Paulo Moreira Leite: Pressa tem pouco a ver com Justiça

Tempo de leitura: 4 min

por Paulo Moreira Leite, em seu blog

Agora que o “maior julgamento da história” já começou de verdade, crescem as preocupações com o decoro. Parece que os 11 ministros do Supremo merecem uma advertência para exibir bom comportamento, não manchar sua imagem e outros cuidados do gênero. O ambiente está  tão confuso que, como recordam Mariângela Galucci e Ricardo Brito, no Estado de S. Paulo de hoje, os ministros voltam aos trabalhos sem ao menos saber o que vão fazer. Pode ser que o relator Joaquim Barbosa resolva continuar seu voto, interrompido na quinta-feira. Mas pode ser que Joaquim já tenha terminado essa parte de sua intervenção, cabendo agora ao revisor Ricardo Lewandovski fazer uso da palavra.

Há uma tensão evidente no Supremo e sua causa não se encontra na falta de boas maneiras dos ministros mas na diferença de visão entre as partes. O grau de conflito entre Barbosa e  Lewandovski é bem maior do que um problema de etiqueta. Envolve a visão que cada um tem do processo, a qualidade da denúncia apresentada e o destino reservado aos 38 réus.

A primeira fase do julgamento, quando os advogados fizeram a sustentação oral dos acusados, terminou com um ponto a favor da defesa. Ficou muito claro para quem acompanhou suas intervenções que boa parte das provas foram obtidas  sem que os acusados tivessem direito ao contraditório e devida garantia judicial. Isso vai comover os juízes? Ninguém sabe. A convicção de muitos advogados é que eles começaram o julgamento com sua convicção formada e dificilmente vão mudar de ideia.

A novidade da  nova fase é  o fatiamento,  que privilegia a discussão de 37 casos particulares e prejudica o debate geral sobre o caráter do mensalão.

O pressuposto do sistema de fatiamento é que a denuncia do Ministério Público se refere a fatos verdadeiros, já demonstrados, restando, apenas, a definição da culpa de cada um dos envolvidos.

Como escrevi numa nota anterior, por este método não  haverá espaço para uma discussão geral, que envolve o conceito de mensalão: foi um assalto ao Estado, uma ação criminosa, a obra de  uma quadrilha disfarçada de partido político, como diz a acusação? Ou foi uma ação condenável de financiamento eleitoral e político, que tem  antecedentes no próprio mensalão tucano, que teve direito a outro julgamento, com regras menos duras para os  réus acusados dos mesmos crimes?

O estranho do fatiamento é que essa discussão tenha sido feita assim, de repente. O julgamento já estava em andamento quando Joaquim Barbosa, na hora de dar seu voto, abrindo a fase final, informa que queria mudar as regras do jogo. Numa homenagem a retórica do presidente Lula,  eu digo:  Barbosa parecia o sujeito que vai cobrar uma falta na entrada da área e,   na hora de dar o chute, quer impedir o goleiro adversário de montar uma barreira.

Eu achei estranho. Fora de hora. Não podia ter feito essa discussão antes?

Confesso que também estranhei a atitude do juiz do jogo, Ayres Britto, que deu curso a uma discussão tão relevante, sem sequer pedir um intervalo para uma conversa fechada.

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Não foi uma mudança qualquer. Não sei se há uma jurisprudência do fatiamento. Não foi empregado, pelo que se saiba, nem no julgamento de Collor, que definiu o destino de um presidente da República.

Julgamentos que a imprensa não definiu como o “maior da história” mas terão imensa relevância no destino dos 190 milhões de brasileiros foram resolvidos pela forma tradicional. O relator apresentava seu voto por inteiro e o plenário tomava posição. Quando havia uma dissidência o debate se polarizava.

Foi assim  no debate sobre a Lei de Anistia, que manteve a veto sobre a investigação da tortura ocorrida no regime militar. Também foi assim na discussão sobre reservas indígenas e nas pesquisas sobre células-tronco embrionárias. Por que mudar agora, quando o julgamento do mensalão já tinha começado  vários dias antes?

O mais estranho é que um argumento importante a favor do fatiamento é extra-curricular.  Envolve  o prazo para terminar o julgamento. Um dos motivos parece pequeno, vulgar, mas é real. Pretende-se garantir ao ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro, o direito de participar pelo menos de algumas deliberações (e condenações, asseguram os jornais).

Se tudo se resolvesse pelo método tradicional, havia o risco do julgamento não terminar a tempo. Então, faz-se um esforço para andar rápido. É um esforço tão grande que, na quinta-feira, o próprio Joaquim Barbosa lembrou que, em função de seus problemas de coluna, ele próprio poderia ser forçado a deixar o serviço de relator antes da hora, se o julgamento se prolongasse demais.

É curioso que isso seja dito assim, às claras, com toda transparência.

Na quinta-feira, o ministro Ayres Brito  chegou a sugerir que cada um votasse como bem entendesse – solução tão inviável como admitir que uma parte do plenário seguisse regras do futebol e a outra, basquete, e, mesmo assim, acreditar que seria  possível chegar a um placar coerente  no final. “Não me preocupa a angústia do tempo,” reagiu Celso de Mello, quando Ayres Britto sugeriu que se apressasse numa intervenção em meio as discussões.

A reação de Celso de Mello lembra que a aposentadoria de um ministro e as dores lombares de outro pouco tem a ver com a Justiça. Por mais que se reconheça que a sentença do mensalão terá impacto nas eleições municipais, e que uma possível condenação da maioria dos réus possa prejudicar o PT, eu acho que essa questão nem deveria ser colocada.

Estamos falando de longas penas de prisão, da humilhação pública, da destruição do futuro pessoal e profissional, além dos demais prejuízos que uma condenação pode causar aos réus. Seja do ponto de vista da acusação, ou da defesa, é uma situação grave, séria e, considerando que se trata de um tribunal de última instância, muito possivelmente incorrigível. Vamos fazer assim, apressados?

É este o processo que se queria exemplar?

Não é bom esclarecer o principal: exemplo de que?

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