Corram!
Quando Wall Street controla o jogo
por DAVE LINDORFF*, no Counterpunch, em 08.01.2013
O ataque total à Previdência Social já começou.
O ajuste para a grande batalha foi a charada do Abismo Fiscal. O drama exagerado dos últimos dias de dezembro foi o momento da verdade para que o Partido Democrata e o presidente Barack Obama deixassem claro se ainda são defensores do legado do New Deal [que inclui programas sociais implantados nos Estados Unidos pelo ex-presidente Franklin Delano Roosevelt] ou se estão prontos para jogar a Previdência Social no mar em nome dos novos eleitores do partido: a gangue de Wall Street.
O presidente e os democratas da Câmara e do Senado poderiam ter dito que não haveria acordo sobre o Abismo Fiscal — artificialmente criado no Congresso em agosto de 2011 — a não ser que os republicanos concordassem em não fazer a Nação refém em fevereiro próximo, no debate sobre a elevação do teto de endividamento nacional.
Os republicanos estavam numa posição de fraqueza, já que se o prazo final do “abismo” tivesse se esgotado, os cortes de impostos do Bush [para os mais ricos] teriam expirado. Os republicanos seriam incapazes de aprovar nova legislação restaurando os cortes de impostos para os ricos, enquanto os democratas poderiam forçá-los a aprovar cortes de impostos para as classes média e baixa.
Em vez de agir assim, o presidente e seu vice-presidente, ex-senador do estado-sede das grandes corporações — Delaware — Joe Biden, ofereceram “acordo” que dá corte de impostos para o 1% de norte-americanos que ganha entre 250 e 400 mil dólares anuais, protegeram até 5 milhões de dólares de heranças da cobrança de impostos, deram bilhões de dólares em novas isenções fiscais para as corporações e deixaram os republicanos livres para fazer o Congresso e a Nação reféns, de novo, em fevereiro e março, quando o Congresso terá de aprovar novo aumento do teto de endividamento.
O líder da maioria, senador Mitch McConnell (republicano de Kentucky), já disse que naquela casa os republicanos não concordam com qualquer aumento de impostos num acordo sobre o teto da dívida; os republicanos que controlam a Câmara deixaram a mesma posição clara.
Os republicanos tem dito que querem cortes significativos nos “direitos” (o termo foi acoplado tanto à Previdência Social quanto ao programa Medicare [garante benefícios de saúde para quem tem mais de 65 anos de idade], embora ambos sejam programas de benefícios já pagos por trabalhadores e seus empregadores através de desconto em folha ao longo de uma vida de trabalho). E com o governo refém em fevereiro, incapaz de emprestar mais sem aumentar o teto de endividamento, os democratas já tem uma desculpa para aceitar as exigências dos republicanos, alegando que “não tinham escolha”.
O New York Times no domingo colocou sua própria artilharia para atacar a Previdência Social, com um artigo de opinião em que dois acadêmicos argumentam que o programa está diante de um “grande abismo” e ficará sem dinheiro dois anos antes que o previsto pela Administração da Previdência Social, o que significaria 2031.
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Tecnicamente, naturalmente, a Previdência Social não vai ficar sem dinheiro nem mesmo em 2033. Vai apenas exaurir o fundo fiduciário, mas as contribuições dos atuais trabalhadores ainda vão cobrir 75% dos benefícios, indefinidamente. Mas os autores desta história de assustar não mencionam isso.
Nenhuma surpresa. O mesmo artigo também sugere que talvez as pessoas não devam ser encorajadas a se aposentar, já que a aposentadoria, alegam, reduz a expectativa de vida. Fácil dizer isso se você é um acadêmico de uma universidade privada de elite que ganha mais de 100 mil dólares por ano para escrever artigos, mas não tão fácil para quem dá duro no trabalho.
Eles também sugerem que deveria haver benefícios menores para aqueles aposentados que ganham a “fortuna” de 3 mil dólares mensais de aposentadoria. Não é mencionado na biografia dos autores do artigo que um deles, Samir S. Soneji, é professor do Instituto de Política de Saúde de Dartmouth, um “instituto” conservador financiado pela indústria que se dedica a cortar custos de saúde através de soluções “baseadas no mercado”.
A verdade sobre a Previdência Social é que ela não está em crise. Afinal, 2033, ou mesmo 2031, está muito longe de 2013. Duas décadas. Qual outra crise o Congresso está se preparando para enfrentar com duas décadas de antecedência? A resposta é nenhuma. Posso pensar, na verdade, numa crise real que o Congresso tem ignorado completamente nas últimas duas décadas, a do aquecimento global.
Em duas décadas, se não houver uma grande ação para reverter a emissão de carbono na atmosfera, será muito tarde para enfrentar o aquecimento dos mares e da atmosfera, o que será uma desastre muito maior que exaurir o fundo da Previdência Social! Ainda assim, o Congresso e o presidente não fazem nada sobre o clima. Por que?
Por causa dos interesses corporativos, que apenas se preocupam com seus lucros no próximo trimestre ou na maior parte do ano e que não querem enfrentar leis e impostos desenhados para forçá-los a reduzir as emissões de carbono. Estas mesmas corporações, especialmente os interesses financeiros de Wall Street, também querem destruir a Previdência Social para forçar os trabalhadores a investir nos mercados de ações que agora manipulam completamente, em vez de depender de um sistema de aposentadorias que funcionou bem por 75 anos!
Como poderíamos arrumar a casa da Previdência para que o fundo fiduciário não se esgotasse? A solução é surpreendemente fácil. Tudo o que seria necessário fazer é eliminar o teto da renda sujeita ao imposto FICA [aquele que é descontado na folha de pagamento], que está atualmente em 113 mil dólares anuais, além de estender o imposto para que seja cobrado também ou da renda de investimento (não incluindo as poupanças de aposentadorias) ou da renda de ações e papéis que não fazem parte das cestas de aposentadoria.
Em outras palavras, se os ricos e seus empregadores tivessem de pagar o imposto FICA em toda a renda que ganham, e pagar o imposto também na chamada renda “não trabalhada” [rendimento de ações, por exemplo], não haveria falta de dinheiro na Previdência, permitindo a aposentadoria da geração Baby Boom [anos 50, depois da guerra, quando houve um ‘boom’ de bebês nos EUA] e além.
Como isso pode ser uma “crise”?
Só é porque aumentar estes impostos está fora dos debates permissíveis no Congresso e porque a mídia, como o New York Times e seu artigo, não trava esta discussão. OK, os autores do artigo acima citado mencionam a possibilidade de elevar o FICA, mas apenas como forma de eliminar o rombo que faria o Fundo Fiduciário ficar sem dinheiro dois anos antes que o previsto. Não dizem que simplesmente eliminar o teto da renda taxável, além de aplicar o FICA em ganhos de investimento, resolveria completamente o problema da Previdência.
E assim a batalha segue.
A próxima fase vai ser uma tentativa dos servos de Wall Street no Congresso e na Casa Branca de começarem a pregar uma divisão entre as gerações, dizendo que vão “proteger” a Previdência para aqueles que se aproximam da aposentadoria, enfraquecendo o programa (eles chamam de ‘preservar’) para os trabalhadores mais jovens. É o que se chama de dividir para conquistar.
É crítico que aposentados ou próximos de se aposentar resistam a esta tática cínica e que se unam aos trabalhadores mais jovens para proteger os benefícios de todos. Se a estratégia de dividir para conquistar for bem sucedida, os trabalhadores mais jovens vão começar a perder interesse na Previdência Social, e a pressão aumentaria entre eles para começar a cortar benefícios dos já aposentados; eles concluiriam que o que pagam hoje à Previdência subsidia benefícios que nunca receberão lá na frente.
A única forma de proteger a Previdência Social de todos os trabalhadores é eles se unirem para defender o mesmo sistema de benefícios. E a única forma de fazer isso é exigir e insistir em taxar os ricos para manter o sistema.
O ponto-chave na batalha é lembrar que não pedimos aos ricos que paguem mais. Eles — e seus empregadores — devem pagar a mesma taxa de imposto que todos pagamos sobre nossa renda, e devem finalmente começar a pagar o FICA em seus ganhos de investimento, hoje isentos da Previdência Social.
Não se enganem: a guerra contra a Previdência Social foi lançada e a batalha-chave será em fevereiro. A grande massa de trabalhadores dos Estados Unidos, que depende da Previdência Social na velhice ou em caso de incapacidade, precisa se unir e participar, ou ela será perdida.
*Dave Lindorff is a founder of This Can’t Be Happening and a contributor to Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion, published by AK Press. Hopeless is also available in a Kindle edition. He lives in Philadelphia.
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