica mais fácil ele defender a direita reacionária.

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