Fátima Oliveira: A BH amiga das mulheres

Tempo de leitura: 3 min

por Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO
Médica –  [email protected] @oliveirafatima_

O eixo dos debates de uma eleição municipal é a cidade que temos, a que queremos e a que sonhamos. Ou seja, temos de colocar na mesa sonhos mais focados nas questões cruciais da cidade, aquilo que emperra a cidadania. Nem mais, nem menos.

Portanto, o meu repúdio ao fundamentalismo religioso, expresso nas palavras do secretário geral da CNBB: “Aborto também deve ser tema de eleição municipal”, uma tentativa espúria de desvirtuar o sentido das eleições municipais, servindo na bandeja o que não pertence a nenhuma religião: os corpos e as vidas das mulheres. Querer impor tal pauta tem nome: é desprezo por gente concreta, “nascida”, aviltamento da cidadania. “Xô, tirem seus rosários dos nossos ovários!”.

É hora de revisitar a cidade que temos, indagar por que “ela é assim e não assada”, pois cidade não é apenas um território, mas o conjunto de bens públicos disponíveis – equipamentos educacionais, como berçários, creches e escolas de diferentes níveis; serviços de saúde, de transporte e de mobilidade de modo geral; de segurança; e de lazer. Isto é, um conjunto de bens materiais e imateriais que traduzem direitos de cidadania.

O que temos é suficiente para todos? É de boa qualidade? Neles gente recebe tratamento que não degrada a dignidade humana? Atende às necessidades imediatas e não desconsidera as necessidades estratégicas de gênero? É uma cidade inclusiva ou excludente para as mulheres, enquanto usuárias e elaboradoras de projetos urbanos? Tais questões podem parecer supérfluas, já que historicamente as cidades não são pensadas para as mulheres, como se todas estivessem encerradas nos gineceus das casas dos ricos da Grécia antiga e andassem de palanquim.

São aspectos de uma velha questão, a exclusão das mulheres das cidades, e conformam o debate contemporâneo sobre uma nova filosofia para as cidades, de planificação e planejamento territorial, em que o recorte e a dimensão de gênero sejam indispensáveis para garantir o direito das mulheres à cidade a partir do horizonte que “pensar e remodelar a cidade através do olhar das mulheres aporta um novo equilíbrio e uma outra dimensão”. Isso consta na “Carta europeia das mulheres na cidade – Rumo ao direito à cidade para as mulheres”, um conjunto de proposições sobre a cidade, a cidadania e o gênero, “uma nova malha de leituras da cidade”, que explicita que o cotidiano de mulheres e o de homens possuem necessidades diferentes às quais cabe ao poder público municipal responder.

Para o urbanista norte-americano Mike Davis, autor de “Planeta Favela”, “é preciso priorizar a abundância pública, não a riqueza privada. Para ele, a abundância pública é representada por grandes parques urbanos, museus gratuitos, bibliotecas e inúmeras possibilidades de interação humana”, logo, “a prioridade é construir complexos culturais, educacionais e esportivos que funcionem como centros cívicos para bairros e distritos suburbanos, mesmo que para isso seja preciso suspender os investimentos no centro da cidade, e as maravilhas do centro devem se tornar mais acessíveis para todos, por meio de passagens mais baratas e entradas gratuitas”.

Na hora de escolher o novo prefeito de Belo Horizonte, é importante lembrar que a cidade precisa de um cuidador com olhos voltados para a cidadania – mais para quem precisa mais! – e comprometido com a abundância pública vincada por uma dimensão de gênero capaz de fazer de BH uma cidade amiga das mulheres.

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Comentários

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Álvares de Souza

Quando as Fátimas Oliveira se multiplicarem Brasil afora, o mundo certamente será muito melhor.

Willian

Pô, o PT não quis que o aborto fosse tema de eleições FEDERAIS, imagina MUNICIPAIS. Fugiu antes e vai fugir agora para não perder votos. Mania do povo brasileiro de ser reacionário! Tema bom pro PT só aqueles em que ele possa desancar tucanos.

Zélia Ferreira

A crônica é interesssante. Esse assunto da exclusão das mulheres na cidade é muito esquecido pelos candidatos. E precisa ser mesmo lembrado.

Alberto

Dra. Fátima, um artigo muito bem escrito e com o qual aprendi muito. A “Carta europeia das mulheres na cidade – Rumo ao direito à cidade para as mulheres” deveria ser mais divulgada.
Patrus vai voltar como prefeito, o povo de Belo Horizonte precisa e vai votar nele. Chega de prefeito soldado do choque de gestão.

Taiguara

Por falar em BH e mulheres…Para exacerbar o desassossego da antiga turma barra-pesada do antigo PL ( Palácio da Liberdade), principalmente do Sr. Mares Guia, o irrequieto espírito da modelo do Apart Hotel retoma o ruidoso arrastar de correntes. Agora, pelos corredores da Neveslândia onde a ressonância é ainda mais contundente e a materializa como uma potente composição análoga a nitroglicerina pura. Não é mesmo, Aócio? Taí, Geraldo…uma boa pauta. O PERIGO MORA EM MINAS. E, pior, dirige bêbado

Caetana

Um texto muito bom. Uma traulitada na CNBB que fez por onde merecer. Um absurdo querer roubar a cena das discussões sobre os problemas da cidade querendo enfiar o aborto nas eleições municipais. A Igreja católica adora ser fetófila e odeia as mulheres. Seria muito bom se as candidaturas assumissem a “Carta europeia das mulheres na cidade – Rumo ao direito à cidade para as mulheres”. Pouco se fala sobre a exclusão das mulheres das cidades, mas é fato que elas não são nada amigáveis para com as mulheres, sobretudo com as que têm crianças. Mas é um debate ainda muito fraco por aqui. Mas precisa ser feito, vejamos o exemplo dos parques quando existem, não há trocador de fraldas, o que é quase uma proibição para quem tem beb~e se arriscar por lá.

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