Edward Luce: Obama e o tom de falsa intimidade do Facebook

Tempo de leitura: 4 min

O presidente-Facebook precisa de novos amigos

Edward Luce, no Financial Times, em 20.05.2012

Esperança, mudança, amigos. Num certo momento, nos últimos anos, Barack Obama e o Facebook passaram a se confundir na imaginação das pessoas. A campanha de Obama em 2008 não apenas demonstrou o potencial do Facebook como ferramenta eleitoral, também contratou Chris Hughes — um co-fundador do Facebook — para fazer o trabalho.

O sr. Hughes é um doador da campanha de Obama em 2012. Sheryl Sandberg, a principal executiva do Facebook, que recentemente promoveu um jantar para arrecadar fundos para Obama em sua casa, também. Mark Zuckerberg, o principal fundador da companhia, é um dos três inventores norte-americanos citados pelo sr. Obama quando ele elogia a inovação nos Estados Unidos — sendo os outros dois Thomas Edison e Bill Gates.

Da mesma forma que a Halliburton era a expressão do governo Bush, o Facebook captura o zeitgeist do governo Obama. Não é surpresa que o recém-listado Facebook [na bolsa de valores] enfrenta as mesmas expectativas exageradas com as quais o sr. Obama assumiu o governo. Pode ser muito tarde para o Facebook aprender com o sr. Obama e desde que a companhia foi avaliada em 104 bilhões de dólares tem tantas razões quanto este número para não se preocupar.

Mas não é tarde para que o sr. Obama transcenda os valores do marketing social que parecem caracterizar a sua campanha de reeleição. O vocabulário da campanha é indistinguível do vocabulário do Facebook. No lançamento das ações da empresa, o sr. Zuckerberg prometeu encontrar formas de permitir aos anunciantes que “participem da conversação” com os usuários do Facebook. Alguns dizem que isso vai significar alguma nova forma de espionagem.

A campanha de Obama também tem a mania de propor “conversações”. Seja num e-mail de Michelle Obama pedindo a você que “surpreenda” o marido dela no aniversário, com uma doação de campanha, ou na rifa de 3 dólares cujo ganhador vai jantar com Barack e Joe [o vice-presidente], os laços de ternura da campanha de Obama em 2012 geralmente combinam com o tom de falsa intimidade do Facebook.

Existem muitos céticos quanto à avaliação recordista do Facebook. [Nota do Viomundo: a bolsa que o diga, com o valor das ações caindo abaixo da oferta inicial]. Dada a incerteza legal sobre quanto — ou o que — o Facebook será capaz de colher a partir de nossas informações pessoais, os céticos se perguntam se o preço de lançamento das ações vai justificar a propaganda exagerada. O Facebook poderá justificar a exuberância ao se tornar uma plataforma que ofereça e-mail, buscas, contatos pessoais e entretenimento — como espera fazer. Ou se tornará uma decepção.

A avaliação inicial do sr. Obama tem paralelos com isso. Depois de se vender como o homem que transcenderia o cinismo de Washington, a marca Obama rapidamente ficou maculada. Uma coisa era prometer e fracassar no fechamento de Guantánamo. Outra, produzir uma racionalização para a detenção indefinida sem julgamento. Ou a promessa de enfrentar os lobistas, que nunca se deram tão bem. Ou o fato de que o sr. Obama processou mais gente por vazamentos sob a Lei da Espionagem que todos os presidentes anteriores. E assim por diante.

Como a maior parte dos bem sucedidos produtos de tecnologia, o sr. Obama permanece prisioneiro das mesmas vozes com as quais assegurou seu sucesso inicial. Mas, ao contrário do Facebook e do Google, ele agora tem a oportunidade de começar de novo.  Deveria começar rompendo com a visão marqueteira de mundo na qual ele se aprisionou.

Isso exigiria uma reavaliação do que o levou ao poder em 2008. Um amigo e consultor da Casa Branca descreve os erros do governo da seguinte forma: “Eles navegaram muito bem a onda [anti-George W. Bush] em 2008, mas não a inventaram. Eles ainda acham que a inventaram”. A onda já sumiu. Mas a crença — e a complacência diante das limitações de Mitt Romney [o candidato republicano] como opositor — ainda são fortes.

A taxa de aprovação do sr. Obama permanece presa bem abaixo dos 50% e eleitores dizem que acreditam no oponente mais que em Obama, quando se trata da economia. Não é surpreendente considerando que campanhas de reeleição se tornam normalmente referendos sobre quem está no poder. A maioria dos norte-americanos consistentemente acredita que os filhos não terão um futuro melhor que os pais. Mas a crença em instituições públicas, que atingiu um pico histórico quando o sr. Obama assumiu o poder, não diminuiu. Os números do sr. Obama nas pesquisas ecoam o ceticismo sobre o Facebook: na semana passada, 59% dos norte-americanos disseram que não acreditam que o Facebook vá proteger sua privacidade.

O sr. Zuckerberg terá de encontrar novas formas de garimpar informações sobre seus 901 milhões de clientes. O sr. Obama está atacando sua base de clientes com o mesmo objetivo. Em contraste com 2008, a campanha de reeleição aposta que a vitória este ano se dará pela mobilização, não pela persuasão. A prioridade de Obama é apaziguar os elementos ofendidos da base democrata, como os hispânicos, os sindicatos, os jovens e os gays — e, presumivelmente, em algum momento, os ambientalistas.

Algumas vezes o microgerenciamento funciona. Convocar a base, com uma boa dose de assassinato de caráter no meio, foi como o sr. Bush derrotou John Kerry em 2004. Pode funcionar para o sr. Obama em 2012 — e obviamente ajudaria se ele conseguisse definir o sr. Romney como um vendedor de bens sem coração. [Nota do Viomundo: Romney trabalhou numa empresa que comprava companhias em dificuldades, demitia os empregados e vendia os bens]. Mas isso não garante um mandato para governar. Vejam como o oxigênio acabou logo para o segundo mandato do sr. Bush. Também é um substituto pobre para uma “conversação”(desculpem)  genuína sobre os difíceis desafios enfrentados pelos Estados Unidos.

Em 2008, o sr. Obama usou o tempo todo o lema “Mudança na qual você pode acreditar”. Em 2012 a marca Obama já não desperta a excitação de um produto recém-lançado. As pessoas estão cínicas. O presidente precisa convencê-las de que ele governa uma empresa viável, que sabe para onde vai e que terá boa performance. A mais recente tentativa de Obama de criar um slogan eleitoral — talvez passageiro — é o “Adiante”. Para o que, exatamente, não fica claro.

PS do Viomundo: Não há João Santana que substitua coragem na política. Coragem das convicções que não dure até a próxima pesquisa ou um “dislike” no Facebook.

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Comentários

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Ari

Não entendi a relação entre “Bill Gates” e “inovação”. Onde ele inventou ou inovou? O MS-DOS foi um sistema comprado. Originalmente era o QDOS (Quick and Dirty Operating System), que por sua vez era uma cópia do CP/M, sistema muito popular na época. O Windows surgiu como uma implementação de uma interface gráfica sobre o DOS, para concorrer com o Macintosh, da Apple, este sim o primeiro computador para as massas com interface gráfica – uma inovação que havia surgido nos anos 70, nos laboratórios da Xerox.

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