Ana Maria Costa: “A ministra Léo é testada na luta”

Tempo de leitura: 4 min

por Ana Maria Costa

Léo Menecucci, como as companheiras feministas a chamamos, é uma mulher que dedicou sua vida e talento às varias frentes de luta por justiça social, pela dignidade do trabalho, pelo direito à saúde e, especialmente, pela igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Nesse sentido e perspectiva, tem na sua história ativa participação nos movimentos feministas, no seu partido político e na vida acadêmica como docente e pesquisadora no campo da saúde das mulheres e direitos sexuais e reprodutivos. Léo foi nossa companheira de fundação da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, primeira e mais importante iniciativa de articulação de ativistas e entidades nacionais na luta pela saúde das mulheres. Também participa do Grupo Temático sobre Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a ABRASCO, do Grupo de Estudos sobre o Aborto da SBPC entre tantas outras caminhadas. É por isso que Léo é, como diria Clair Castilhos que é uma outra feminista histórica, “testada na luta”.

Desde que as iniquidades de gênero saíram do espaço privado e doméstico e foram para a esfera pública, novos confrontos políticos surgiram, nem sempre bem acolhidos pelos setores clássicos da política. Também é certo que nem sempre os atores do campo da esquerda tenham sido mais receptivos às demandas por ampliação da igualdade de direitos para as mulheres. É que as questões que sufocam e que são reclamadas nessa luta envolvem mudanças de valores culturais e morais, conformados na naturalização dos papeis sociais e da desigualdade entre os sexos que são cristalizados pela moralidade e pelas religiões, particularmente as evangélicas e católica.

Hoje contabilizamos grandes avanços e conquistas tanto no plano legal como nas políticas sociais e mesmo na vida societária. Estas mudanças têm sido construídas pelo trabalho e atuação de mulheres e homens que, com coragem e sensibilidade política, deram conta de assumir compromissos de justiça pela dignificação das mulheres brasileiras. O contexto da participação das mulheres na força de trabalho e na economia nacional tem um papel importante nisso tudo. Mas se muito já andamos, mais ainda há que ser feito. O caminho envolve ação da sociedade, das mulheres mas também do Governo, do Parlamento, enfim, do Estado no seu sentido e significado amplo.

A legalização do aborto é exemplo da dívida que o país ainda tem com as mulheres brasileiras, com a democracia e a saúde publica. É a ilegalidade que remete as mulheres à condição de barbárie da prática clandestina do aborto, responsável por mortes e comprometimento da saúde. Todas as mulheres, de todas as classes sociais e níveis de escolaridade engravidam sem querer ou sem poder prosseguir na gestação e acabam recorrendo ao aborto. As pobres arriscam suas vidas e morrem. Essa injustiça é intolerável.

A despeito do Ministro Temporão ter, solitariamente, pautado o tema na sua gestão, pouco pôde ser feito. O Ministério da Saúde atual tem tido ouvidos de mercador no que diz respeito ao aborto e às perversidades que produz para a saúde das mulheres e, por isso, nada incluiu como proposta para seus projetos. Sua política conseguiu voltar a décadas atrás e reificar o papel social das mulheres no estrito lugar da maternidade, agora infantilizadas na marca da Rede Cegonha.

A Ministra Eleonora Menecucci assume a tarefa de pautar a temática no interior do Governo e das políticas públicas, mesmo que a solução definitiva da legalização do aborto possa continuar remetida à agenda do poder legislativo por um executivo acuado mediante a configuração de sua base de sustentação política no parlamento. Adotando esse caminho, ela contará com o apoio das mulheres brasileiras e também dos homens incluindo os que conseguem distinguir valores e moralidades religiosas pessoais de sua ação pública, a qual deve sempre preservar o interesse público no centro dos objetivos da prática política.

O Brasil dos últimos tempos perseguiu um lugar no mundo e conquistou um papel protagonista no plano da política internacional e, nesse cenário globalizado exposto ao capital financeiro e suas crises frequentes, se impôs entre as economias mais robustas contemporâneas. Se, na visibilidade externa o Brasil está bem na foto, internamente nossos problemas são persistentes e agravados: desigualdades sociais, recuo e fragilidade das políticas sociais universais, dos direitos sociais, dos direitos humanos e dos direitos sexuais e reprodutivos, configuram alguns desses problemas. Estas persistentes questões se interagem e se acumulam determinando a precariedade das condições de vida dos pobres, negros e outros grupos sociais. Nestes grupos as mulheres são especialmente atingidas. Logo, os desafios para nossa Ministra são enormes e é por isso que desejamos, vida longa à Ministra Léo.

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Ana Maria Costa é médica e presidente do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde)

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