Em Berlim, triunfo do Partido Pirata e da ‘democracia líquida’

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Memo de Berlim

Forte votação nas eleições de Berlim surpreende até mesmo os Piratas

por NICHOLAS KULISH, no New York Times, em 19.09.2011

Berlim — Com laptops abertos como se fossem escudos contra os cinegrafistas que os cercavam, os jovens se pareciam mais com os Garotos Perdidos de Peter Pan do que com o bucaneiro Capitão Gancho quando foram apresentados na segunda-feira como os mais novos legisladores de Berlim: são integrantes do Partido Pirata.

Perguntados se formavam apenas uma caótica tropa de arranjadores de encrenca, Christopher Lauer, recém-eleito deputado estadual pelo distrito de Pankow, respondeu sem titubear: “Você deve esperar pela primeira sessão da legislatura”.

Ao conquistar 8,9% dos votos nas eleições de domingo nesta cidade-estado, estes políticos piratas superaram — na verdade, detonaram — toda a expectativa em relação ao resultado de um partido supostamente de um tema só, a liberdade na internet. Os Piratas superaram tanto as expectativas que todos os 15 candidatos de sua lista conquistaram mandatos — vagas que são dadas em parte com base no número de votos dados ao partido, não a candidatos individuais. Normalmente os partidos fazem a lista com um número bem maior de candidatos, já que se houver muitos votos para poucos candidatos os assentos não preenchidos pelo partido ficam vagos.

Estes homens na casa dos 20 ou 30 anos de idade, que compareceram ao imponente prédio parlamentar que já serviu ao estado prussiano, alguns vestindo casacos com capuz e um com uma camiseta com estampa do herói dos quadrinhos Capitão América, não eram mais os doidivanas em campanha ou mosquitos impertinentes. Eles tinham se tornado os representantes eleitos do povo.

A pergunta que membros do establishment político da Alemanha fazem agora, depois que o partido insurgente invadiu a casa: são os Piratas meramente uma piada, um foco de protesto, um reflexo do desgosto eleitoral com os partidos estabelecidos — ou uma estimulante experiência com uma nova forma de democracia em rede?

“Eles não são absolutamente um partido de gozação”, disse Christoph Bieber, um professor de ciência política da Universidade de Duisburg-Essen.Embora com certeza tenha havido um certo elemento de protesto na quantidade inesperada de votos que os Piratas conseguiram, eles estavam preenchendo uma necessidade real de eleitores que não se sentiam representados. “Na internet, eles encontraram um tema subexplorado, com o qual os outros partidos não estavam lidando”, o sr. Bieber disse.

A eleição estadual em Berlim no domingo foi cheia de resultados surpreendentes. Os Free Democrats, pró-business, parceiros da chanceler Angela Merkel na coalizão do Parlamento federal, desabaram e queimaram, de novo, recebendo menos de 2% dos votos. Isso é bem menos que os 5% necessários para se manter no parlamento estadual. O Partido Verde continuou a somar aos recentes sucessos e pode se tornar um dos partidos governantes em Berlim.

Enquanto questões da privacidade online e da proteção de dados podem parecer um tema incrivelmente restrito e mesmo irrelevante para eleitores mais velhos, para os jovens que geralmente passam mais da metade das horas que ficam acordados na rede — boa parte destas horas em sites de redes sociais, onde eles compartilham seus momentos mais íntimos — estas não são questões menores. E a campanha dos Piratas em defesa de completa transparência na política tem grande repercussão com uma geração desiludida com as premissas falsas da invasão do Iraque pelos Estados Unidos ou galvanizada pela promessa do WikiLeaks de acabar com os segredos.

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O surpreendente resultado dos Piratas é mais uma demonstração da insatisfação dos eleitores da Alemanha com os partidos estabelecidos e com o que muitos deles veem como incapacidade de olhar além dos próprios interesses e focar, em vez disso, nas necessidades dos eleitores. Os Piratas prometeram usar ferramentas da rede para dar a eleitores do partido poder sem precedentes para propor políticas e determinar posições, no que eles chamam de “democracia líquida”, uma forma de participação que vai além de votar em eleições.

O partido ampliou sua plataforma inicial, que focava no compartilhamento de arquivos, no combate à censura e na proteção de dados para incluir outras questões sociais, como o uso da internet como ferramenta para empoderar o eleitorado e engajá-lo no processo político e legislativo.

“A turma de políticos de hoje está deixando de fazer perguntas muito relevantes sobre o futuro”, disse Rick Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata, na Suécia, em 2006. Ele estava comemorando com seus colegas alemães numa festa partidária domingo à noite, numa sala repleta de espelhos giratórios e manequins desmontados no clube Titter Butzke, em Kreuzberg. Graças à natureza interativa da internet, “você não precisa aceitar as leis que são ditadas para você”, ele disse. “Você pode se apresentar e escrever as leis”.

O sr. Falkvinge resumiu o significado da eleição de Berlim para o nascente movimento em termos que os integrantes do grupo entenderiam: “Os Piratas alemães bateram o recorde de pontos”.

Sebastian Schneider, que pediu para ser identificado como Schmiddie [NT: Poderia ser o Zé Povinho] ou “ninguém vai saber sobre quem você está falando”, um integrante do partido e uma das pessoas que celebravam na noite de domingo, disse que não conhecia outro partido no qual poderia ter votado.

“Em minha opinião, os Verdes agora são um partido conservador”, disse o Mr. Schneider. “Eles não parecem certos se querem se juntar ou não ao lado escuro da força”, disse, numa referência, segundo ele, à formação de uma coalizão para governar Berlim com os Cristãos Democratas da sra. Merkel.

Havia muitos jovens, vários com dreds ou barbas ou ambos, fumando cigarros enrolados à mão e bebericando cerveja. Outros vestiam jaquetas com CCC escrito nas costas, iniciais do Chaos Computer Club, um coletivo de hackers que começou em Berlim e tem muitos integrantes que também pertencem ao Partido Pirata. Um cômico stand-up, trabalhando em estilo clássico dos cabarets de Berlim, tirava sarro da chegada de turistas e dos recentes aumentos de aluguel que se tornaram um dos principais temas da campanha, dizendo: “Não há mais prédio a ocupar. Agora vamos começar a ocupar os hotéis de cinco estrelas”.

O prefeito Klaus Wowereit, do Partido Social Democrata, que conquistou a maior parte dos votos no domingo, garantindo a ele o terceiro mandato como prefeito da cidade, talvez tenha dado ao jovem partido o seu maior cumprimento, levando-o a sério a ponto de atacá-lo no dia seguinte à eleição. Ele levantou uma questão complicada para jovens que passam a maior parte das noites escrevendo código: praticamente não existem mulheres no grupo.

“A política de gênero ainda não chegou aos Piratas, e isso não é um passo adiante, mas um passo para trás”, disse o sr. Wowereit a repórteres na segunda-feira.

De fato, na entrevista coletiva de segunda-feira, apenas um jovem branco sentou-se na mesa representando o partido. O sr. Lauer, que vestia um casaco esportivo, disse que os eleitos não eram “uma fatia representativa desta sociedade” e que este era um problema em que o partido estava trabalhando.

Os Piratas podem ser honestos a ponto de desarmar os espíritos e foram muito educados com os seguranças, os cinegrafistas ou quem quer que se aproximasse deles. Transparência na política significa “também ser capaz de admitir que não sabemos coisas”, disse Andreas Baum, o principal candidato do partido na eleição.

Perguntado que tipo de mudança real o pequeno partido poderia promover no legislativo estadual, o sr. Braum respondeu, “o simples fato de que estes outros partidos estão se perguntando agora como conquistamos tantos votos já é um progresso”.

Tradução: Luiz Carlos Azenha

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