Maria Inês Nassif: Henrique Fontana elege financiamento público como a “joia da coroa”

Tempo de leitura: 4 min

O deputado Henrique Fontana (PT-RS), relator do projeto sobre reforma política, elegeu o financiamento público exclusivo como a “joia da coroa”, em benefício da qual ele e seu partido fizeram concessões em outras propostas que estavam na mesa. Relatório, cuja votação, prevista para o início de outubro, acabou adiada, deve ser apreciado na comissão especial da Câmara no próximo dia 9.

Maria Inês Nassif, em Carta Maior

A votação do relatório do deputado Henrique Fontana (PT-RS) ao projeto sobre reforma política, na comissão especial da Câmara, será o grande teste de viabilidade de mudanças nas regras eleitorais e partidárias. A reforma tramita no Congresso há mais de uma década e regularmente esbarra nos interesses divergentes dos parlamentares e partidos, todos eles eleitos pelas normas vigentes – e volta para a gaveta. Desta vez, o atual relator da matéria elegeu o financiamento público exclusivo como a “joia da coroa”, em benefício da qual ele e seu partido fizeram concessões em outras propostas que estavam na mesa. Pelos cálculos do relator, se o financiamento público for aprovado na Comissão, não encontrará obstáculos para aprovação pelo plenário da Câmara. “Lá nós temos maioria”, afirmou.

No PT, depois de intermináveis quartas-feiras de reuniões da bancada federal e debates no diretório nacional, o partido “flexibilizou” sua exigência de instituição do voto proporcional em listas partidárias para eleição de parlamentares (deputados e vereadores), porque acabou convencido de que o maior problema do sistema eleitoral brasileiro é, hoje, o financiamento privado de campanhas. Em primeiro lugar, porque a disputa para cargos proporcionais ou majoritários (prefeito, governador, presidente e senador), num sistema financiado pelo setor privado, acaba sendo definida pelos grandes interesses econômicos. Os maiores financiadores de campanha desenham o perfil do Legislativo brasileiro e das políticas públicas. Essa dependência do grande financiador aumenta à medida que se elevam os custos da disputa.

“Hoje estamos no pior dos mundos. As campanhas estão virando a corrida do ouro”, afirma Fontana. Segundo os cálculos feitos pelos técnicos da Comissão Especial, em 2002 foram gastos (legalmente) R$ 800 milhões, nas eleições estaduais e federal (para presidente, governadores, deputados federais, deputados estaduais e senadores). Essa cifra pulou para R$ 4,8 bilhões em 2010 e pode chegar a R$ 10 bilhões em 2014. Quanto maior o custo de uma campanha, mais remotas as chances de vitória de uma candidatura desvinculada de interesses econômicos.

Outro levantamento feito pela Comissão Especial foi o do perfil do Congresso, a partir do preço de cada candidatura. Os técnicos pegaram as candidaturas mais custosas de cada Estado, em 2006, até o número total de cadeiras da unidade federativa – por exemplo, as 70 mais caras de São Paulo, as 31 do Rio Grande do Sul, as 8 de Rondônia etc. – e concluíram que, das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, 369 foram preenchidas por força do poder econômico. “Existe uma relação cada vez mais direta entre os gastos da campanha e as eleições dos candidatos. As campanhas baratas e vitoriosas são um ponto for a da curva”, afirma Fontana.

Segundo a proposta a ser votada pela Comissão, haverá também uma distribuição mais democrática dos recursos dos fundos eleitoral e partidário. Hoje, o Fundo Partidário, o único constituído por recursos públicos, é dividido na seguinte proporção: 5% igualmente entre todos os partidos e 95% para os partidos com representação na Câmara, proporcionalmente ao número de cadeiras. O parecer do relator propõe que se aumente para 25% o total de recursos distribuídos igualmente entre os partidos.

Diante do impasse provocado pela proposta de mudança no sistema de eleições para os Legislativos, houve um recuo do PT. Fontana havia proposto o voto 100% proporcional, mas dividido da seguinte maneira: a metade eleita pelo voto na lista partidária e a outra metade, pelo voto majoritário. No cômputo geral, todavia, a ideia era a de que o partido ficasse com o número de cadeiras correspondente à sua votação, que seria considerada como a soma dos votos de seus candidatos nos distritos e nas listas partidárias. Os contrários à ideia, em especial o PSDB, acusaram o PT de estar impondo regras em que apenas ele seria beneficiado. Não existem evidências de que isso deverá ocorrer, todavia. É um consenso no PT de que o partido está em crescimento, e nessas condições seria beneficiado também pelo voto distrital defendido pelo PSDB. Fontana recuou para o modelo belga, onde é mantido o voto proporcional, mas o eleitor decide se vota no candidato ou na lista.

De qualquer forma, o fim do voto majoritário tende a ser um risco para os partidos menores – e, nessas condições, também o DEM, desidratado pelo racha do PSDB, resiste à mudança de sistema. O distrital atenderia mais aos interesses do PMDB, que também resiste em acabar com o financiamento privado de campanhas eleitorais. Os pequenos resistem ainda ao fim da coligação para as eleições proporcionais, mas nisso estão isolados dos partidos maiores. Sem coligação nas chapas para o legislativo, terão dificuldades de conseguir o quorum eleitoral e eleger seus candidatos.

O relator tende a não aceitar a ideia de que a reforma política passe por um plebiscito antes de começar a produzir efeitos. Fontana acha que esse é um assunto muito complexo para ser submetido ao eleitor, sem que ele tenha chances de conhecer as mudanças. A contraproposta é a de realizar um referendo, mas apenas depois de o sistema novo funcionar pelo menos em duas eleições.

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Comentários

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Paulo Skromov

Acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais será o maior avanço jamais registrado no sistema político eleitoral brasileiro. Esse modo de custear a caça ao voto encarece e elitiza o acesso aos cargos eletivos e deforma gravemente nosso processo democrático.
O único erro dos setores democráticos que querem acabar com essa que é a mais poderosa fonte de corrupção na política é o de crer que os parlamentares atuais (eleitos em sua maioria devido ao financiamento privado) irão aprovar essa reforma essencial, que acaba com sua base vital de renovação de mandatos.
Financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais é a grande bandeira democrática de nosso país (e de outros, como os EUA, por exemplo). Equivale, em importância estratégica para o aperfeiçoamento de nossa democracia a consigna do "abaixo a ditadura", ou a do "diretas já".
Pena que as lideranças democráticas e populares atuais já não acreditem na mobilização popular. Percebo que a classe média está confusa em sua ânsia de manifestar-se contra a corrupção. Ninguém teve paciencia para explicar-lhe que ao invés de proclamar generalidades inócuas como moralidade já! etc., que a torna manipulável pela direita, deveria assumir com centralidade essa consigna concreta do financiamento público.

sergio pinto

Financiamento público ou privado, voto em lista ou no candidato, nada disso é mais importante do que o discernimento do povo.
Nosso verdadeiro problema é sobrar telespectadores e faltar cidadãos. No dia que isso se inverter, a maior parte de nossos problemas políticos, pelo menos os relativos aos parlamentares, vai diminuir muito, se não se extinguir.
Basta dar uma olhada na composição de nossos parlamentos municipais, estaduais e federais.

Rafael

Torço para que seja aprovado o financiamento público de campanha. É um passo seguinte no amuderecimento da democracia.

Bonifa

Não é mais sequer possível, pelo mínimo de bom senso que seja, duvidar-se do financiamento público exclusivo como instrumento salvador do regime democrático. Que se abra mão de tudo, mas que se defenda este instrumento até sua instituição cabal. Terá sido então, esta, uma grande e memorável reforma política.

Roberto Locatelli

Para se avaliar se o financiamento público é bom ou não para o país, basta ver quais parlamentares estão contra: o Dem (campeão de corrupção no ranking nacional), o PSDB (veja-se o caso Alstom, merenda, Operação Castelo de Areia, e outras), e a direita em geral.

E o argumento é absurdo: "Quem rouba vai continuar a roubar". Então, querem manter o direito das construtoras, bancos e outras grandes empresas de comprar políticos legalmente.

Pelo financiamento público exclusivo de campanha, fiscalizado pela Receita Federal e Justiça Eleitoral. Chega de políticos que devem favore$ às emprsa$ amiga$!!

Ze Duarte

Só uma medida pra mamar mais ainda na grana do Estado…

Como isso irá impedir a co-existência do financiamento privado?

O que vai acontecer é mera conta de adição, não se subtração.

Incrível que ainda tenha gente que cai nessa ladainhas!!!

HMS TIRELESS

O que o ParTido não inventa para perpetuar-se no poder! Quer praticar estelionato eleitoral com o tal voto em lista fechada e agora quer que os cidadãos paguem para que eles permaneçam no poder. Voto distrital já! abaixo o voto promoção(você vota em um palhaço – Tiririca – e leva outro inteiramente de graça – Protógenes).

Silvio I

Isto em grande parte vai ajudar acabar com a corrupção. Não quer dizer que vai acabar totalmente, porque ela já esta muito enraizada, no tecido social.Também vai a ter se que ter um controle severo, para que não se fure a lei.Também tem que formar parte de essa reforma política, que quem vota em o presidente de um partido, tem que votar em os deputados e senadores do mesmo partido .Desta forma se acaba com a necessidade de fazer conchavos, para poder governar. E acabar com essas despesas fabulosas, que são a propaganda política para convencer o eleitor.

    RicardãoCarioca

    Fui convencido sobre o financiamento público pelo argumento de que ele tiraria poderia financeiro dos corruptos cercados de lobbystas e daria mais força aos mais probos, que não aceitam este tipo de cortejo. Mas, lista fechada? Nem pensar!

luiz pinheiro

Não sei se é a "jóia da coroa", mas é a medida mais importante para brecar o abuso do poder econômico nas eleições e construir uma democracia verdadeiramente cidadã.

Julio Silveira

Oxalá o Fontana consiga aprovar essa proposta. O cidadão ainda tem dificuldade em entender que uma das causas da corrupção politica é essa promiscuidade, que tem sido necessária, da captação de recursos para as campanhas vindas praticamente, exclusivamente, de doações privadas, e até pela essencia do capitalismo, não existe emprestimo gratuito vem sempre a contrapartida, geralmente em prejuizo da cidadania.

Roberto Locatelli

Caso seja aprovado o financiamento público exclusivo, isso vai dificultar basante o recebimento de "ajuda" de construtoras, bancos, etc. Não será mais tão fácil uma empresa comprar parlamentares, porque grandes quantias em dinheiro deixam rastros quando se mudam de um bolso para outro. A Receita Federal pega.

Silvio de Barros

Eu proponho fazer eleições pra deputados a cada dois anos.
A cada eleição renovaríamos metade da câmara, uma vez pelo voto no partido junto com as eleições presidenciais e outra vez pelo voto no candidato junto com as eleições municipais.
Teríamos da mesma forma dois “tipos” de deputados: uns mais voltados às questões nacionais e outros mais próximos dos eleitores da sua cidade (ou distrito! Pra quem gosta do voto distrital! Mas não é preciso criar distritos. Os deputados seriam eleitos por estados como acontece hoje e poderiam fazer campanha nas cidades que quisessem e junto aos candidatos a prefeito que quisessem).
O que mais me atrai nessa idéia é poder oxigenar a câmara com mais freqüência e poder manter o funcionamento mesmo em época de eleição, pois metade dos deputados não estaria na disputa direta. Mesmo que sumam todos de Brasília em época de eleição, parte das comissões e projetos em andamento teria a certeza de continuidade caso esteja nas mãos de um deputado que não está concorrendo.
Talvez dê mais trabalho ao governo pra recompor a cada vez a sua base, mas tornaria mais dinâmica a nossa democracia. Podendo, ao contrario, trazer mais estabilidade com a certeza de conhecer os 50% que permanecerão.
O lado negativo talvez seja o fato de que elegendo menos deputados por eleição pode tornar mais difícil a entrada de novos nomes. Isso teria que ser estudado baseado em números de ultimas eleições. Não tenho certeza, mas acho que de qualquer forma o número de deputados realmente novos não é tão grande (quando penso em “deputados novos” me vêm à cabeça Tiririca e Romário e esses certamente se elegeriam qualquer que fosse o sistema!). Podemos pensar também que tendo a oportunidade de se candidatar a cada dois anos, novos nomes podem se tornar mais viáveis. Com certeza evitaríamos deputados eleitos com meia dúzia de votos!
Eu ainda colocaria os senadores nesse esquema também, com mandato de 6 anos e renovação de apenas um por eleição, mas acho impossível aprovar qualquer coisa que signifique redução de mandato dos senadores! (Nesse ponto, seria mais fácil agradar os deputados, pois metade deles teria que ter, num primeiro momento, o mandato estendido mais dois anos.)

    Jairo_Beraldo

    Silvio, respeito, mas discordo de sua teoria. Seria mais interessante, se as eleições ocorresssem ainda de 2/2 anos, mas da seguinte forma: numa elegeríamos os componentes do legislativo (vereadores, deputados estaduais/federais e senadores) e na outra, dois anos depois, os componentes do executivo(prefeitos, governadores e presidente). Daria espaço para demonstrar a nossa insatisfação sem a forma que é hoje, ou seja, são quadrilhas formadas para agir juntos por 4 anos , e na formula que propus, não daria tempo de se formar essas quadrilhas, e teríamos como "reclamar" das ações dos políticos nas urnas.

    RicardãoCarioca

    Mas placas de políticos a cada dois anos! Nãoooo! Melhor seria uma eleição geral a cada 4 anos, de vereador a presidente. Mais de 1 bilhão de economia (esse é o custo de um processo eleitoral) a cada 4 anos.

    Roberto Locatelli

    Êpa, ficaríamos 4 anos sem dar nossa opinião através do voto? Caramba, essa "economia" nos custaria muito, muito caro.

Guanabara

O financiamento privado é a raiz de toda a corrupção de todas as esferas de governo. Acabar com isso não será fácil. Não duvido de, caso seja aprovada e sancionada, ou o TSE ou o STF vetarem aos 48 do 2º tempo dizendo "não vale", e a mamata continuar comendo solta.

E esse voto distrital… o que é o PSDB e cia mais querem é uma "democracia sem povo". Golpismo tá no DNA dessa gente.

Roberto Locatelli

Enquanto o PT se mantiver como um partido parlamentar, e não um partido de massas, terá que abrir mão de muita coisa.

O financiamento público é, realmente, vital. Mas outras propostas também são importantes. Se o PT se dispusesse a mobilizar a população para se manifestar, uma saudável pressão faria com que mais vitórias fossem conquistadas.

É hora de a CUT, MST, movimentos e sindicatos se mobilizarem para pressionar o Governo Dilma a avançar mais.

    Jairo_Beraldo

    Sua ideia é excelente, mas viu que relutam até a militancia a assim aceitar agir? Só ver a negativação do seu comentario, que não vou avaliar para ver onde chega. Mas é excelente sua colocação.

Sagarana

Ele crê que isso extinguirá os "recursos não contabilizados". Santa ingenuidade, se não for má fé…

    RicardãoCarioca

    Também penso assim. Afinal, corrupto é corrupto. No entanto, o financiamento público ajuda os candidatos mais honestos (ou menos corruptos) que não aceitam este tipo de financiamento privado.

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