por Túlio Muniz
Em Maio de 2010, publiquei no Observatório da Imprensa o artigo “Os cúmplices do silêncio”, dando conta da repercussão negativa, em jornais portugueses e espanhóis, da postura do STF de não permitir revisões à Lei da Anistia.
Agora, a entrevista do Cabo Anselmo ao Roda Vida, de 17 de Outubro, dá dimensão exata ao problema histórico a ser enfrentado pela Comissão da Verdade: a naturalização da repressão da ditadura militar pelo que Saulo Leblon denomina, apropriadamente, de “espetacularização que empresta normalidade a qualquer coisa. Mesmo as mais abjetas”.
De fato, Anselmo esteve mais que a vontade durante o programa, posto que a maioria das arguições eram mais de caráter moral que político e humanitário. No campo da moral, tudo se justifica, tudo se relativiza, mesmo as injustiças. Entretanto, Anselmo, livre, pesado e solto, personifica a conivência generalizada das instituições públicas e da mídia privada com a ditadura e com a tortura.
Não raro, permanece em todo o país homenagens aos generais ditadores, sejam em avenidas, praças, logradouros públicos, quando não em monumentos gigantescos, como é o caso do mausoléu de Castello Branco, aqui em Fortaleza. Ainda mais grave é a omissão e inoperância de gestores públicos (políticos e acadêmicos), convivendo mansamente com a celebração daqueles que foram seus algozes ou de seus companheiros e companheiras (em Fortaleza, as homenagens ao cearense Castello Branco não se restringem ao mausoléu).
A permanência da toponímia pela negligência dos gestores é um paradoxo, posto que, quando ocorrem alterações, não há reação popular que reivindique a memória do déspota, como são os casos recentes de dois equipamentos públicos em Fortaleza, que serão reformulados e deixarão de aludir a Médici e à data do golpe, 31 de Março.
São bizarros os salamaleques que se rendem a governadores e interventores biônicos que, absolvidos pela inoperância política e judiciária, não tiveram sequer a dignidade de se colocarem ao julgamento das urnas após 1985, mas permanecem na superfície do poder. Esses antigos próceres da ditadura frequentam as colunas sociais e são hoje nababescos empresários e banqueiros, e, como tais, anunciantes e potencial da mídia privada. Para eles, não raro, gestores públicos (alguns nascidos em berços ditatoriais) mantêm estendidos os tapetes vermelhos dos palácios.
E há aquele tipo de gestor de esquerda resignado que, outrora perseguido, hoje branda suas penas digitais, reivindicando mais polícia contra os movimentos sindicais e sociais, não defendendo a eliminação do porrete, e sim o redimensionamento do seu comprimento.
Portanto, não é de se estranhar que tantos governantes se deixem seduzir pelo poder (sadomasoquista?) que têm de declarar carga policial contra as massas.
Entretanto, a mídia, seja nacional ou regional, é igualmente “cúmplice do silêncio” (título de um belo filme argentino), quando, sob pretexto de ser “democrática”, contemporiza abrindo espaço editorial para os tantos “Anselmos” que insistem em reificar e defender os argumentos da exceção e da barbárie. Aliás, é daí que advém os eufemismos como “ditabranda”, cunhados por veículos (sem trocadilhos com “carros de reportagem”) de quem endossou o regime.
Urge uma postura crítica permanente, inclusive boicotando eventos em lugares em que predomina a memória dos opressores. Críticas como esta provocam muxoxos nos mais ressentidos direitistas, igualmente na esquerda ambidestra.
Contudo, a História demonstra que a complacência política (e acadêmica) é o que pode fazer ressurgir e sustentar o autoritarismo, no que Weimar e Vichy foram os casos mais evidentes.
É nesse território, pantanoso e putrefato, que se encontra encravada a Comissão da Verdade.
Túlio Muniz é jornalista, historiador, doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal)e professor (temporário) da Universidade Federal do Ceará.
Leia também:
Fátima Oliveira: A lista de Lélia Abramo
Luiza Erundina: Por que é indispensável a revisão da Lei da Anistia
17 comentários
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Lucas
20 de outubro de 2011 às 22h58"Contudo, a História demonstra que a complacência política (e acadêmica) é o que pode fazer ressurgir e sustentar o autoritarismo, no que Weimar e Vichy foram os casos mais evidentes."
O problema não é a complacência, quem dera as elites econômicas e políticas da república de Weimar fossem complacentes. Quem dera que as elites políticas e econômicas brasileiras fossem complacentes em 1964. Ao contrário, agitaram pelo fascismo, financiaram o fascismo, nomearam os fascistas para cargos importantes, e quando o inevitável golpe chegou, receberam o fascismo de braços abertos.
FrancoAtirador
20 de outubro de 2011 às 22h02.
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Cristina Fernández faz um chamado à integração sul-americana
“Somos orgulhosamente sul-americanos.
Somos gente da Unasul.
Se conseguirmos uma integração inteligente,
podemos ser protagonistas do século XXI”,
disse a presidenta Cristina Fernández de Kirchner
no ato de encerramento de sua campanha,
quarta-feira à noite, em Buenos Aires.
Ela é favorita para vencer a eleição presidencial no próximo domingo.
A reportagem é de Francisco Luque, correspondente da Carta Maior em Buenos Aires
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMos…
Elza
21 de outubro de 2011 às 03h08Pra vc ver Franco, eleições dom num país do nosso continente, parceiro do Brasil e a mídia Oligárquca caladinha, se fosse nos EEUU, já estaríamos saturados com noticiário tds os dias.
FrancoAtirador
21 de outubro de 2011 às 12h33.
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Nem precisamos ir tão longe.
Nas eleições no Chile e na Colômbia,
onde a direita entrou como favorita,
e mesmo no Peru, onde ela via chance,
a cobertura midiática foi de espetáculo.
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Mário SF Alves
21 de outubro de 2011 às 11h07Protagonistas do século XXI parece-me um pouco meio demais. Bom, pelo menos nesse cenário de guerra de rapina que está cada vez mais a se impor no mundo. Mas seja como for, enquanto isso o PIG, com mestrado e doutorado em cortina de fumaça, fica estimulando o confronto: Pelé versus Messi. Legal, né? Bom pra quem?
FrancoAtirador
21 de outubro de 2011 às 12h29.
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"uma integração inteligente" pressupõe exterminar com a rapinagem financeira.
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FrancoAtirador
20 de outubro de 2011 às 21h11.
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Com essa mídia oligárquica famigliar,
a Verdade, sob todos os aspectos,
está permanentemente em campo minado.
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Maria Libia
20 de outubro de 2011 às 20h53"ODEIO AS VÍTIMAS QUE RESPEITAM SEUS OPRESSORES" JEAN PAUL SARTRE.
MARIA LIBIA ASSINA EM BAIXO.
Geysa Guimarães
20 de outubro de 2011 às 19h29O autor precisa ser avisado de que o Autoritarismo já ressurgiu, e justamente pelas mãos do relator da Comissão da Verdade.
Ele desconhece governo Aloysio Nunes?
Estou às ordens, venha conhecer a democradura.
Julio Silveira
20 de outubro de 2011 às 18h36Não demora o Brasil entra pelos fundos nas cortes internacionais.
reinaldo carletti
20 de outubro de 2011 às 16h59eu não consigo entender: essa midia idiota, querendo incendiar o pais, a nossa presidenta, mantendo nos cargos, os inuteis paulo bernardo e zé cardozo, onde ela quer que o pais chegue?
reinaldo carletti
@Gil17
20 de outubro de 2011 às 15h32Com a aprovação pelo CCJ do Senado, prossegue o rolo compressor para aprovar o projeto da Comissão da Verdade da forma como saiu da Câmara. Consenso na mediocridade, vejamos o que a Corte Interamericana, da qual o Brasil é signatário, pensa à respeito.
Ver notícia da aprovação em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania…
beattrice
20 de outubro de 2011 às 14h33Excelente texto.
em tempo, da Argentina, de onde vem o exemplo preciso de como tratar a mídia golpista – LEY DE MEDIOS – e de como tratar genocidas ditadores – PROCESSO + JULGAMENTO = PRISÃO, vem também o exemplo de como tratar a questão dos logradouros públicos indevidamente nomeados pelos carrascos da democracia.
Túlio Muniz: Comissão da Verdade em campo minado « Quem
20 de outubro de 2011 às 13h29[…] https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/tulio-muniz-comissao-da-verdade-em-campo-minado.html Like this:LikeBe the first to like this post. […]
eunice
20 de outubro de 2011 às 13h21O problema com esses governos é: a situação do povo é tão grave, e há tanto povo, e há apenas um equilíbrio precário conseguido pela liberação do poder a Lula pelos carrascos, que qualquer desequilíbrio –
e sem Lula – teremos uma população enorme, raivosa e pronta pra briga. E concentrada em cidades, e tendo nada a perder. Não é por menos que o crack se alastra. Quando esse contingente se avolumar suficiente a casa cai, infelizmente em cima de todos.
laurro c l oliveira
20 de outubro de 2011 às 09h58A Comissão da Verdade deve esclarecer amiude a parteipação da nossa mídia no golpe e nos malfeitos dos anos de chumbo. Sua participação no motim, no acobertamento das torturas, na obtenção das vantagens econômicas e suas práticas difamatórias, que ainda persistem e parecem clamar por outros golpes no futuro.
Comissão da Verdade em campo minado « Ficha Corrida
20 de outubro de 2011 às 09h29[…] Túlio Muniz: Comissão da Verdade em campo minado | Viomundo – O que você não vê na mídia Sirva-se:Like this:LikeBe the first to like this post. Deixe um comentário […]