Luiz Armando Bagolin: “Ninguém achou absurdo o Museu do Carro, da Moda e da Canção”

Tempo de leitura: 4 min

A cultura a partir da periferia

por Luiz Armando Bagolin, na Folha (aparentemente comentando um editorial do próprio jornal)

Os 2 novos centros culturais na periferia propostos por Haddad são criticados pela Folha, mas nunca se fez objeção ao Museu da Língua ou outros no centro

Oswald de Andrade dizia que um dia a massa comeria o biscoito fino que ele fabricava. Talvez precisemos dizer hoje que comeremos o biscoito fino que a massa fabrica.

A cultura na periferia de São Paulo é muito rica, mas por vezes dificilmente acessível, pois não encontra espaço para ser exibida nem estímulos ou fomentos que possibilitem a sua recepção. Alguns não acreditam, mas há biscoito fino em Cidade Ademar, Parelheiros, Perus. Basta os tirarmos da lama do esquecimento e da cultura feita de puxadinhos.

Essa reflexão me ocorreu ao ler o editorial da Folha “Cultura na periferia” (3/11), que faz uma leitura do plano de cultura do prefeito eleito Fernando Haddad, censurando-o com uma boutade: “O que é bom não é novo, e o que é novo não é bom”.

É preciso que se diga ao leitor deste importante jornal que a elaboração do plano de cultura de Haddad resultou de inúmeras reuniões com os diversos setores culturais. Um primeiro diagnóstico, confirmado pelos depoimentos de pessoas da periferia e coincidente com o levantamento feito pela Rede Nossa São Paulo, revelou que as coisas não andam tão bem como propõe o autor do editorial, afirmando que as políticas em curso “são bem sucedidas” e “não podem ser descontinuadas”.

Tal opinião não condiz com a realidade: dos 96 distritos da cidade, 45 não têm biblioteca municipal; 59, nenhuma sala de cinema; 71 não contam com museu; 52, com sala de show ou concerto; e 54, com teatro.

Entretanto, o ponto do plano de cultura do novo prefeito que mais incomoda o autor do editorial é a proposta de construção de dois novos centros culturais na periferia. Escreve: “Antes de ceder à cultura da engenharia civil e das placas de obras, que tanto seduz governantes, o prefeito eleito ganharia se usasse um pouco mais a imaginação”.

O mesmo argumento foi usado quando a prefeitura propôs a construção dos primeiros CEUs. Segundo vários artigos da época, seriam caros e desnecessários, difíceis de serem mantidos. Hoje, são elogiados pelo autor do editorial, pois “são mais eficazes quando congregam lazer, esporte, cultura e educação”.

O mais curioso é que sou leitor assíduo da Folha há muitos anos e não me lembro de ter lido nenhuma objeção dos editores deste jornal à construção do Museu da Língua Portuguesa (que custou R$ 37 milhões) ou do ainda inacabado Museu da História de São Paulo (estimado em R$ 52 milhões), todos localizados, mais uma vez, na região central.

Ninguém achou absurdo gastar dinheiro com a construção do Museu do Carro, da Moda e da Canção, como sugeria Serra. Mas construir mais dois centros culturais na periferia de uma cidade gigante que tem apenas dois centros culturais em funcionamento parece inconcebível.

Há no plano de cultura de Haddad o projeto de readequação e ampliação de equipamentos já existentes, principalmente nos CEUs. Mas isso apenas não é suficiente.

O plano insiste na descentralização do equipamento e das atividades relacionadas à cultura, assim como na gestão partilhada com artistas. Ao mesmo tempo, faz os grandes equipamentos girarem em torno da formação e da educação (criando escolas de artes nos novos centros), em vez de só ofertar alternativas de lazer e de entretenimento.

Por fim, com quatro centros culturais em zonas distintas, eles poderão funcionar em rede, colocando a produção local em circulação.

As discussões levantadas pelo editorial são importantes, mesmo que discordantes em relação à perspectiva que defendemos. Por isso, proponho que os interessados leiam nosso plano e participem do debate. Todos são bem-vindos.

LUIZ ARMANDO BAGOLIN, 48, é professor do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo

PS do Viomundo: Notável o esforço que petistas, simpatizantes do PT ou eleitores de Fernando Haddad fazem para acreditar que a luta de classes foi abolida na Barão de Limeira. A Folha nunca acreditou nisso, tanto que fez o que fez para apoiar um regime que servia a uma determinada classe. Ou não? Alguém acredita que a Folha está mesmo preocupada com a cultura na periferia de São Paulo? Já perguntaram pelo jornal lá na Brasilândia? O horizonte intelectual dos Frias, quando se trata de cultura na periferia das metrópoles brasileiras, é descolar alguns leitores na “nova classe média”, se possível em iPads pagos com dinheiro público — tanto faz se da Dilma, do Geraldo ou do Kassab. Apesar do put down que tomaram da revista britânica Monocle, que lembrou a seus leitores que na Folha os jornalistas também são encarregados da revisão, por motivos mercadológicos o jornalão faz com seus leitores o que a Monocle fez com ela: simula ares de superioridade intelectual. Não, não é hora de debater o plano de cultura de Haddad com a Folha, nem com os leitores da Folha. O plano de Haddad foi apresentado aos eleitores e aprovado no dia das eleições. Mãos à obra, pois.

PS do Viomundo2: E se estiverem faltando ideias ao PT, vai uma no vídeo abaixo. A escola de cinema da África do Sul, que forma jovens cineastas, muitos dos quais se dedicam a fazer documentários sobre aspectos da África do Sul desconhecidos ou deturpados pela historiografia oficial do regime do apartheid. Quem sabe não aparece um jovem cineasta da periferia de São Paulo para contar toda a história da Folha?

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Comentários

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laura

Pois achei os comentários de Bagolin pertinentes. Achei ainda que propõe a discussão em aberto, não exatamente a Folha.Aqui defendo o articulista e acho bom sim ter saido na Folha.Claro que não vamos discutir com a Folha. Vamos melhor interpretar o que isso é a meu ver.
Acho que até sai na Folha pelo abaixo:
Interessante mesmo é ele estar apoiando HADDAD, pois parte do grupo a quem está ligado na área de cultura em SP e na USP em particular sempre foi ligado ao PSDB e a muitas politicas de estado do PSDN na área de cultura esteve ligado.Sempre tiveram acessos e comando .Ultimamente voltaram-se para a Periferia-também- Projeto VAI- sob a égide do PSDB. Ví que este movimento aconteceu aparentemente não só com ele, neste grupo.É isso que gostaria de entender. Há aí um movimento que chama a atenção!E, por fim, a defesa de centros culturais na periferia é oportuna.
Uma dedução é que Serra e o PSDB realmente já eram para antigos agregados e ex-apoiadores. Chama a atenção para quem conhece certos meandros das artes e cultura paulistas.Pode ser também manutenção de controle….

    laura

    Pois achei os comentários de Bagolin pertinentes. Achei ainda que propõe a discussão em aberto, não exatamente a Folha.Aqui defendo o articulista e acho bom sim ter saido na Folha.Claro que não vamos discutir com a Folha. Vamos melhor interpretar o que isso é a meu ver.
    Acho que até sai na Folha pelo abaixo:
    Interessante mesmo é ele estar apoiando HADDAD, pois parte do grupo a quem está ligado na área de cultura em SP e na USP em particular sempre foi ligado ao PSDB e a muitas politicas de estado do PSDB na área de cultura da qual controlavam os acessos.Sempre tiveram poder de decisão,comando e apoio total(divididos com outros grupos, que digladiavam-se entre sí) .Ultimamente voltaram-se para a Periferia-também- Projeto VAI- sob a égide do PSDB. Ví que este movimento de apoiar o PT nas eleições municipais aconteceu aparentemente não só com ele, neste grupo.É isso que gostaria de entender. Há aí um movimento que chama a atenção!E, por fim, a defesa de centros culturais na periferia é oportuna.
    Uma dedução possível é que Serra e o PSDB realmente já eram para antigos agregados e ex-apoiadores. Chama a atenção para quem conhece certos meandros das artes e cultura paulistas.Pode ser também manutenção de controle….

    laura

    Ah!Alguns desses grupos SEMPRE controlaram a politica cultural. Quando Chauí controlou a área de cultura na gestão Erundina, tinham seu braço PT.Quando era o PSDB eram PSDB( via Gianotti e braços vários). Chama a atenção que ninguém se dê conta.

    laura

    Por fim, o front de distribuição e controle de cargos dessas famiglias das artes e cultura já na terceira ou quarta geração(eles mesmo dizem isso)para agregados e clientela em troca de apoio – passa hoje pelos aparelhos culturais governamentais e municipais.Não tem mais outros lugares e os neo-agregados e clientela não cessam de crescer- pense nos batal~hoes de ex-alunos nas universidades paulistas.Então o front periferia é o novo front.
    A periferia será MUITO prestigiada, sim…e haverão e já há agregados oriundos da periferia também.

Notícias quentes da guerra que apavora a periferia de SP « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] José Dirceu acusa Joaquim Barbosa de “populismo jurídico” e diz que “não estamos no absolutismo real” Luiz Armando Bagolin: “Ninguém achou absurdo o Museu do Carro, da Moda e da Canção” […]

Mauricio Dias: Roberto Gurgel volta a atacar « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] José Dirceu acusa Joaquim Barbosa de “populismo jurídico” e diz que “não estamos no absolutismo real” Luiz Armando Bagolin: “Ninguém achou absurdo o Museu do Carro, da Moda e da Canção” […]

FrancoAtirador

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Ir para dentro da Folha SP para criticar a Folha SP

é arrogar para si o papel de Ombudsman da Folha SP.

Cancelar a assinatura do jornal Folha de S.Paulo,

sim, será gesto que engrandecerá a cultura popular.
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sergior

Os dois PS devem ser enviados a Lula, Dilma, François Hollande, Obama, enfim, a todos os que ganham uma eleição com um discurso e, após a posse (ou mesmo antes dela), assumem a prática e o discurso que derrotaram, traindo todos os compromissos assumidos com os eleitores.

Hans Bintje

Azenha e Conceição:

Qual de vocês escreveu o “PS do Viomundo2” desta página?

Isso vale um artigo à parte, em destaque: o que falta para a ideia deslanchar?

Estive na Santa Ifigênia recentemente. Reflexo da crise nos países desenvolvidos, os equipamentos eletrônicos para produção e consumo de mídia nunca estiveram tão baratos.

Agora é o momento. Agora é a chance para os jovens cineastas.

A janela de oportunidades se abriu, não sei por quanto tempo.

Hélcio

Assino o comentário do Fabio

Vinicius Garcia

As coisas já foram melhores para o PIG antes da internet.

roberto

Parabéns, Azenha! É reconfortante sabermos que ainda existem jornalistas isentos e com grande capacidade intelectual para, de forma clara, ajudar-nos a formarmos nossas opiniões.

Julio Silveira

O PS do viomundo foi perfeito. E é mais que uma afirmação, é uma alerta aos que costumam esquecer quem lhes deu o voto na tentativa de agradar a gregos e troianos. Quem faz isso não agrada ninguem e sequer entende o significado de democracia. Está mais que na hora do politico honrar seus dircursos ao pé da letra e saber e respeitar quem lhes elegeu.

Gerson Carneiro

E a “escola de jornalismo para jovens” da Rede Globo, naquele terreninho de R$ 11 milhões, repassado a ela, pelo Serra em março de 2010, já saiu do papel?

Mardones Ferreira

Sensacional o p.s do vi o mundo.

Quem é a Folha para que o Prefeito Haddad discuta seus plano com ela.

Leo V

Muito bom o P.S. do Viomundo.

Debater com inimigo de classe não faz sentido.

Roberto Almeida

…“são mais eficazes quando congregam lazer, esporte, cultura e educação”…

Esse lugar me lambra um tal de Ciep, que Brizola ampliou ainda mais com alimentação e saúde.

Quanto mais cultura, esporte, lazer, alimentação, saúde, liberdade, menos UPPs.

Francisco

Concordo com o comentário do Viomundo. Não se debate o que fazer com quem perdeu eleição. Se tivessem ganho não irim prestar a minima atenção, nem à oposição e muito menos aos moradores da periferia.

Se tem que debater mais algo é com o povo. Quando estourou o escândalo do mensalão, lembro de Lula vaticinar: agora é que tem que trabalhar!

O que já foi discutido, só cabe fazer e fazer muito!!!

Roberto Locatelli

Os dois PSs do Viomundo são a melhor parte deste post. Não é mais possível ser ingênuo como o autor do texto. Aliás, ele confessa que é “leitor assíduo da Folha há muitos anos”.

A luta de classes existe, como bem afirmou recentemente o bilionário estadunidense Warren Buffet. A Folha defende um lado, e não está preocupada com cultura, muito menos cultura sendo levada ao povo mais pobre.

silvia macedo

Achei a carta bem legal.Um tipo de direito de resposta feito contra o editorial da Folha.

Rasec

Nossa, Haddad que se cuide! Marta sofreu o diabo com a mídia paulistana! Era porrada todo santo dia. Nada prestava, só havia obras superfaturadas e por aí vai. Quem não lembra da Associação dos Amigos da Rebouças quando da construção do corredor de ônibus daquela avenida? Toda obra de Marta causava transtornos à população. Viu-se na gestão Serra/Kassab a reforma das calçadas da Avenida Paulista. Nesse período a mídia paulista não achou ninguém transtornado, nem isso foi objeto de matéria da Folha (o transtorno das obras, aliás, que toda grande obra pública traz, causa). Mas isso só foi pauta quando foi a Marta!
Imagine no que se refere à cultura, e ainda mais da periferia.
Os Barões da Limeira têm ojeriza!

Fabio

Olá VioMundo, sou petista e concordo em quase tudo dito. Somente o fato do esforço que os eleitores de Haddad e os petista fazem para acreditar na abolição da luta de classe. Isso não é verdade, tanto é que, creio que a grande maioria destes simpaziantes, o são assim por acreditar que o PT fará muito mais aos pobres do que qualquer outro partido. Seja o PSDB, PMDB e DEM dos ricos, ou o PSTU dos teóricos (esqueceram da praxis de Marx) oradores cercados dos muros acadêmicos!!!
Quanto a Folha e a grande mídia, creio que mais do que qualquer outro grupo de esquerda, vide PSOL que não se manifestou sobre a midiatização e espetacularização do julgamento do mensalão, o PT, ou seus militantes/simpatizantes em geral é o que se destacam na luta contra este oligopólio!
Ótima carta do professor Luiz Armando.

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