Dr. Rosinha: A filha do general Ríos Montt

Tempo de leitura: 3 min
Efraín Rios Montt foi ditador da Guatemala no período 1982-1983, um dos mais sangrentos da história do país e da América Latina

General Ríos Montt é acusado de vários crimes, entre os quais genocídio. Foto: Anistia Internacional

La hija del hombre

por Dr. Rosinha, especial para o Viomundo

Não tenho fresco na memória o mês e o ano, mas creio que foi março de 2004. Tenho fresco o local: Ciudad de Puebla, no México. Como também tenho fresco o fato, pois é impossível esquecê-lo.

Em Puebla ocorreu um encontro entre parlamentares europeus e latino-americanos. No dia da abertura houve um coquetel e nele um senador da Argentina me apresentou uma deputada guatemalteca. Imediatamente, após a formalidade da apresentação, me apressei a demonstrar que conhecia um pouco da história política da Guatemala e sem mais nem menos emendei: “Ah!, você é da Guatemala do sanguinário, torturador e assassino general Ríos Montt”.

Assim que terminei a frase o senador argentino se pôs nervoso e a deputada da Guatemala me respondeu: “Isto quem diz é a imprensa”. De imediato, respondi: “Sim, a imprensa e a Prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchu”. Rigoberta havia ganhado o Nobel da Paz entre outras coisas por denunciar Ríos Montt.

Neste momento o senador estava mais nervoso que a deputada, e me chamou de lado: “Es la hija del hombre [é a filha do homem]”, disse. Bem, tudo que tinha que ser dito já estava dito e não há como engolir frases ditas. Poderia ocasionar um problema diplomático, mas a essas alturas nada mais restava a não ser confirmar o que tinha dito: “Esta é a verdade que sei”, disse-lhe, e encerramos o diálogo.

Conto esta história porque desde o dia 29 de janeiro deste ano, Efraín Ríos Montt está sentado no banco dos réus, acusado de inúmeros crimes, entre os quais genocídio. Sentou-se dia 29, mas foram longos anos de luta, cobrança e clamor por justiça, envolvendo centenas de militantes e defensores dos direitos humanos da Guatemala e do mundo.

A Justiça da Guatemala, neste dia, deu um passo importante e histórico contra a impunidade de quatro décadas. Dois dias depois, em 31 de janeiro, o juiz guatemalteco Miguel Ángel Gálvez confirmou a abertura da coleta de provas contra o ex-ditador.

Além da acusação contra Ríos Montt, a Justiça da Guatemala acusa também o seu chefe de inteligência militar dos anos 80, o ex-general Mauricio Rodríguez Sánchez. Ambos pelo assassinato de 1.770 indígenas Maya Ixile no Departamento do Quiché, região norte do país. A Guatemala viveu uma Guerra de Guerrilha de 1960 a 1996, cujo resultado foram mais de 200 mil vítimas entre mortos e desaparecidos.

Ríos Montt, general e político, durante a sua ditadura era um católico apostólico romano, vindo posteriormente a converter-se em pastor da conservadora igreja Verbo Divino. Talvez pensasse que a mudança de religião lhe permitiria o perdão e assim salvaria sua alma, se é que a tem, tão desalmado foi com seu povo.

Em seu “governo cristão”, Ríos Montt e seu braço direito, Mauricio Rodríguez Sánchez, praticaram a política de terra arrasada, com massacres de campesinos de origem indígena, prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos, ou seja, um verdadeiro genocídio. Até hoje familiares buscam pelos seus mortos e desaparecidos.

Em todas as sociedades que passaram por ditaduras não há reconciliação sem justiça. No caso da Guatemala, como em muitos outros países, a justiça só existirá se ocorrer mobilização internacional. A democracia guatemalteca é frágil e Ríos Montt, seus seguidores e sua família, inclusive “la hija del ombre”, mantém ainda poder político.

O que será que “la hija” comentou entre os seus sobre o nosso diálogo naquela ocasião em Puebla? Será que, como eu, neste momento em que seu pai está no banco dos réus, lembra e comenta isso?

Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR). No twitter: @DrRosinha

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Comentários

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Dr. Rosinha: À espera do julgamento do ditador « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] mais precisamente em 22 de fevereiro, o Viomundo publicou um artigo de minha autoria intitulado “A filha do General Ríos Montt”. Nele, contava o meu “desastroso” encontro com a filha do general, e informava que […]

augusto2

E ficamos sabendo agora, pelo wikileaks da, vejamos:
prévia,
secreta,
tete-a-tete com Obama

e concomitante atuaçao do torquemada Ratzinger, atraves de seu preposto purpurado para derrubar o governo de Zelaya em Honduras. E depois que conseguiram agora defende que nao foi golpe.
E Sua Diabolicidade o papa agora assiste a dezenas de assassinatos de jornalistas, lideres de trabalhadores e ativistas pro zelaya, mês após mês em honduras. Serie iniciada semanas após o golpe gringo.pontificio.ruralista na america central.
Nao Sabemos ainda quando vai ser processo de canonizaçao no novo santo, Sao Porfirio Lobo na santa Sé.

Marat

Guatemala, Nicarágua, Honduras, Belize, México, Colômbia, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Brasil, Argentina, Equador et al…, ou seja, o quintal dos EEUU, dos banqueiros, dos financistas, dos donos de laboratórios médicos, dos vendedores de armas, dos mafiosos, de todo o elo que sustenta esse torpe capitalismo!

renato

É triste você ouvir, que seres humanos, envoltos
a um pensamento , reunam-se para articular ideias
de extermínio, sem fazer seus espíritos passarem
pela caridade, ao amor ao próximo, ao extermínio
do ódio em seus corações.
Ao temor a Deus ou a Vida.
Realmente o PODER corrompe, e se instala nos corações.
E é danoso, pois expande-se e traz dor a uma socieade
inteira. Andamos por aí como Zumbis carregando as chagas
dos antepassados da nossa comunidade.
Só a Justiça Realmente trará a cura para isto.
Só a Justiça fará com que nossos filhos compreendam
que o resto da sociedade, não aceitou, não aceita e daí
não aceitará novos desrespeitos a VIDA HUMANA. A VIDA em si.

Mardones

“Em todas as sociedades que passaram por ditaduras não há reconciliação sem justiça.

No caso da Guatemala, como em muitos outros países, a justiça só existirá se ocorrer mobilização internacional.

A democracia guatemalteca é frágil (como em muitos outros países) e Ríos Montt, seus seguidores e sua família, inclusive “la hija del ombre”, mantém ainda poder político.”

carlos-fort-ce

deve ser, urbano, monte de excrementos … só pode.
a propósito da guatemala, seu governo continua capacho do império, tendo até tropas militares no iraque por isso duvido da punição desse gorila ex-ditador de seu povo.
abçs

Urbano

Mesmo sabendo vou perguntar: o ríos é montt de quê?

CassiaVF

Quem quiser saber muito mais sobre o assunto,é imprescindível assistir o ótimo documentário “Granito” de Pamela Yates,cujo material inclusive foi utilizado no julgamento do ditador.
Assisti-o no festival de documentários “É tudo Verdade” de 2011, com a presença simpática e generosa da cineasta,no debate que aconteceu em seguida.

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