Fátima Oliveira leu tudo de Jorge Amado

Tempo de leitura: 3 min

O sábio conselho de Jorge Amado: “Não se meta na vida dos outros”
APESAR DO CONTEÚDO POLÍTICO, ESTRUTURA NARRATIVA SOBRESSAI

Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO
Médica – [email protected] @oliveirafatima_

Foi o que disse Jorge Amado a Zélia Gattai. Rememoremos as palavras dela, na entrevista “Não faça literatura, escreva com o coração”: “Eu estava escrevendo o romance [`Crônicas de uma Namorada´] e o Jorge de longe… espiando. Eu disse: estou escrevendo um romancinho. E ele, muito desconfiado. Eu fui ficando muito calada e ele perguntou: ‘você está com algum problema?’. Estou, estou mesmo, respondi. Você imagine que aquele personagem, o rapazinho, está avançando o sinal. Está passando a mão na menina (a prima), está fazendo coisas que não deve, e acho que vou cortar as asas dele, afirmei. Aí Jorge me disse: ‘não corte não. Não corte as asas dele de jeito nenhum’. Por quê? E Jorge interrogou: ‘e a menina?’. A menina… está adorando, está gostando, falei. E ele completou: ‘está gostando é, que ótimo. Então vou te dar um conselho, não se meta na vida dos outros’.” (7.8.2001).

Adolescente, conheci a literatura do centenário Jorge Amado (1912), antigo companheiro de travessia. Sou viciada em leitura. Primeiro li “Capitães de Areia” (1937) e fiquei impressionada com aquele bando de crianças, de 9 a 16 anos, vivendo num trapiche à beira do cais em Salvador, aplicando pequenos golpes e furtando, sob o comando de Pedro Bala, com uma cicatriz de navalhada no rosto… Caí de amores por Dora, uma das crianças “ladronas”, de apenas 13 anos, que se juntou ao bando e assumiu maternar a todos…

Antes de concluir o curso normal, ou seja, antes dos 18 anos, li a trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade” (“Ásperos Tempos”, “Agonia da Noite” e “A luz no Túnel”, 1954). Embora saiba que Jorge Amado, já no fim da vida, não gostasse da trilogia, por achá-la sectária, no que discordo, faço questão de frisar que Jorge Amado, ideologias à parte, é um contador de causos encantador, mesmo que tenha andado de “bracidade” (braços dados) com ACM e o tenha chamado de Mestre Antônio. Equívocos da vida… (Carta de Jorge Amado a ACM, 1999).

Há um posfácio de Daniel Aarão Reis que expressa o que penso da obra: “Os movimentos de resistência ganham destaque, como um foco de guerrilha camponesa que leva à revolta dos índios pataxós no sul da Bahia… E a jovem Mariana, integrante do partido, vive devotada à causa dos companheiros.

Apesar do forte conteúdo político, a estrutura narrativa sobressai, pois aproveita o formato de folhetim para descrever negociatas, paixões, adultérios, casamentos arranjados e perseguições policiais”.

“Terras do Sem Fim” (1943) me fez varar a noite lendo, e só dormi, no dia seguinte, quando li a última página, impregnada da luta pela terra e as lavouras de cacau de Saqueiro Grande. Preparando-me para o vestibular, dois livros de Jorge Amado eram “leitura obrigatória para vestibulandos”: “Tenda dos Milagres” (1969) e “Tereza Batista Cansada de Guerra” (1972), que li no maior frenesi. Gosto muito mais de “Tenda dos Milagres”, pois acho Pedro Archanjo, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, personagem sui generis…

Na universidade, de férias em Imperatriz (MA), descobri “a obra completa de Jorge Amado”, na casa do jornalista Jurivê de Macedo (1930-2010)! Li tudo! Tendo sido “Gabriela Cravo e Canela” (1958) a que mais fundo tocou em mim.

Aliás, as mulheres jorgeamadianas: Dora, Mariana, Gabriela, Dona Flor, Rosa de Oxalá, Dorotéia, Rosenda, Risoleta, Sabina dos Anjos, Dedé, a nórdica Kirsil, Tereza Batista e Tieta, todas donas de si, são especiais, e um dia talvez eu escreva um ensaio sobre elas e suas líricas picardias.

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