Dr. Rosinha: A ignorância continua

Tempo de leitura: 3 min

por dr. Rosinha, especial para o Viomundo

Participei em Cádiz, nos dias 08, 09 e 10 de novembro, da Assembleia Parlamentar Euro-latino-americana (Eurolat). Ela foi criada em outubro de 2006, em Bruxelas, e é constituída por 150 Parlamentares, 75 da Europa e 75 da América Latina.

Em Cádiz, além da Eurolat, participei de outras atividades, como um almoço de trabalho no sábado, dia 10. Participaram do almoço parlamentares da América e da União Europeia, dirigentes de ONGs e Fundações. Prefiro não citar os nomes. Fui e, sinceramente, lá pelas tantas, fiquei na dúvida se deveria ter ido. Agora (domingo, 11, no avião de retorno), no momento em que escrevo, vejo que foi importante ter comparecido. Não pelo conteúdo da reunião, mas para saber o que pensa parte da intelectualidade, ou dos políticos europeus.

A mesa do almoço era retangular, portanto todos se viam. Todos à mesa eram militantes de esquerda, talvez um ou outro de centro-esquerda. Verdes (PV europeu), socialistas, comunistas e sociais-democratas. Mas esse não é o caso.

A reunião começou com a exposição de um intelectual europeu, creio que militante de uma ONG. Falou sobre a exploração mineradora na América Latina. Sua exposição foi bastante crítica aos Estados latino-americanos, por não cobrarem das mineradoras todos os impostos procedentes, e pelas consequências, sociais e ambientais, da mineração. Afirmou que os Estados da América Latina poderiam cobrar as mesmas alíquotas dos europeus. Concordo. Porém olvidou de tecer críticas às empresas e a qualquer um dos Estados-membros, ou à própria União Europeia, que estimulam e usufruem dessas mineradoras.

Enquanto ele falava, e pelo que falava, lembrei-me do padre Fabián Vásquez. Fabián é equatoriano e veio por um tempo viver no Brasil. Certa vez, me mostrou um livro e me chamou a atenção para o artigo de um velho xamã. Num dos trechos, dizia-se mais ou menos o seguinte: quando os europeus chegaram à América, nada descobriram a não ser a própria ignorância. Ignoravam a existência de outros povos, de outras culturas, de outros continentes.

Neste almoço de trabalho, em Cádiz, lembrei-me deste trecho. Mais uma vez, um intelectual ignora a conjuntura, não só da América, mas da própria Europa, e reúne-nos para afirmar, ou mostrar, nossos erros, sem tecer nenhum comentário sobre o que está ocorrendo na Europa. Nada falou da grave crise econômica do capitalismo, tampouco dos problemas sociais dela decorrentes.

Na exposição, o intelectual também chamou a atenção para a fome e a corrupção na América. Citou, sem dar cifras, os famélicos do continente. Ignorou, ou omitiu, as políticas públicas, principalmente do Brasil, de combate à fome e à miséria. Não satisfeito, questionei-o.

Em resposta ao meu questionamento, o intelectual disse que não importam as cifras, mesmo que os que passam fome correspondessem a apenas um por cento, já seria preocupante. Concordo: ninguém deve passar fome. Mas qual é a razão da fome? Será que a Europa nada tem a ver com a fome da América? Será que as grandes empresas e os bancos europeus que vêm sugar nossas riquezas nada têm a ver com a fome dos latino-americanos? Será que parte da fome de hoje na América Latina não é também fruto da conjuntura mundial, na qual os governos europeus preferem socorrer os grandes bancos e empresas capitalistas em prejuízo do social?

Pelas ruas e praças de Cádiz, principalmente em frente às igrejas, há vários pedintes. Pelas roupas que usam, dá para ver que são pobres recentes, pois a roupa é a última a gastar. A pobreza chega primeiro ao estômago, depois à roupa. São homens, alguns jovens, desempregados (o desemprego entre a juventude espanhola passa de 50% em algumas regiões), com roupas de “classe média”, que pedem esmolas para dar de comer à sua família, principalmente aos seus filhos.

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Como há 500 anos, alguns europeus continuam ignorantes em relação à América.

Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e vice-presidente brasileiro do Parlamento do Mercosul. No twitter: @DrRosinha

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