O pré-debate entre Tarso e Dirceu sobre o congresso do PT

Tempo de leitura: 6 min

De uma entrevista do governador gaúcho Tarso Genro ao Globo:

O senhor defende a cassação dos mandatos dos mensaleiros?

A Constituição tem que ser interpretada a partir da independência dos poderes. A decisão tem que ser da Câmara Federal de cassar ou não. Eu substituí o (José) Genoino na presidência do PT, e o que circulava dentro do partido, e foi constatado depois, é que ele assinou empréstimos, agora pagos, e que o fez de boa-fé, sem saber que, por trás daqueles empréstimos, poderia ter uma articulação de intercâmbio de favores em benefício do partido e de outras pessoas. Eu não sei se, nessa situação, eu renunciaria.

O fato é que toda essa situação significa que o PT tem de instituir regras muito rígidas em relação aos seus dirigentes, seus quadros e seus vínculos com as empresas privadas. É totalmente incompatível dirigente partidário continuar se apresentando como tal e sendo ao mesmo tempo consultor de grandes negócios.

Porque, quando essa pessoa fala dentro do partido, quem está falando? É o dirigente ou o consultor? Essa regra não deve valer só para o PT, não estou me fixando em nenhum caso específico. Essas relações são sempre muito perigosas.

Qual futuro o senhor prevê para o ex-ministro José Dirceu?

Tenho uma relação política interna de partido com Dirceu. Nunca fui uma pessoa próxima a ele. Ele teve uma participação muito importante na construção do partido e na primeira vitória do presidente Lula. Mas acho que a forma como o Dirceu está enfrentando essa questão é equivocada, porque tende a estabelecer uma identidade dos problemas que ele está enfrentando com o problema do PT, com o conjunto, e trazendo para a sua defesa o partido como instituição.

A defesa que o partido tem que fazer em circunstâncias como essas, para qualquer pessoa, é que ela tenha direito a defesa e a um julgamento justo, e não o estabelecimento de qualquer identidade política, que é outra coisa. O Dirceu não pode ser demonizado no partido, até pela trajetória que ele teve, embora a forma como ele está lidando com essa questão não seja boa para o partido, estabelece uma identidade forçada dele em conjunto com o partido, coisa que, no mínimo, não existe. O partido tem que ser solidário com todos os seus quadros, errem ou acertem, para que tenham direito de defesa e julgamentos justos.

O partido hoje só se pauta pelo mensalão?

A agenda do partido não pode ser a agenda da Ação Penal 470. O que o partido tinha que fazer já fez. Já fez o manifesto, já deu a solidariedade que tinha que dar. O partido tem que tratar da sua vida, ele é um projeto para a sociedade, não um projeto para ficar amarrado a uma pauta, que inclusive foi constituída por indivíduos e dirigentes, e não por decisões do partido, para que aqueles fatos ocorressem, fatos esses narrados na Ação penal 470. A agenda PT tem que ser da a reforma política, do que eu chamo de 14-18 (projeto 2014-2018) e do sistema de alianças.

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de José Dirceu, no Sul 21

José Dirceu
18/01/13 | 05:09

O PT em discussão

Ator político fundamental do processo que está produzindo grandes transformações em nosso país, o Partido dos Trabalhadores começa no início deste ano a formular uma ampla pauta de questões a serem discutidas durante a realização do seu 5º Congresso, em fevereiro de 2014. Os debates devem abranger desde as principais mudanças ocorridas em nossa sociedade até as reformas estruturais de que nosso país ainda tanto necessita.

Mas tanto o 5º Congresso quanto as discussões que o precedem deverão servir também à realização de uma espécie de balanço do partido, de análise de sua trajetória até aqui, de seus erros, acertos e de suas perspectivas, o que será essencial para fortalecer sua capacidade de mobilização, robustecer sua agenda programática e revitalizar o debate interno.

O partido não poderá se furtar a discutir também como continuará enfrentando a nociva campanha empreendida por setores reacionários da sociedade, grande mídia à frente, a fim de desmoralizar e desmerecer suas conquistas e seu protagonismo em um movimento que, por meio de políticas consistentes, vem incluindo milhões de brasileiros historicamente marginalizados.

A prova cabal dessa tentativa de macular a imagem do partido e do governo Lula, se traduz na concretização da farsa político-jurídica e midiática que constituiu a Ação Penal 470, a espetacularização do julgamento da Ação e seus resultados em total dissonância com a isenção e o rigor técnico que se espera da instância máxima de Justiça do país. A despeito da falta de elementos objetivos na denúncia – o que acabou sendo preenchido por deduções e inovações jurídicas –, o clamor da grande mídia pela condenação dos réus foi, antes, a exigência da condenação do próprio partido.

Se por um lado ilações transformaram-se em provas irrefutáveis, por outro desprezaram-se todas as evidências de que a tese da suposta compra de votos parlamentares não se sustentava. Da mesma forma, ignoraram documentos que desmentiam a denúncia de desvio de dinheiro público, como o do Banco do Brasil, negando o caráter público dos recursos destinados à agência DNA Propaganda, oriundos do fundo Visanet, uma empresa privada e multinacional. Também fizeram vista grossa à auditoria pública feita pelo BB, na qual não se encontrou qualquer irregularidade nas contas do Visanet.

Embora neguem que o julgamento tenha sido político, de exceção, orquestrado para atingir a principal obra do partido — o projeto político que está mudando o Brasil — a diferença de tratamento conferida ao chamado “mensalão tucano” reafirma esse caráter. Naquele processo, que ainda aguarda julgamento, deferiram aos réus o pedido de desmembramento que lhes garante a chance de recorrer a outras instâncias de Justiça. Tal possibilidade, entretanto, não foi permitida aos réus da Ação Penal 470.

Diante de todos os holofotes apontados pela grande mídia, transformaram-se em crime político, referido como o “maior escândalo político da história do país”, erros e ilegalidades cometidas no âmbito de um sistema político-eleitoral inconsistente, o qual há anos o PT vem lutando para mudar por meio do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional.

Se tivemos um julgamento político, não apenas os réus do processo, mas o partido, sempre apontado pela grande mídia e pela oposição como fiador de esquemas de corrupção e de crimes contra a República e a democracia, precisamos de respostas também políticas.

Isso explica porque o companheiro Genoino não hesitou em assumir o mandato de deputado federal que lhe foi concedido pela vontade soberana do povo, apesar de toda a sorte de pressões para que desistisse de seus direitos.

Pelo mesmo motivo, continuo utilizando os espaços que me são disponibilizados para fazer não uma defesa pessoal, mas sim para continuar discutindo as questões de interesse do país e da sociedade brasileira, como a reforma política, a regulamentação dos meios de comunicação, a necessidade de investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia, os rumos do nosso desenvolvimento, dentre tantas outras.

Também por esta razão, o partido sempre se posicionou em relação ao julgamento de forma clara, ponderada, refutando com veemência as denúncias de compra de votos no Congresso Nacional e de pagamento de mesada a parlamentares, discordando da forma e do viés político que norteou todo o processo.

Assim, não soa razoável quando se fala em defesa ou solidariedade do PT para com seus quadros e lideranças envolvidos no processo, uma vez que se trata de uma reação política em defesa da própria instituição que, como exposto, se pretende, indiretamente, atacar. Trata-se da defesa de sua história de lutas, a fim de que possamos aprofundar cada vez mais o processo que enfrenta nossas graves desigualdades.

Ainda como parte da tentativa de se realizar um linchamento moral dos réus e do partido, a instalação do julgamento da Ação Penal 470 no centro da agenda política do país não pode ser atribuída senão à mídia conservadora e à oposição.

A cobertura editorializada e a quantidade de espaços reservados para que “especialistas” e articulistas exigissem do Poder Judiciário condenações exemplares evidenciam o fato.

Sintomática também foi a absurda extrapolação verificada durante as eleições municipais do ano passado, quando adversários usaram o julgamento de forma ostensiva contra candidatos do PT, estratégia que se revelou infrutífera, já que o partido saiu como o mais votado e o que mais cresceu.

O julgamento acabou, mas a campanha contra o PT, não.  Por isso, cabe ao partido seguir adiante e enfrentar suas batalhas, que serão muitas.

Apesar da grande transformação desencadeada a partir de 2003, há ainda uma agenda extensa de questões pendentes. É preciso avançar, renovar-se, absorver antigas e novas demandas, sem jamais perder de vista os seus compromissos primordiais e a confiança que lhe é depositada por milhões de brasileiros. Para isso é imprescindível rever esses dez anos de mudanças e identificar as melhores maneiras de se enfrentar os desafios do presente e do futuro.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

Para entender melhor:

Safatle: PT puxa esquerda para o buraco do mensalão

Izaías Almada: Sobre a síndrome Safatle/Dutra (I)

Izaías Almada: Síndrome Safatle/Dutra (II)

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