Emiliano José: Temos o que ensinar à Europa

Tempo de leitura: 3 min

por Emiliano José, em A Tarde

Uma viagem à Itália, como a que realizei recentemente para começar as filmagens de documentário sobre o padre Renzo Rossi, permite, nem que precariamente, perceber o clima de desesperança que toma conta da Europa atual. Há um descrédito profundo na política – e este não é um problema exclusivamente europeu. E há, também, um sentimento de perplexidade diante da crise econômica, que subsiste há alguns anos. Esse olhar atônito diante do cenário atual atinge em cheio as esquerdas européias, que apesar das vitórias recentes das eleições presidenciais francesas e municipais na Itália não sabem o apresentar como alternativa ao neoliberalismo.

Participei de um debate em Florença – essa cidade-símbolo do Ocidente, berço da Renascença e dos maiores pensadores e artistas do século XV. Vários dos participantes, depois de uma breve fala minha, me agradeciam e eu, no princípio, não entendia bem por quê. Entendi depois, quando Mauro Perini, por três vezes prefeito de Pontassieve, cidade próxima a Florença, me disse que tais agradecimentos decorriam principalmente do fato de eu ter dito que a política era a mais nobre das atividades humanas.

O período Berlusconi, de triste memória, lamentavelmente deixou uma herança profundamente negativa. O desalento com a política talvez seja uma das marcas mais fortes dessa herança. Uma moça me agradeceu por falar em esperança e por revelar um Brasil que recusa a submissão ao neoliberalismo e que se tornou um protagonista efetivo da cena mundial. A Itália não vive um momento que justifique ter qualquer esperança, chegou a dizer. Disse-lhe, ao responder, que a esperança é tão mais necessária quanto mais difíceis sejam as condições políticas.

Enquanto ouvia as perguntas e olhava o auditório, com algumas poucas dezenas de pessoas, refletia sobre o que fora o Círculo Vie Nuove, no bairro Gavinana, de história ligada aos comunistas. Era o principal centro de mobilização política de Florença. O mais dinâmico. Agora, luta para recuperar a confiança na política. Curioso ver a Europa – ou ao menos a esquerda européia – querer saber o que ocorre no Sul do mundo. Perguntava-me, e disse no debate, se seria uma condenação ter que adotar o mesmo receituário de antes para enfrentar a crise que é, afinal, o que está acontecendo. O capital financeiro há de continuar a ditar os rumos da política? A tragédia grega talvez simbolize na sua forma mais dramática o que ocorre no Continente.

Cheguei a ouvir de um metalúrgico de Prato, município industrial vizinho de Florença, que não havia outro jeito. Que a Grécia tinha que se submeter aos ditames dos países mais importantes, o que quer dizer seguir as diretrizes do capital financeiro. Se isso não acontecesse, a Europa toda seria penalizada. E por Grécia, claro, leia-se na verdade os trabalhadores, que tiveram o salário mínimo reduzido à metade, isso para dar um exemplo de como, de fato, se penaliza com rigor os de baixo, fazendo com que tenham de pagar a conta da irresponsabilidade da banca financeira. Sempre apropriação dos lucros, socialização dos prejuízos.

Devemos muito à Europa. O pensamento iluminista, a Revolução Francesa, o marxismo, tudo isso nos iluminou sempre. A Itália foi berço da grande experiência de um partido comunista de massas – o PCI – que produziu lideranças do porte de um Gramsci, Togliatti, Berlinguer. Foi da Alemanha que vieram as luzes de um Marx. Quando, no Círculo Vie Nuove, me perguntaram sobre o que devia fazer a esquerda européia, pensei muito, pois, afinal, é muito difícil apontar caminhos a outros povos.

Ousei, no entanto, dizer que considerava um equívoco político grave entregar os destinos do Continente aos banqueiros. E que nós, do Sul, especialmente da América Latina, que passamos séculos nos mirando na Europa, estávamos seguindo outro caminho, combinando crescimento econômico e distribuição de renda. Seria bom que o velho Continente, agora, olhasse para essas experiências, e recolhesse delas a idéia central de que a política pode fazer milagres, e tem condições de não se dobrar de modo tão obsceno à exclusiva lógica do capital financeiro.

Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA)

Leia também:

Mark Weisbrot: Apostando na crise para justificar a ditadura dos bancos

Jair de Souza: Documentário Catastroika em português



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Comentários

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Jose Carlos Medida

Li há pouco um comentário de uma leitora em outro blog que dizia uma frase lapidar:”Vamos acordar! O problema é que tivemos uma ascensão social despolitizada”. Pois é, como poderemos ter a segurança de um cíclo político progressista efetivo, se para assegurar a tal governabilidade o estado é refém de um poder legislativo conservador, logo, pouco ou nada progressista, que bloqueia qualquer gesto político na direção de nossa redenção do jugo secular de forças reacionárias que querem manter o povo, isto é os eleitores, despolitizados e vulneráveis a ação de maus políticos, maus elementos da sociedade, interessados apenas em usar os seus mandatos para se locupletarem e nunca para a redenção do nosso povo na direção de um país mais justo ou menos injusto. Que possamos então acordar e mudar, nem que as mudanças venha para as gerações que virão, mas que possamos fazer algo novo, acordando antes, é claro, deste transe, letargia, preguiça mesmo, que atende pelo nome de desmobilização política.

Flávio Aguiar: O fantasma da crise bate à porta « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Emiliano José: Temos o que ensinar à Europa […]

Wandson

Não é fácil quebrar este circulo cecular dos nossos governantes e banqueiros egoistas e ganâciosos, porém um dia tinhamos que começar e vamos sim chegar ao pleno estado social, com distrinuição de riquezas e conhecimentos, neste caso estamos caminhando para isso, as bancas tentam impor suas regras: lucros meu, prejuizos nossos…

Daniel

Ele quis dizer que não dependemos dos bancos?
Bem feito para mim, só pelo título bobo nem deveria ter perdido meu tempo lendo a matéria.

Mardones Ferreira

Acho que faltou um pouco mais de, digamos, generosidade ao Emiliano José ao aconselhar os frustrados italianos presentes ao encontro que ele relatou. Ou talvez um pouco mais de conhecimento sobre o futuro que os banqueiros desejam imprimir à Europa, com os bancos tendo a opção de recorrerem a um fundo de resgaste em casos de prejuízos nos seus jogos se risco.

Artigos como o do Mark Weisbrot: Apostando na crise para justificar a ditadura dos bancos, ajudaria o Emiliano a aconselhar algo necessário não apenas à Europa, mas ao mundo:

REGULAMENTAÇÃO DAS FINANÇAS GLOBAIS!!!!

Que o diga gente como Stiglitz, por exemplo. Apenas para citar um profundo conhecedor do mundo das finanças globais. Mas, infelizmente, o Emiliano não pode aconselhar melhor os italianos, pois a solução política do PT foi suportar as taxas criminosas cobradas pelos bancos no Brasil, as margens obscenas cobradas pelas empresas dos outros setores da economia, com destaque para as empresas de telefonia e as montadoras que vivem recebendo benefícios dos governos desde o Sarney.

Acho, no mínimo, ridículo querer servir de exemplo quando ainda convivemos com gravíssimos problemas que a solução política adotada pelo PT resolveu não enfrentar ao adotar o famigerado pacto pela governabilidade.

Crescimento com distribuição de renda, tem significado no Brasil a manutenção de todos os privilégios da burguesia nacional aliado a todas os benefícios às multinacionais aqui alojadas.

Não creio em política sem objetivos e consequências práticas para o bem da maioria da população. E essa política o PT abriu mão. Aliás, viver de venda de commoditie agro-mineral dependente, sobretudo do crescimento da China não é lição de política para Europeus.

Roberto Locatelli

O que está a ocorrer na Europa é, em parte, resultado do que ocorre na América do Sul. Explico: quando nossos bandeirantes desistiram de capturar índios para escravizá-los – pois eles não se deixavam capturar – o Brasil colônia decidiu trazer escravos da África. Da mesma forma agora, o capital financeiro precisa de países que se deixem dobrar para manter seus lucros estratosféricos. Está difícil achar países assim aqui na América do Sul. Nossos governos de centro-esquerda não aceitam submissão à receita envenenada do FMI. Mesmo Dilma, uma governante mais de centro do que de esquerda, está forçando os banqueiros nativos a baixarem seus juros. Assim, o vampirismo dos especuladores se volta para países europeus, cujos governos são bem mais afeitos a submissão aos banqueiros.

Porém, os últimos resultados das eleições na Grécia, na França e na Alemanha (neste caso, eleições regionais) mostra que a facilidade de dobrar a Europa pode ser temporária.

Silvio I

Brasil poderia ter avançado mais. Mais tem um breque em um congresso, em uma elite e uma mídia que não o deixa decolar.Acredito que os gregos não vão a aceitar mais ser desplumados ate a última pena.Eles não vão a aceitar o veneno servido pelos banqueiros encabeçados pelo FMI.De esse remédio amargo nos já provamos.Agora se ló estão dando a Europa.

francisco pereira neto

A Itália é um país vigoroso, com grandes indústrias de transformação, centros de tecnologias avançadas, cultura, história, gastronomia. É um país pujante que não pode se dar ao “luxo” de baixar a guarda e aceitar o neoliberalismo nefasto que vem assolando sua economia e de outros países da Europa. A Espanha pelo contrário,não tem muito o que fazer e não pode se igualar a Itália. O reizinho deles esteve hoje no Palácio do Planalto com o pires nãos mãos. Mas eles não tem nada a ofercer se não a combalida Telefonica e o quebrado Santander. O que eles nos tem a oferecer? Só azeite de oliva. A Itália não. Os nossos irmãos italianos tem a Fiat, Pirelli, grandes empresas do ramo do agronegócios, do ramo farmacêutico, de química fina, aeronáutica etc.
Vamos Itália. Venha se aliar ao Brasil. Os laços conosco são históricos. É a hora de voces pensarem no Brasil novamente.

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