Guinada de Marina levou-a para longe de dúvida sobre transgênicos
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Ratos que desenvolveram câncer depois de ingerir milho transgênico e receber doses de glifosato; a União Europeia está investindo 3 milhões de euros para que o estudo seja refeito. O Viomundo noticiou o resultado da pesquisa aqui. O milho OGM NK603 tratado com Roundup (o herbicida mais utilizado do mundo) é liberado no Brasil. A CTNBio, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, decidiu não fazer estudo semelhante no país.
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Marina Silva, em discurso de 2002, usando a Bíblia para justificar sua oposição aos transgênicos, conforme reproduzido no blog do Mário Magalhães
“Em Gênesis 21,33, o próprio Patriarca Abraão, com mais de 80 anos, resolve plantar um bosque. Quem planta um bosque com quase 100 anos está pensando nas gerações futuras, que têm direito a um ambiente saudável. Era esse o significado simbólico do texto. No Êxodo 22,6, há determinação explícita no sentido de que quando alguém atear fogo a uma floresta ou bosque deverá pagar tudo aquilo que queimou. Talvez essa regra seja mais rigorosa do que as do Ibama. Com relação aos transgênicos, o livro Levíticos 22,9 expressa claramente que não se deve profanar a semente da vinha e que cada uma deve ser pura segundo a sua espécie”.
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Trecho de projeto de lei da senadora Marina Silva, de 1997, ainda no PT, que estabelecia “moratória do plantio, comércio e consumo de organismo geneticamente modificados (OGM) e seus derivados”. O projeto foi arquivado; página 189 da biografia “A vida por uma causa”
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Já candidata a presidente pelo PV, Marina “calibrou” mais uma vez sua posição (página 173 do mesmo livro)
Eis outra falácia: dizer que sou contra transgênicos. Nunca fui. Sou a favor, isso sim, de um regime de coexistência, em que seria possível ter transgênicos e não transgênicos. Mas agora este debate está prejudicado, porque a legislação aprovada é tão permissiva que não será mais possível o modelo de coexistência. Já há uma contaminação irreversível das lavouras de milho, algodão e soja.
por Luiz Carlos Azenha
Estava eu a assistir uma entrevista de Marina Silva ao Jornal Nacional quando ouvi a candidata dizer que sua oposição aos transgênicos era “uma lenda”. Diante de Willian Bonner e Patrícia Poeta, reafirmou que acreditava “na coexistência”, lado a lado, de lavouras com e sem OGMs (Organismos Geneticamente Modificados).
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Estranhei. Graças ao interesse específico de Conceição Lemes pelo assunto, o Viomundo tem acompanhado de forma crítica a atuação da CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, encarregada de liberar ou não os transgênicos no país. Faz o mesmo em relação à Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, encarregada entre outras coisas de monitorar o uso de agrotóxicos.
Por exemplo? Aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Sigam os links postados no pé dos textos para outras entrevistas e reportagens. Nossa ideia sempre foi transformar este espaço, aos poucos, num banco de dados para jovens que buscam informação sobre transgênicos e agrotóxicos, informação quase ausente da mídia corporativa por conta do apoio dos barões da mídia ao agronegócio (a Globo é integrante da associação do agronegócio, denuncia João Pedro Stedile) e às verbas publicitárias que irrigam o bolso dos Marinho, Frias, Mesquita e outros.
Estivemos entre os primeiros a dar publicidade aos documentários O Mundo Segundo a Monsanto, Comida S/A e aos documentários-denúncia de Silvio Tendler sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, aqui e aqui.
O que me intrigou na resposta de Marina Silva foi o fato de que a ambientalista falou, em pleno 2014, em “convivência” entre lavouras, justamente num momento em que está se formando um consenso mundial sobre os transgênicos e suas consequências.
Não é um consenso pelo banimento puro e simples, mas por uma reavaliação aprofundada do impacto ambiental e à saúde humana que causam.
Não por acaso, surgem em todo canto as feiras de alimentos orgânicos. Não por acaso, já existe em Nova York um supermercado de tamanho considerável só de produtos sem corantes, conservantes e outros químicos. No Brasil, o MST desenvolve projetos para oferecer, na merenda escolar, alimentos livres de venenos e outros químicos.
Como sou um leitor voraz sobre o assunto, porém amador e sem formação científica, fui ouvir o pesquisador Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina – UFSC. Ele faz parte de um grupo crescente de estudiosos brasileiros que se debruça sobre o assunto e acompanha as pesquisas nacionais e internacionais.
Resumo da entrevista: a tecnologia dos transgênicos/agrotóxicos “se descolou da Ciência”. Algumas pesquisas “desmentem os pressupostos” utilizados para aprová-los. Existe um “vazio de conhecimento” que causa dúvidas crescentes sobre os riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Para nossos jovens leitores, é essencial explicar a relação entre os transgênicos e os agrotóxicos. Eles são produzidos por um grupo de empresas, conhecidas lá fora como Gene Giants, que auferem lucros extraordinários com as tecnologias. Em 2011, algo em torno de U$ 80 bilhões. Do grupo fazem parte, entre outras, a Monsanto, a Syngenta, a Dow, a Dupont, a Pioneer, a Basf e a Bayer.
Curiosamente, as duas últimas são sediadas na Alemanha, país que tem endurecido sua legislação contra os transgênicos. Há um forte confronto em andamento entre as Gene Giants e governos preocupados com a saúde pública, sob pressão de seus cidadãos.
As Gene Giants ganham rios de dinheiro fazendo modificações genéticas em plantas e patenteando as sementes, pelas quais cobram royalties dos agricultores, safra a safra. Nos Estados Unidos e no Canadá, agricultores já foram processados na Justiça por guardar sementes transgênicas de uma safra e utilizar na seguinte sem pagar os royalties. As modificações tornam as plantas resistentes ao uso dos agrotóxicos produzidos pelas mesmas empresas. O resultado concreto é a explosão no uso dos venenos, que com as chuvas correm para os rios e contaminam pessoas durante e depois da aplicação.
Como o Viomundo noticiou em primeira mão, a pesquisadora Danielly Palma, da equipe de Wanderlei Pignati, descobriu a presença de agrotóxicos no leite materno numa pesquisa feita em Lucas do Rio Verde, uma das capitais do agronegócio brasileiro. Pignati nos disse que podem existir “até 13 metais pesados, 13 solventes, 22 agrotóxicos e 6 desinfetantes na água que você bebe”.
Sobre a possibilidade de plantio lado a lado de lavouras com e sem OGMs — a que se referiu a candidata Marina Silva, no Jornal Nacional — as dúvidas são crescentes.
No caso do milho, por exemplo, nosso entrevistado Leonardo Melgarejo sugere que o leitor visite uma lavoura num dia quente. Aquele bafo de calor provoca um movimento de ar ascendente, que carrega o pólen do milho geneticamente modificado a altitudes elevadas. Em alguns casos, ele congela por causa da altitude. É incorporado a massas de ar que se deslocam por quilômetros e quilômetros. Depois, cai e pode fecundar, ou “contaminar”, plantações de milho que não são transgênicas.
Segundo a legislação brasileira, em condições médias a contaminação é inferior a 1% quando existe uma distância de 100 metros entre as lavouras com e sem OGMs. Porém, estudos já registraram o deslocamento do pólen de 600 metros a alguns quilômetros. Isso, obviamente, prejudica os agricultores que não querem usar transgênicos. Alguns apostam na produção orgânica, outros simplesmente não querem ficar escravos do pagamento anual de royalties.
Leonardo Melgarejo avaliou o comentário de Marina Silva: “Plantar lado a lado é uma atitude ingênua, equivocada. O plantio lado a lado assegura a contaminação e prejudica o direito de quem não gostaria de cultivar transgênicos”.
No caso do chamado milho Bt, as Genes Giants introduziram genes de uma bactéria que age como inseticida, matando uma lagarta que prejudica a produção.
No passado, o controle da lagarta era feito por inspeção pessoal. Nas áreas de lavoura onde houvesse um número superior de lagartas ao considerado adequado era aplicado o veneno.
Agora, com o milho Bt, joga-se agrotóxico em tudo. O veneno atinge da ponta da raiz ao pólen. “A planta absorve o veneno, metaboliza, transforma em outras coisas, enquanto [as plantas] que estão em volta morrem. Cria num primeiro momento um vazio, que traz uma nova geração de plantas resistentes”, explica Melgarejo. Ou seja, a tendência do produtor é de aplicar cada vez mais veneno, gerando mais lucro para as Gene Giants.
Melgarejo sugere outra expedição pessoal ao leitor do Viomundo. No Centro-Oeste, visite uma plantação de soja e note a presença de plantas de milho crescendo bem lá no meio. São sementes de milho tolerantes ao veneno mais comum, o glifosato, que germinam no meio da soja.
Ou seja, agora o agricultor precisa combinar agrotóxicos distintos para dar conta das plantas resistentes.
Por isso surgem venenos cada vez mais poderosos ou que atuam com mecanismos distintos, o que aumenta a pressão para que os órgãos públicos aprovem rapidamente novos produtos, sem avaliação adequada.
No caso do milho Bt, o argumento que antecedeu a aprovação dava conta de que o “inseticida” inserido na variedade para matar a lagarta seria destruído sem problemas no trato digestivo dos seres humanos. Porém, o pesquisador Azis Aris, professor de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Sherbrook, no Canadá, descobriu a proteína tanto no cordão umbilical quanto em fetos, antes do nascimento.
Quais as consequências? Continuamos totalmente no escuro.
No caso do milho NK 603, o pesquisador Gilles-Eric Seralini, da Universidade de Caen, na França, coordenou um estudo cuja divulgação causou grande estrondo (fotos no topo deste post).
“Os resultados são alarmantes. Observamos, por exemplo, uma mortalidade duas ou três vezes maior entre as fêmeas tratadas com OGM. Há entre duas e três vezes mais tumores nos ratos tratados dos dois sexos”, explicou Para realizar a pesquisa, 200 ratos foram alimentados durante um prazo máximo de dois anos de três maneiras distintas: apenas com milho OGM NK603, com milho OGM NK603 tratado com Roundup (o herbicida mais utilizado do mundo) e com milho não alterado geneticamente tratado com Roundup. Os dois produtos (o milho NK603 e o herbicida) são propriedade do grupo americano Monsanto. Durante o estudo, o milho fazia parte de uma dieta equilibrada, em proporções equivalentes ao regime alimentar nos Estados Unidos. “Os resultados revelam uma mortalidade muito mais rápida e maior durante o consumo dos dois produtos”, afirmou Seralini, cientista que integra ou integrou comissões oficiais sobre os alimentos transgênicos em 30 países.
O estudo foi alvo de fortes críticas, inclusive de cientistas ligados às Gene Giants. A União Europeia destinou 3 milhões de euros para refazê-lo. No Brasil, a CTNBio decidiu contra novos estudos. Estamos, portanto, consumindo o NK603 na incerteza.
Outro estudo recente de grande impacto, segundo Melgarejo, foi o de Charles Benbrook, da Universidade Estadual de Washington, nos Estados Unidos. Ele pesquisou áreas onde houve o uso sucessivo de glifosato em várias safras. Constatou que o veneno altera a composição dos microoganismos que vivem no solo da região. Provoca a redução das bactérias associadas às raízes das leguminosas, que ajudam a fixar o nitrogênio do ar. Ou seja, o agricultor precisa recorrer ao adubo nitrogenado, com forte impacto econômico para ele e para países importadores.
“Isso não é considerado no Brasil pela CTNBio”, alerta Melgarejo. A aprovação ou não, segundo ele, é feita com uma visão estreita, que não considera o conjunto dos impactos sócio-econômicos.
No caso do milho Bt ou do NK 603, a CTNBio não exige testes em animais em gestação ou em pelo menos duas gerações de animais, como outros países exigem. O argumento das Gene Giants é de que os transgênicos tem sido consumidos há mais de 20 anos sem causar danos à saúde pública. Não causam, por exemplo, reações alérgicas.
Porém, para Melgarejo isso “não nos dá segurança”. Ele lembra que em períodos da vida de grande alteração hormonal — gestação, puberdade, menopausa/andropausa — os seres humanos são mais suscetíveis a expressar alterações resultantes do consumo alimentar e que isso ainda não foi suficientemente estudado.
Para ele, os transgênicos/agrotóxicos “estão sendo liberados de maneira apressada e com estudos superficiais”.
Melgarejo lembra que no Brasil não existe um protocolo para avaliar insetos transgênicos. Ainda assim, a CTNBio liberou o mosquito que supostamente vai ajudar a combater a dengue, testado em Jacobina, na Bahia. Ao copular com a fêmea, o Aedes aegypti macho bloqueia a reprodução das larvas.
Porém, essa capacidade pode ser naturalmente desativada por um antibiótico muito comum em rações para animais.
Não há, portanto, garantia de redução da população de mosquitos transmissores da dengue. Pode ser até que a população aumente!
Além disso, diz Melgarejo, “na natureza não existe espaço vazio. Outros possíveis vetores da dengue podem aparecer”. A condição natural do vírus da dengue, como de todo ser vivo, é de se reproduzir. “Se não se reproduz é possível que sofra mutações”, acrescenta. Mutações para as quais os serviços de saúde estão completamente despreparados.
“O fato concreto é que em Jacobina a população de mosquitos caiu, mas no ano seguinte o prefeito foi obrigado a decretar estado de emergência por conta da dengue”, afirma.
Por causa do óbvio poder econômico das Gene Giants (leia aqui, Projeto de Vaccarezza é redigido por lobby da Monsanto), Leonardo Melgarejo acredita que só a indignação dos cidadãos com os riscos a que estão sendo submetidos pode provocar mudanças. Isso depende de informação, infelizmente indisponível de maneira contextualizada na mídia corporativa.
Sobre a atual campanha política, ele vê “Dilma tolerante e Marina favorável” ao atual estado de coisas.
A ex-ministra do Meio Ambiente, citada pelo New York Times como “ícone” da luta ambiental, premiada em várias partes do mundo por suas propostas na área e proponente de uma “nova política”, que a distinguiria dos adversários, parece ter dado uma guinada e tanto ao longo do tempo, pelo menos em relação aos transgênicos: “Eu acredito que a Marina tem seus interesses [políticos] nesse momento. Espero que ela não tenha mudado por dentro tanto assim”.
O que deixa o pesquisador angustiado é o fato de que o processo não tem volta. “O milho Bt, não é mais possível retirá-lo da Natureza. Não tem como recolher. Não tem volta”, afirma. O mesmo vale para todos os novos produtos que, anualmente, rendem bilhões de dólares e o controle de boa parte da cadeia alimentar às Gene Giants.
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