Marcelo Zero: Falcatrua é atacar a soberania nacional, colocando Trump e EUA em 1º lugar, Brasil, em último

Tempo de leitura: 5 min

Falcatruas Contra a Soberania

por  Marcelo Zero

O chanceler nomeado, discípulo de Plínio Corrêa e Olavo de Carvalho, cruzado na guerra santa contra o “marxismo cultural”, anti-iluminista e admirador de Trump, afirmou, doído após as críticas que recebeu, que vai investigar as “falcatruas” da política externa altiva e ativa, conduzida por Celso Amorim.

Trata-se de reação típica dos nossos conservadores, medievais ou não.

Na falta de argumentos racionais, algo compreensível em quem rejeita o iluminismo, apela-se ao golpe baixo e sujo de acusar os adversários de corrupção.

Foi com esse neoudenismo tardio e com esse macarthismo extemporâneo que a democracia e a economia brasileiras foram para o buraco.

A luta contra a corrupção, obviamente imprescindível em qualquer pais, foi politicamente instrumentalizada para inviabilizar um projeto progressista e levar ao poder alguém que já foi descrito como neofascista.

Agora que o estrago foi feito, basta o arrependimento para lavar eventuais pecados. Já os inocentes devem apodrecer na cadeia.

Ao contrário do que apregoam as fake news e o neoudenismo de ocasião, nosso problema maior não está na corrupção da representação política, pois ela é mero efeito colateral da ligação estrutural que há entre poder econômico e poder político.

Na realidade, o Brasil tem duas grandes “corrupções” que o enfraquecem estruturalmente: a corrupção da pobreza e da desigualdade e a corrupção do entreguismo e da falta de uma soberania plena. Ambas impedem o Brasil de ser país realmente desenvolvido.

Concentremo-nos na segunda.

Celso Amorim, considerado o “melhor chanceler do mundo” pela prestigiada revista Foreign Policy, promoveu, no governo Lula, uma política externa que deu contribuição extremamente relevante para solidificar a soberania brasileira e promover os interesses do Brasil no mundo.

Tal política, que diversificou muito nossas parcerias e fez crescer extraordinariamente nossas exportações e nossos superávits comerciais, foi fundamental para a superação da vulnerabilidade externa da economia brasileira e para nos livrar da tutela do FMI.

Foi também graças a essa política que conseguimos amealhar quase US$ 380 bilhões em reservas internacionais, que são justamente as que impedem o Brasil do golpe de quebrar, tal como quebrava nos tempos do neoliberalismo da década de 1990.

O êxito de tal política não se restringiu, contudo, ao âmbito comercial e econômico. Na realidade, os ganhos mais expressivos foram político-diplomáticos.

Com efeito, naquela época o Brasil diversificou e intensificou as parcerias estratégicas com países emergentes, investiu no multilateralismo, reaproximou-se à África, empenhou-se na integração regional, com o fortalecimento do Mercosul e criação da Unasul e da Celac, e, sem abandonar as suas boas relações com países mais desenvolvidos, deu prioridade à cooperação Sul-Sul.

O resultado desse grande esforço foi o fortalecimento da nossa soberania e a grande ampliação do protagonismo mundial do Brasil.

Nunca o nosso país havia tido tanto prestígio internacional e Lula se converteu no primeiro mandatário brasileiro a ser liderança realmente mundial.

Entretanto, todo esse esforço em prol da nossa soberania está agora sendo destruído pelo governo do golpe e pelo novo governo de tintas neofascistas que lhe dá continuidade.

O novo governo, em particular, esmera-se em promover trapalhadas em política externa, além de prometer empenhar-se em entreguismo amplo e irrestrito de recursos estratégicos.

De fato, é tocante ver como a armada Bolsoleone se esforça em dar declarações e anunciar decisões que visam contrariar os interesses objetivos do Brasil e nos enfraquecer.

São verdadeiras falcatruas contra nossa soberania.

O capitão, talvez obedecendo a determinações superiores, comprou briga com a China, nosso principal parceiro comercial, com os países árabes, vitais para nossas exportações de alimentos, e com Cuba, rompendo unilateralmente com o acordo firmado com a OPAS e o governo daquela ilha e deixando sem assistência médica cerca de 30 milhões de brasileiros.

Não bastasse, Bolsonaro e seu novo chanceler, emulando seu ídolo Trump, resolveram brigar com todo o movimento ambientalista mundial, pois questionam abertamente o caráter antropogênico do efeito estufa.

O capitão prometeu até retirar o Brasil do Acordo de Paris. Já o chanceler inquisitorial diagnosticou que o aquecimento global é uma ideologia inspirada, é claro, no “marxismo cultural”.

Mereceu artigos jocosos na imprensa internacional.

Por sua vez, o superministro Paulo Guedes e a nomeada ministra da Agricultura já assestaram suas baterias contra o Mercosul, bloco de grande relevância para o Brasil. A nova ministra prometeu até retirar o Brasil do Mercosul, caso “acordos não sejam revistos”.

Trata-se de ignorância ou má-fé. Talvez ambos.

Apenas no ano passado (2017), exportamos US$ 22,6 bilhões para o Mercosul e, para a América do Sul como um todo, US$ 35, 2 bilhões.

Saliente-se que os países da América do Sul, em função de acordos comerciais com esse bloco, já fazem parte da área de livre comércio do Mercosul, mesmo aqueles que não integram o bloco como membros plenos, como os da Aliança para o Pacífico, por exemplo.

Para toda a América Latina, exportamos nada menos que US$ 43,9 bilhões, em 2017.

Pois bem, no mesmo período, exportamos apenas US$ 26, 8 bilhões para os EUA e US$ 34,9 bilhões para a União Europeia.

Desse modo, o Mercosul e a integração regional mais ampla que ele propicia são mais importantes comercialmente para o Brasil que os EUA e a União Europeia.

Mas a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a América Latina tange ao grande percentual de produtos manufaturados que exportamos para a região.

Com efeito, as exportações brasileiras para o bloco são, em cerca de 90%, de produtos industrializados, com alto valor agregado.

Na realidade, no período 2010-2014, a Associação Latino-americana de Integração (ALADI) e o Mercosul absorveram mais produtos manufaturados brasileiros que todos os países desenvolvidos somados.

Somente no ano passado (2017), exportamos US$ 20,11 bilhões de manufaturados para o Mercosul.

Contudo, a importância do Mercosul e da integração regional como um todo, que se corporifica na Unasul e na Celac, não é apenas econômica e comercial, é também política e diplomática.

A bem da verdade, o Mercosul nasceu de um ditame geopolítico.

Após a queda das ditaduras militares no Brasil e na Argentina, os novos governos democráticos (Sarney e Alfonsín) resolveram acabar com a rivalidade entre os dois países e promover o distensionamento na região, visando à conformação de um entorno pacífico, democrático e soberano.

Essa foi a grande realização do Mercosul.

Com tal distensionamento geopolítico, nossa região se tornou, de fato, mais integrada e soberana.

Unidos, nos tornamos mais fortes e prósperos. Hoje em dia, não se pode pensar no fortalecimento da soberania brasileira sem se pensar na soberania de todo nosso entorno regional.

Não obstante, o governo do golpe e o novo governo neofacista que lhe dá continuidade parecem querer jogar esse esforço integrador de décadas pelo ralo.

Almejam que o Brasil e a região voltem ao estágio em que estavam na época das ditaduras. Querem a volta da atomização e dos conflitos internos na América do Sul.

Sonham com a desintegração regional e com a integração assimétrica com países desenvolvidos. Querem a perda de soberania. Visam algo que só beneficia interesses estrangeiros.

Parecem querer até uma guerra econômica ou militar com a Venezuela, obedecendo à administração Trump.

Somando-se a isso a intenção, corroborada pela criação da Secretaria das Privatizações, de vender e desnacionalizar recursos estratégicos e as grandes empresas estatais que restam, inclusive os bancos, e temos o quadro acabado de uma enorme falcatrua contra a soberania nacional.

Uma falcatrua que irá nos transformar numa neocolônia regida por valores pré-modernistas.

America First e Brazil Last, parece ser o lema do governo desse grande logro político, que não foi debatido com a população.

Assim sendo, o novo chanceler de ideias vetustas deveria parar de querer emular Torquemada e adular Trump, e tentar aprender algo com Celso Amorim.

Um pouco de iluminismo, pragmatismo e verdadeiro patriotismo lhe faria muito bem.

Leia também: 

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Comentários

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Zé Maria

Os Metafísicos Definindo a Agenda do Desgoverno Botsonauro

Entrevista: Mônica de Bolle, direto dos EUA, via GGN

“Dá uma sensação de que tem um movimento orquestrado por trás de uma religious right, parecido com o que tem aqui nos Estados Unidos, que almeja poderes maiores do que almejavam anteriormente e até maiores do que os daqui almejam”

“Os paralelos são muito claros. A religious right, aqui nos Estados Unidos, é uma certa fauna diversa, como são os movimentos evangélicos no Brasil, mas tem um elemento de fundamentalismo cristão que une esses políticos que estão todos dentro do Partido Republicano. Essa religious right aqui consiste basicamente nesses “born again christians” [cristãos renascidos], que são os neopentecostais. Não são os protestantes tradicionais, como os luteranos ou batistas, mas os cristãos fundamentalistas. Eles estão no Partido Republicano há muito tempo, é o pessoal que tem a pauta dos costumes, adeptos do chamado movimento pró-vida e de movimentos contrários às pautas identitárias – movimentos anti-LGBT, antiminorias. O que é curioso é que o que está despontando na bancada evangélica e no futuro governo Bolsonaro é muito semelhante com esse grupo de pessoas dos Estados Unidos. É o mesmo tipo de gente com o mesmo tipo de visão, muito calcada nos costumes, nos valores, a partir de um fundamentalismo religioso, mas com um componente ideológico adicional que aqui não existe, que é a história do marxismo cultural. Tudo é marxismo cultural agora no Brasil – as pessoas não sabem o que é marxismo, mas tudo é marxismo cultural. O próprio novo chanceler brasileiro [Ernesto Araújo, nomeado por Bolsonaro para encabeçar o Ministério das Relações Exteriores] é alguém que cita a globalização como anti-humana e anticristã [Araújo opõe-se ao que chama de “globalismo”, que, em suas palavras, é “a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”].”

íntegra em:

https://t.co/yi5gF9JyFL
https://twitter.com/luisnassif/status/1066385996818857986
https://jornalggn.com.br/noticia/monica-de-bolle-evangelicos-devem-definir-a-gestao-bolsonaro

Zé Maria

Botsonauro vai assumir para patrocinar exclusivamente interesses privados locais e estrangeiros, ‘em nome de jeová’…

Roque Jones

Belo pseudônimo. O autor é um zero à esquerda mesmo. Só baboseira.

    Nelson

    Para aqueles que optam pela “cegueira intencional” e deixam seus corações e mentes embotarem-se pelo racismo, pela homofobia, pela xenofobia, pela misoginia, pela discriminação em geral e pelo culto à violência qualquer texto mais argumentativo e bem embasado é baboseira.

    O senhor Roque Jones vocifera contra o articulista, porque o texto expõe o quão obtusas, para dizer o menos, são as mentes que vão assumir o comando do país em janeiro; as mentes que vão desgovernar o Brasil, seria o melhor a escrever.

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