Fátima Oliveira: A riqueza do “pt-BR” deve ser respeitada

Tempo de leitura: 3 min

O belo da riqueza dos dialetos do português brasileiro
O modo de falar é diverso e deve ser respeitado!

Fátima Oliveira, no Jornal  OTEMPO

Médica [email protected] @oliveirafatima_

Não faz muito tempo, em São Luís, capital do Maranhão, telefonei para uma amiga. O filho dela atendeu. “Diga à sua mãe que foi Fátima Oliveira, colega dela, quem telefonou. Desejo falar com ela antes de voltar para Belo Horizonte”. Conforme o prometido, telefonei no mesmo dia e ela atendeu. Repetiu as palavras do filho: “Mãe, ligou uma amiga sua. Esqueci o nome, mas ela não é daqui, pois, tem uma fala estranha”.

Aquilo martela, até hoje, em meu juízo. Após um quarto de século em Beagá, com uma passagem de quatro anos por Sampa, acostumei-me à pergunta “Você é de onde?”, mal abro a boca; logo, fiquei assustada de ser ouvida como uma “fala estranha” no meu Estado, o Maranhão! O ocorrido levou-me a estudar os dialetos do português falado no Brasil – variantes da língua, o tal sotaque, e não um modo de falar errado e execrável, pois se a grafia culta da língua é una, o modo de falar é diverso e deve ser respeitado!uw

O “pt-BR” – código de língua para o português brasileiro -, embora de grafia culta una, é um conjunto de variantes de modos de falar no Brasil desde 17 de agosto de 1758, quando o marquês de Pombal decretou o português como a língua oficial do Brasil e proibiu a utilização da língua geral, grosso modo, a “língua de contato” entre diferentes tribos indígenas e delas com os portugueses. Isto é, “uma língua franca entre contatos indígenas” que exerceu influências marcantes sobre a língua portuguesa europeia.

A língua geral possuía duas variantes: a língua geral paulista, originária da língua dos ameríndios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê, que passou a ser falada pelos bandeirantes no século XVII. Dessa forma, ouve-se tal idioma em locais em que esses ameríndios jamais estiveram, influenciando o modo de falar dos brasileiros. O Nheengatu (ie engatú = língua boa): uma língua tupi-guarani falada no Brasil e em países limítrofes – é uma língua de comércio, desenvolvida ou compilada pelos jesuítas portugueses nos séculos XVII e XVIII, fundamentada no vocabulário e na pronúncia tupinambá e que tem como referência a gramática da língua portuguesa, com vocabulário enriquecido com palavras do português e do castelhano.

A minha “fala estranha” faz com que eu seja estrangeira em todos os lugares, pois falo alguma coisa em que ninguém se reconhece – um problema de identidade linguística monumental do ponto de vista pessoal! Na Serra do Arapari, lá pras bandas do Barro Azul, atual Fazenda Santa Rita de Cássia – que já foi Imperatriz, depois João Lisboa e agora é Senador La Rocque -, que o povo chama de a Fazenda do Padre, sempre que chego lá o problema se avoluma de tal modo que nos primeiros dias preciso andar com o Tio Luís, o vaqueiro, tendo-o a tiracolo como tradutor, caso contrário, é arriscado fazer negócios errados, simplesmente por questões linguísticas!

Após uma semana, nada mais soa estranho e passamos a entender, e até a incorporar, os “hem-hem”, “pucardiquê”, “prumodiquê” etc. e tal, que compõem o linguajar sertanejo maranhense… Não é raro ter vontade de cavar um buraco no chão e nele entrar quando alguém indaga: “Ô Luís, o que mesmo a doutora quis dizer?”.

O Biel tão logo se mudou pra lá, certo dia, irritadíssimo por não entender o que falara o frentista de onde paramos para abastecer o carro, disse-me: “Eu não entendo o que esse povo fala, mãe! Como morar aqui?”. Usei toda a minha autoridade de mãe sertaneja: ” Prestenção , porque esse povo é o seu! E também não terá outro povo para trabalhar pra você, não!”.

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Comentários

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Sandra Iannini

Fátima, o seu texto em defesa aos "dialetos" falados no nosso país é sensacional. O que mais aprecio em meu Brsiel é sua diversidade cultural. Abraços retadamente apertados, visse?

marin~es

Fátima, fico muito feliz ao ler um texto como o seu em defesa do português faaldo nas diversas regiões do Brasil

Edmundo Borges

Eita disgrameira que o Caracol está mais enrolado do que a muzenga da besta-fera. Vai catar coquinho, sô! Disgrota pouca é bobice das grandes. Ou tu aprende o português e seus dialetos ou se manda para MEAME, viu bichim? Lá que é lugar de trouxa podi!

Caracol

Eu também amo a língua portuguesa, sabem? Ainda agora mesmo eu estava lendo uma antologia da língua portuguesa num tablet enquanto saboreava um Mc Chicken do Mc Donald’s, encomendava um sundae de marshmallow e escrevia, nos intervalos das dentadas, este e-mail pra você. Isso num note book emprestado, pois deixei o meu lap top e o PC, (meu personal computer) na Supri Service para manutenção (deu defeito no plug do mouse). Aproveitei para passar no Green Road Vídeo e pegar os DVDs (Digital Vídeo Disks) de True Blood e Mad Man (que adoro), aliás, esse só tinha em VHS (Vídeo Home System), mas não faz mal, eu já assisti no canal HBO (Home Box Office) no domingo, antes do Big Brother (ou será Big Bother?) e depois do jornal da Band News e … epa! Desculpe mas vou interromper, pois está chegando um download do site do Internet Banking do banco onde tenho uma conta Personalité além de cartões Master Card e American Express, eles estão meio atrasadinhos, não usam Tweeter nem Facebook. De qualquer forma tenho que parar por aqui, pois preciso pegar meu carro no parking do shopping center, sabe, minha picape (pick up) é muito larga e não passa pelo drive thru do Mc Donald’s, é uma diesel da Ford, uma HS Drive, um pouco maior do que aquela Tracking da Fiat Strada. Depois vou pegar as fantasias das meninas para o Halloween e passar no Green Fruit pra comprar umas papayas e mexericas, pois não gosto nem de pokans nem daquelas tangerinas Murdock. Chi…acabo de sujar minha camisa Richard’s com Ketchup! Que, aliás, está gelado, pois esse ar condicionado Split do Mc Donald’s é fortíssimo, o que me lembra que não posso pegar um resfriado, pois logo mais à noite vou jantar no self service da Comida Caseira, onde servem uma baguette deliciosa e é mais barato do que no terrace grill do Baby Beef.
Tchau!

    Attila

    Ainda bem que voc~e foi ao Mc Donald, que não serve álcool e tem alface nos sanduíches. E tem boa iluminação, e não aquela penumbra de abajur.

Marta Costa

Fátima Oliveira foi bem na crônica abordando o preconceito linguístico, uma ignorância

Gustavo Pamplona

Very cool the article! So I ask: Should we talk in english now?

How about this? "The richness of the "en-US" must be respected!" Or should I say "en-UK" hahahhahaha

    ratusnatus

    Acho que vc não foi muito feliz na piada porque, na internet, existe a diferença exatamente como vc exemplificou.
    Inglês US e inglês UK.

    flw

Caracol

Sarta da carçada, sordado marvado, que lá vai pórva!

    Beto

    Salta da calçada soldado malvado, que lá vai pólvora…
    É isso mesmo. É inteligivel, então é a mesma língua

Francisco

Exijo imediatamente a presença do Marquês de Pombal! Esse decreto de 1758 (coisa do tempo de homem macho de qualidade superior, decretava as coisas e fim de papo!) precisa ser reavivado. Canal de TV que é concessão pública, brinquedo de criança, banco (isso mesmo, banco, no arriscado de perder dinheiro!) todo mundo agora só fala em inglês!

Já faz uns meses que quando leio um nome próprio a primeira pronuncia que me vem à mente é a gringa! É possível? Sua filha lhe perguntou isso? E minha sobrinha que me perguntou porque "shopping center" não leva acento circunflexo no "e"?

    Thiago_Leal

    Mas sinto um pouco de pena em saber que uma língua que já foi chamada de geral hoje é, praticamente, morta, graças ao Pombal…

    Júlio César Pedrosa

    Não foi o marquês de Pombal que matou a língua geral, ou nheengatu. Um simples decreto é incapaz de fazer isso. Apesar da proibição portuguesa, o nheengatu continuou a espalhar-se por toda a Amazônia, é hoje é falado até na Colômbia e Venezuela. O nheengatu sumiu por vários motivos, e cito os 2 principais: 1- Durante a Cabanagem, morreram cerca de 30.000 pessoas, o que era muita gente, mesmo em relação à pouca população amazônica da época (mesmo que apenas a metade daqueles mortos tenha sido falante do nheengatu, 15.000 ainda é um grande número, em relação à época); 2- a grande migração de brasileiros de outras regiões, principalmente do Nordeste, premidos pela seca e outros motivos, e em busca de melhores condições de vida, levou consigo a língua portuguesa, levando o nheengatu a estar restrito, hoje, apenas à região do Alto Rio Negro (Noroeste do Amazonas).
    O nheengatu está passando por um processo de revigoramento. Apesar de ter-se originado de uma língua indígena da Costa do Brasil, é considerado uma das bases da cultura amazônica brasileira, e vários povos indígenas que perderam suas línguas em favor do português estão aprendendo nheengatu, tido como uma língua pan-indígena e pan-amazônica. Logo será publicado pelo Prof. Eduardo Navarro, da USP, um novo curso de nheengatu.

Charles Lamounier

CONT… Mito 5 : O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão

Surgiu, assim, a imagem do Maranhão como o estado que fala o melhor português do país. A primeira gramática do Brasil foi escrita e editada na cidade por Sotero dos Reis . Mesmo nos dias atuais a cidade ainda tem uma grande vocação natural para a literatura e poesia. O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português do Brasil e o de Portugal: não existe variedade mais pura, correta, mais bonita. Toda variedade lingüística é resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares. Se o português de São Luis no Maranhão conservou o pronome "tu" é porque nessa região aconteceu forte imigração de açorianos, cujo dialeto específico influenciou na variedade dessa região.
http://preconceitolinguisticobrasil.blogspot.com/

    Claudio Martinez

    Porto Alegre foi fundada por açorianos. Nós usamos 'tu'. Acho que reforça o argumento.

Charles Lamounier

Mito 5 : O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão

Com o aumento da demanda internacional por algodão para atender a indústria têxtil inglesa e à redução da produção norte americana por causa da Guerra de Independência nos Estados Unidos, formou-se um cenário ideal para a produção algodoeira no Maranhão no século XVIII. Nesse período considerado a fase de ouro da economia maranhense, São Luís passou a viver uma efervescência cultural. A cidade, que se relacionava mais com as cidades européias do que com outras cidades brasileiras, foi a primeira a receber uma companhia italiana de ópera. Possuía calçamento e iluminação como poucas do país. As últimas novidades da literatura francesa eram recebidas semanalmente. É nessa fase que São Luís passa a ser conhecida por "Atenas Brasileira". A denominação decorre do número de escritores locais que exerceram papel importante nos movimentos literários brasileiros a partir do romantismo.
CONT…

silvia macedo

gostei muito do artigo, do tom de crônica e de memória. Parabéns a autora, pois soube se aproximar daquilo que Guimarães Rosa expressou como a subjetividade de nossa alma brasileira, mas também universal, por meio da linguagem artística que ele, Rosa, inventou a partir das nossas fontes linguística cultas e arcaicas, populares.

daniele

Fátima,
em visita à cidade natal de minha mãe – São João Batista, na região dos lagos maranhenses – eu demorei quase uma semana para conseguir entender o que as pessoas falavam. Principalmente a frase: essapequenaédequem? E contando essa história para amigos brasilienses eles absolutamente não acreditaram que isso tivesse acontecido… como seria possível já que trata-se do mesmo portugues. kkkkk… Agora, eu voltei no tempo e revivi minha viagem às terras de minha mãe.

    Dani

    Piqueeeeeeeena, que belo depoimento…
    Mate as saudades lendo Mãe Zefinha:
    – Mãe Zefinha quer um lugarzinho no ônibus, viu Lô! Sem esse negoço de jogar na sorte. E se eu num guentar vortá no bicho, me bota dentro dum aviãozão daqueles que eu vorto pra casa, né mermo mia fia? Morrendo de medo, mas agaranto que entro naquela disgrota que avua, que num vô ficar lá na Brasília prumode dá trabaio pra Dilma, que vai tá muito ocupada e num vai ter tempo de olhar pruma veinha que nem eu, que num presta mais pra quaje nada, a não ser vê o tempo passar! Já abasta a mãe e aquela tia dela, que diz os povo que vai morar tudim cum ela no Palácio que era de Lula. Marminina, eu quero vê esse palácio donde Lula e a galega dele moraram! http://talubrinandoescritoschapadadoarapari.blogs

Marco Aurelio

"Ôcride,fala pra mãe"!!!

[youtube 7wv7NabwtC0 http://www.youtube.com/watch?v=7wv7NabwtC0 youtube]

Celestina

com a Ana De Hollanda como ministra da incultura, logo logo vão privatizar a nossa lingua, a folia de reis, o congado !!! Avante ! Ministra !!!

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