20 de Setembro de 2011 – 9h43
Vladimir Safatle: Suportar a verdade
Nos próximos dias, o governo deve conseguir aprovar, no Congresso, seu projeto para a constituição de uma Comissão da Verdade. O que deveria ser motivo de comemoração para aqueles realmente preocupados com o legado da ditadura militar e com os crimes contra a humanidade cometidos neste período será, no entanto, razão para profundo sentimento de vergonha.
Por Vladimir Safatle, em Folha de S.Paulo, via Vermelho
Pressionado pela Corte Interamericana de Justiça, que denunciou a situação aberrante do Brasil quanto à elucidação e punição dos crimes de tortura, sequestro, assassinato, estupro e ocultação de cadáveres perpetrados pelo Estado ilegal que vigorou durante a ditadura militar, o governo brasileiro precisava mostrar que fizera algo.
No caso, “algo” significa uma Comissão da Verdade aprovada a toque de caixa, sem autonomia orçamentária, sem poder de julgar, com apenas sete membros que devem trabalhar por dois anos, sendo que comissões similares chegam a ter 200 pessoas.
Tal comissão terá representantes dos militares, ou seja, daqueles que serão investigados. Como se isso não bastasse, a fim de tirar o foco e não melindrar os que se locupletaram com a ditadura e que ainda dão o ar de sua graça na política nacional, ela investigará também crimes que porventura teriam ocorrido no período 1946-64. Algo mais próximo de uma piada de mau gosto.
Um país que, na contramão do resto do mundo, tende a compreender exigências amplas de justiça como “revanchismo” não tem o direito de se indignar com a impunidade que se dissemina em vários setores da vida nacional.
Aqueles que preferem nada saber sobre os crimes do passado ainda estão intelectualmente associados ao espírito do que procuram esquecer.
O povo brasileiro tem o direito de saber, por exemplo, que os aparelhos de tortura e assassinato foram pagos com dinheiro de empresas privadas, empreiteiras e multinacionais que hoje gastam fortunas em publicidade para falar de ética. Ele tem o direito de saber quem pagou e quanto.
Esta é, sem dúvida, a parte mais obscura da ditadura militar. Ou seja, espera-se de uma Comissão da Verdade que ela exponha, além dos crimes citados, o vínculo incestuoso entre militares e empresariado.
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Vínculo este que ajuda a explicar o fato da ditadura militar ter sido um dos momentos de alta corrupção na história brasileira (basta lembrar casos como Capemi, Coroa Brastel, Lutfalla, Baumgarten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica, ponte Rio-Niterói, relatório Saraiva acusando de corrupção Delfim Netto, entre tantos outros).
Está na hora de perguntar, como faz um seminário hoje no Departamento de Filosofia da USP: Quanta verdade o Brasil suporta?
PS do Viomundo: Faltou uma perguntinha básica no excelente artigo do excelente Safatle, que diz respeito à participação direta de alguns órgãos de imprensa na repressão, seja com apoio editorial, seja com apoio financeiro, seja contratando censores, seja com apoio de… viaturas. Está tudo, por exemplo, no livro Cães de Guarda, da Beatriz Kushnir.
Dica do @iluministo no twitter: quem quiser, pode baixar a tese da Beatriz em PDF aqui.
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