Mauricio Dias: A verdade sobre a Lei da Anistia aflora?

Tempo de leitura: 3 min

por Mauricio Dias, em CartaCapital

A decisão de procuradores da República de acusar o coronel Sebastião Curió de “sequestro qualificado”, crime continuado, em razão do suposto envolvimento dele no desaparecimento de militantes da Guerrilha do Araguaia, em 1974, no Pará, durante a ditadura, sustenta que esse tipo penal não se enquadra na relação de crimes prescritíveis.

A tese deverá ser avaliada pela Justiça, caso seja acolhida. No plano legal, a iniciativa, no entanto, só terá sucesso se o Supremo Tribunal Federal reconsiderar a decisão tomada e invalidar a Lei da Anistia aprovada em 1979 no começo do mandato de João Figueiredo.

Essa lei é o exemplo vivo do processo de conciliação que orienta os rumos da política brasileira. Desde sempre e quase sempre, ela reflete o conchavo no Brasil de cima para desmobilizar a participação do Brasil de baixo.

O acordo conciliatório foi sacramentado entre os militares e a maioria conservadora do Congresso, formada pela base de sustentação da ditadura, cujo líder era José Sarney, e, do outro lado, a oposição moderada incorporada por Tancredo Neves no Partido Popular, que logo nasceria com a reforma partidária e o rompimento da unidade do MDB de Ulysses Guimarães. Não por acaso, Tancredo e Sarney formariam a chapa, presidente e vice, consagrada em eleição indireta de janeiro de 1985.

Como foi articulada, a anistia expressa essa transação política com apoio de parte da sociedade. Mas havia outra parte dela que protestava contra o acordo.

Pesquisa, de âmbito nacional, divulgada recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dentro de uma análise sobre as relações das Forças Armadas e a Defesa Nacional, oferece fortes indícios de que, muito provavelmente, o Congresso, ao aprovar a lei, traiu parcela majoritária de uma sociedade que se guia, exatamente, pela vontade da maioria.

O resultado reproduz somente as respostas dos entrevistados, 24,3% do total, que disseram conhecer o tema (tabela). Esse -porcentual indica que a história começa a ficar desbotada na memória dos brasileiros.

Nesse universo, uma maioria de 67% acha que deve haver investigação e algum tipo de punição. Desses, 22,2% esperam, além da investigação, a punição para os agentes da repressão, enquanto 20,3% dizem que não deve haver nenhuma punição.

Os números, entretanto, formam uma maioria, 36,6%, que defende algum tipo de punição. E 11,8% deles acham que não deve haver punição para ninguém; e um número muito parecido, 11,4%, propõe punição para os grupos armados de oposição à ditadura.

Pesquisa de opinião sobre a Lei da Anistia

Do porcentual das respostas surge uma consistente maioria, superior a 77%, que apoia a investigação dos crimes. Um ótimo suporte para a instalação da Comissão da Verdade.

Há um conflito forte entre aqueles que dizem conhecer o tema, em relação à punição para os grupos armados de oposição à ditadura. Juntam no mesmo saco a motivação de agentes dos crimes.

De um lado, agentes da repressão que torturaram, sequestraram e mataram mulheres e homens. Na maioria dos casos, já dominados sem condição de reagir. Do outro lado, o crime de sangue motivado por razões políticas.

A própria declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece a legitimidade dessas ações. Há, porém, mais profundidade nas páginas de Shakespeare.

No drama Júlio César, a motivação política salta da boca de Brutus, articulador e participante do assassinato do imperador: “Todos nos levantamos contra o espírito de César, e no espírito dos homens não existe sangue. César deve sangrar por causa disso (…) vamos matá-lo com coragem, mas sem cólera”.

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luiz

ilitares criticam colegas em manifesto
19 de março de 2012 | 10h 15

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MARCELO GODOY – Agência Estado

Um grupo de militares da reserva lançou um manifesto em resposta ao documento feito pelos colegas que criticava as ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Mulheres), ambas favoráveis à revogação da Lei da Anistia.

Articulado pelos capitães de mar e guerra Luiz Carlos de Souza e Fernando Santa Rosa, o documento obteve apoio de militares como o brigadeiro Rui Moreira Lima, que, aos 93 anos, tem uma história incomum. Herói da Segunda Guerra, é um dos dois únicos pilotos sobreviventes que participaram do 1.º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira (FAB). Na Itália, cumpriu 94 missões de combate e recebeu a Cruz de Combate (Brasil), a Croix de Guerre avec Palmes (França) e a Distinguished Flying Cross (EUA) por heroísmo.

Lima evita críticas ao presidente de seu clube – o da Aeronáutica -, o brigadeiro Carlos Almeida Batista. "Ele é um companheiro nobre e só deve ter assinado em solidariedade aos demais." Mas diz apoiar a Comissão da Verdade. "Ela é necessária não para punir, mas para dar satisfação ao mundo e aos brasileiros sobre atos de pessoas que, pela prática da tortura, descumpriram normas e os mais altos valores militares", diz Lima.

Lima e outros militares não concordam com a intervenção do governo nos Clubes Militares – o ministro Celso Amorim (Defesa) tentou enquadrar as entidades pelas críticas feitas à presidente Dilma Rousseff. Dizem que a reserva tem direito de se manifestar, mas nenhum deles se sente à vontade em assinar um manifesto na companhia de torturadores. "Eles citam o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra", diz o professor da Unesp Paulo Cunha, pesquisador da caserna.

Segundo o professor, muitos oficiais da reserva – e, entre eles, generais – consideram que o governo foi inábil para resolver o caso dos textos dos Clubes Militares. "Esse novo manifesto mostra que o Clube Militar não é uma entidade monolítica, que há vozes discordantes."

No novo manifesto, os capitães dizem que seus colegas da reserva não falam pelos da ativa nem mesmo por muitos dos militares que estão na reserva. Para Santa Rosa, quem está por trás do documento são "os fascistas, os saudosos da ditadura".

"Os torturadores (militares e civis), que não responderam a nenhum processo, encontram-se ?anistiados?, permaneceram em suas carreiras, e nunca precisaram requerer, administrativa ou judicialmente, o reconhecimento dessa condição, diferentemente de suas vítimas, que até hoje estão demandando junto aos tribunais para terem os seus direitos reconhecidos", afirma o documento. E acrescenta: "Onde estão os corpos dos que foram mortos pelas agressões sofridas?" As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Alexandre Bitencourt

Uma lei aprovada por um Governo e um Congresso ilegítimo não pode ser legítima. Tal lei deveria mesmo ser revogada.

Gilberto

Acho que mecher nisso não traria nada de bom…concordo com o Willian em uma de suas acertivas… É complicado usar a opinião publica apenas quando nos convém…uma parcela significativa da população é contra o direito da mulher de realizar o aborto e favorável a pena de morte. Talvez não aqui, onde os temas são mais debatidos e os leitores tem amadurecimeno sobre a discussão… mas em outros espaços a opinião é essa não ao aborto, sim a pena de morte. Obviamente isso não significa que assim deva ser

Francisco

Meus alunos me perguntam as vezes: tinha de fazer guerrilha? Não podia haver um diálogo, não podia tudo ser debatido pela via jurídica?

Agora vocês estão entendendo porque tinha de se fazer guerrilha: na elegância, no Brasil, não vai…

Punido pela tortura? Só os que a guerrilha matou. Conclusão: a guerrilha matou muito (muuuuito) pouco.

Montanha Mágica Livros

Todo e qualquer fruto jurídico de 64 é ilegítimo. Todos os atos que visavam a manutenção do regime eram ilegítimos, e as atitudes contrárias, em última análise, eram uma reação à ilegitimidade.
A Constituição de 88 e todas as leis oriundas dela são legítimas. A Lei da Anistia não pode ser revogada: ela deixou de vigorar em 1988.

LuisCPPrudente

A lei de auto-anistia que os militares assassinos e torturadores impuseram ao país em plena Ditadura Militar tem que ser revogada.

Sada Akiyama

Não houve " Do outro lado, o crime de sangue motivado por razões políticas " similar a drama Shakespeareana. Primeiro porque ditador em Roma era autoridade IMPOSTA por um periodo determinado e DESTITUIVEL pelo poder dentro de REGRAS CLARAS. O assassinato de Cesar foi no ambito do poder constituido. Não partiu de ninguem do povo.
No caso brasileiro da reação a ditadura foi claramente "resistencia" se adotarmos a mesma terminologia utilizada pelos franceses durante invasão alemã. Foi assim que pequenos grupos semi e clandestinos com infimos recursos – em relação a gigantesca estrutura de violencia do Estado Ditatorial- utilizando todos os meios de denuncia e propaganda politica, inclusive armados – brinquedos quando comparados com todo aparato belico e tecnologico contando tambem com os fornecidos pelos americanos – conseguiram o convencimento da maioria dos brasileiros para fim nominal da ditadura. Porem, se é de fato Estado Democratico de Direito , o Brasil ja teria mostrado as eminencias pardas das violencias cometidas, as empresas financiadoras da tortura , e outras aberrações , de modo que a população brasileira pudesse tirar suas proprias conclusões, se esses personagens torturadores diretos ou indiretos em algum momento tiveram arrependimento pelo suplicio caprichoso e voluntarioso produzido sobre os ja presos, ou são de natureza doentia propria do torturador, portanto satisfeitos e orgulhosos do suplicio imposto. Como 20 anos depois, ate as instituições do Estado Brasileiro se negam a esclarecer, significa que esse acordo conciliatorio descrito por Mauricio continua nos dias atuais.

pperez

Este assunto parece a Hidra de Lerna: Quanto mais debate e mobilizações, mais surpresas desagradaveis nos assustam.
Como a recente liminar da justiça libertando Sebastião Curió, que nem chegou a conhecer bem o alçapão onde iria passar a viver!

Marcio H Silva

A Lei da Anistia foi promulgada sob o regime militar, no Governo Figueiredo. Não sabemos o que se passou nos bastidores do congresso, chantagens, concessões, ameaças e etc….., Mauro santayana num artigo do JB, e reproduzido pelo PHA, comenta que na época houve um pacto, bem, só houve um pacto devido as circunstâncias e a mais marcante é que ainda estávamos sob uma ditadura, que só ia entregar o poder 6 anos depois. O que houve foi um acordo entre cavalheiros, sem consultar a opinião pública nem as vítimas da ditadura. O que não pode acontecer está acontecendo, os milicos de pijamas se rebelar e querer falar grosso, isso 27 anos depois de deixar o poder. Hoje os tempos são outros, e o Governo Federal haja com dureza e
coloque estes caras em seu lugar ou abandona o tema e esquece a comissão da verdade.
http://www.conversaafiada.com.br/politica/2012/03

Gerson Carneiro

O sequestro é um crime continuado.

Sendo revogada a lei da anistia (ou não, porque a legalidade dessa lei é discutível), e não se sabendo o paradeiro dos sequestrados, poderemos dizer que o sequestro ainda está ocorrendo?

Willian

Pesquisas de opinião, ouvir o povo, é muito bom quando o que o povo diz está de acordo com a nossa opinião. Quando a opinião do povo é contrária à nossa, é necessário fazer um trabalho para que ele seja bem esclarecido sobre a questão, para que, tendo uma boa informação, possa decidir de acordo com o que pensamos. Nas discussões sobre impostos, aborto e pena de morte o povo não é ouvido. Bem, ainda não, só quando estiver bem esclarecido sobre estes assuntos será chamado a opinar.

    Miguel

    voce nao leu, ne?

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