Adrián Fanjul: USP após os duros tapas que o poder vem sentindo

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Capas do Destaques 56, março de 2012, e do Destaques 77, julho de 2013

A cena depois das pancadas

por Adrián Pablo Fanjul, especial para o Viomundo

Mudará, finalmente, o modo de eleição de reitor e diretores na USP? Deixará de ser a única universidade brasileira onde a maioria, inclusive dos professores, não é sequer chamado a opinar em uma consulta prévia?

Toda a comunidade universitária foi surpreendida, no dia 10 de julho passado, por uma edição do boletim político da reitoria (USP Destaques) na qual se anuncia essa possibilidade, logo uma semana depois de uma sessão do Conselho Universitário em que vários de nós, representantes, nos referimos à urgente necessidade dessa mudança, já que é iminente um novo processo eleitoral.

Apesar de, durante a sessão, ter sido protocolado um pedido de que o item entrasse em pauta, assinado por mais de 20% do Conselho, a reitoria não disse uma palavra a respeito na sessão toda, o que reforça, agora, a sensação de surpresa.

No novíssimo boletim, o reitor afirma que sempre foi de seu interesse promover mudanças no modo de eleição dos dirigentes, e refere inclusive sessões não deliberativas do Conselho Universitário que abordaram essa temática até meados do ano passado. Mas o abandono do tema até esta inesperada ressurreição no limite dos prazos tinha feito com que todo mundo pensasse que o poder promovia uma continuidade de procedimentos ou, em algumas hipóteses, até de pessoas.  Por isso o espanto e a sensação de que há algo de estranho.

O título desse boletim da reitoria, número 77 do USP Destaques, é Democracia. Encontramos notável semelhança com o título do número 56, como veremos, de triste memória, publicado em março de 2012: A democracia na USP. A recorrência do tópico em tão pouco tempo e na mesma gestão convida a comparar os dois “Destaques”, que é o que aqui faremos.

Dos muitos lados pelos quais essa comparação poderia acontecer, motivaram-nos aspectos da configuração enunciativa e da discursividade, seguramente por corresponderem a nosso campo de reflexão e pesquisa, embora ela se desenvolva atualmente sobre outros objetos.

Mas aqui nosso objetivo é apenas contribuir, deste lugar, para uma avaliação no plano político que interesse aos movimentos democratizadores, na USP e em torno dela, pelo qual também seremos econômicos na terminologia especializada e, tentando não cair no reducionismo, cooperativos no modo de exposição.

Destacamos que não escrevemos de um lugar politicamente neutro. Muito pelo contrário, orgulhamo-nos de ter participado da oposição a esta reitoria caracterizada pelas práticas mais totalitárias, prepotentes e violentas que já conhecemos por parte de alguma administração da Universidade, e de ter assumido publicamente essa postura inclusive durante o apogeu populista da sua gestão.

O recente USP Destaques tem a forma de uma carta do reitor à comunidade, na qual ele anuncia a abertura de um processo de consulta às congregações e de discussão virtual sobre o modo de eleição dos dirigentes da Universidade.

Aquele outro, de março de 2012, era uma reação em resposta ao Manifesto pela Democratização da USP, documento originado como contestação contra a possibilidade de a reitoria Rodas inaugurar um monumento aos uspianos perseguidos pela ditadura militar.

Assinado por vítimas e por familiares de vítimas uspianas do terrorismo de estado e por mais de 200 professores da Universidade, o manifesto expunha a inadequação de que essa necessária homenagem fosse prestada por uma reitoria com práticas antidemocráticas.

Assim, o USP Destaques 56 era a réplica da reitoria contra aquele gesto de resistência e, de fato, contra os diversos movimentos que tinham protestado na USP entre final de 2011 e começo de 2012, quando aconteceu a maior mobilização estudantil da última década, contra o acordo da Universidade com a Polícia Militar.

O boletim da reitoria desqualificava, ainda, o conjunto das entidades de docentes, estudantes e funcionários. Sustentava que a democracia na USP estava em pleno funcionamento, justificava todas as medidas sobre as quais a reitoria e o grupo político dirigente da USP eram questionados e resultava, como veremos, fortemente ameaçador. Ganhou, por sua vez, uma resposta assinada pelo DCE e pelas entidades sindicais.

Na nossa comparação entre esses dois textos produzidos pela direção da USP com o tópico central “democracia”, vamos focalizar alguns aspectos pontuais do funcionamento discursivo como sintomas do que já não pode ser igual para as relações de forças, para os agentes e para os pressupostos que sustentam os discursos.

Esboçaremos, ainda, relações com as mudanças e os caminhos abertos na nova situação política que o país vive desde junho deste ano. Cremos que o caso da USP é um dos que mostram que essa nova situação não saiu do nada nem de um súbito acordar, mas que algo estava sendo acumulado.

1. Do cimento ao mosaico

Diversos elementos paratextuais [1] ensejam contraposições interessantes entre os dois Destaques da reitoria, a começar precisamente pelos títulos, pelas suas formulações e, por que não, pela sua parte gráfica, que é de onde partiremos.

No novo boletim, o título de uma única palavra, “Democracia”, está registrado com uma tipografia que evoca, não exatamente a antiguidade greco-latina, mas sua representação em produtos da cultura de massa ou da publicidade.

Letras retilinhas de vocação triangular (fonte “Adonais”), em azul sobre branco, como as que vemos em cartazes de restaurantes gregos, academias de dança típica desse país, produtos de banho e mosaicos decorativos para jardim, tentam dar ao termo um acento de “ágora” em design. Uma democracia “de origem”, de marca registrada.

É frequente, na retórica da reitoria, esse apelo midiático e esse formato de slogan, inclusive com certa simplificação conceitual, sobretudo no que tange aos objetos das ciências humanas. Basta lembrar as afirmações de que “só os ideológicos” seriam contrários à presença da PM no campus da USP, pressupondo uma estranha classificação dos indivíduos em torno à presença-ausência desse traço.

Ou o fato de a reitoria ter reproduzido, na sua página de imprensa, uma reportagem da revista Veja em que Rodas era denominado, elogiosamente, como “xerifão” da USP.

Como também acontece nestes dois boletins que estamos considerando, tais recursos da comunicação de massa coexistem com expressões de uso restringido e rança afetação, como “hodiernamente” ou “estou cônscio”, dando lugar a um ethos discursivo que reserva o degrau mais alto para o vocábulo e o mais ordinário para o conceito.

O título do Destaques de 2012, em tipografia mais neutra, era A democracia na USP, diferenciando-se do singelo Democracia por duas formas de determinação, o especificador “na USP” e o artigo definido. Ambas colaboravam para estabelecer uma pressuposição de existência que, no caso, funcionava dialogicamente como contestação àqueles que afirmavam não haver democracia.

Respondia-nos que a democracia estava efetivamente na USP e argumentava que tudo que criticávamos no Manifesto era parte de seu funcionamento. Em compensação, o que é que antecipa um título composto por um isolado substantivo, como a Democracia deste novo pronunciamento reitoral?

Poderia ser o cabeçalho típico de uma definição enciclopédica: “democracia” é isto que passamos a explicar. Também, com uma função parecida em outras linguagens, a denominação de uma ilustração ou vinheta: eis aqui, democracia. No entanto,  no caso corresponde mais a um anúncio, quase na forma de interjeição: o advento de algo novo.

Por algum motivo, o texto afirma: “chegou a hora de dar o passo decisivo para ampliar a democracia na Universidade”, admitindo que alguma coisa se encontra restringida e entrando em contradição com a democracia “em pleno funcionamento” descrita pelo Destaques de março de 2012. Se a democracia já estava aqui, por que anunciar sua chegada com tanta pompa? Cremos que a estridência traz de novo, como retorno inesperado, a negação contestada dezesseis meses atrás: agora sim, Democracia!

Este novo Destaques da “abertura” não tem fotos [2], mas conta com uma epígrafe citando Tobias Barreto, à qual nos referiremos depois, e tem um lead.  Com efeito, embaixo do Demomykonos, lemos a descrição da cena proposta. Essa apresentação em lead será o único fragmento do boletim escrito na terceira pessoa: “reitor convida comunidade para discutir processo de eleição de dirigentes”. A convite tão ilustre, atravessamos a porteira do Recanto Acrópole, para observar a cena.

2. O testamento de si

Estudiosos do discurso denominam “cenografia” à situação imaginária da qual a enunciação se apresenta como oriunda [3]. Alguns gêneros, como os da publicidade, admitem cenografias muito diversas: pais falando para filhos, especialistas dando conselhos, donas de casa descrevendo o uso de produtos, aparições mágicas, etc. Os gêneros da propaganda política requerem dispositivos de aparência menos ficcional, mas que também podem variar consideravelmente.

No caso do último USP Destaques, aparece uma cenografia muito comum nesse campo: a da carta. Individual na assinatura do reitor João Grandino Rodas, multilateral no endereçamento a diversos órgãos e coletivos da USP, a assimetria entre ambos os pólos não apenas realça o lugar do destinador, como antecipa o tom autorreferencial que terá a carta inteira, reforçado por constantes modalizações dessa ordem [4] e pela afirmação de que o debate “será por mim conduzido como magistrado”.  Considerando que se produz no final da gestão, cuidadosamente pré-datado junto da assinatura reitoral, a carta pode aspirar a  “legado” para julgamento da posteridade.

Em compensação, A democracia na USP, de março de 2012, não mostrava qualquer desdobramento cenográfico marcado. Apresentada como voz da Administração Central “para que cada uspiano possa formar sua opinião sobre o assunto” (o Manifesto nela contestado), acentuava todos os traços de impessoalidade que caracterizam a enunciação, precisamente, administrativa.

Já para o atual anúncio de alvorada democrática, no lugar do anonimato procedimental surge a centralidade do “dador” que nos convida a compartilhar de seu sentimento mais profundo. Até a citação de Tobias Barreto, sobre o sentir “bater no peito heroica pancada” reforça a perspectiva do interior do indivíduo para a humanidade.

Precisamente nessa oposição entre o genericidade e especificidade, indiferenciação e individuação, é que são construídos a interlocução e os personagens nos boletins sobre democracias que estamos observando. Como veremos logo, esse jogo  também mostra descontinuidades reveladoras.

3. Convidados, estranhos e anistiados

Na recente carta-convite da reitoria, destinador e destinatários são registrados com diversos graus de especificidade. Assina o reitor, referido constantemente na primeira pessoa do singular, sem sequer deslizar-se, quanto menos, para um “nós” que inclua aqueles que o acompanharam na gestão.

O endereçamento se apresenta em uma ordem que começa pelas hierarquias administrativas (membros do Conselho Universitário, diretores de unidades, chefes de departamento), continua pelos conjuntos de “professores e servidores técnico-administrativos” (curiosamente não menciona nesse momento os estudantes), depois as organizações das categorias (sindicatos docente e não docente, diretórios e centros acadêmicos), terminando pela “sociedade civil paulista”, o item de maior genericidade.

No Destaques, de março de 2012, o modo de determinação dos interlocutores era o oposto: tendente à maior genericidade e menor individuação possível dentro das restrições do gênero e do campo de circulação. A Administração Central escrevendo para “cada uspiano”.

A “sociedade paulista” (no tempo, não civil) aparecia também, não como interlocutora direta, mas em um tipo de terceiridade de cuja perspectiva se toma a palavra [5]: “Agora que a sociedade uspiana e paulista não mais aceita que grupos continuem a impor sua vontade pela força bruta no seio da Universidade…”

Em compensação, os mais altos graus de especificidade e a determinação mais definida recaiam sobre um personagem que não existe no atual convite reitoral: o antagonista. O discurso da Administração Central construía um verdadeiro inimigo que vinha perturbar a paz dos uspianos de bem, negando a democracia (no tempo, de modesta tipografia Arial) existente na USP.

Esse outro indesejável é denominado por vezes com o mote genérico de “grupos”, como na citação que acabamos de fazer, mas predominantemente com uma sinalização muito mais definida, constituindo o objeto privilegiado contra o qual tenta-se agitar corações e mentes.

De início, quando se cita o Manifesto contestado, no qual os assinantes se identificavam como ex vítimas e parentes de vítimas da ditadura militar, e professores que defendiam os mesmos princípios pelos quais eles lutaram, o texto da reitoria os qualifica como “autointitulados” na condição declarada.

Embora o alvo tenham sido claramente os atuais movimentos da USP que promoveram esse e outros protestos, afirmar que aqueles que denunciam terem sido presos políticos ou terem familiares mortos ou desaparecidos pela ditadura se autointitulam como tais introduz o pressuposto de que não o sejam.

O funcionamento desse pressuposto na memória discursiva do campo político latino-americano, independente da intenção de quem profere a infelicidade, faz retornar um dos recursos mais perversos do terrorismo de estado e de seus defensores para isentar-se de crimes: o de que as vítimas ou seus familiares inventaram aquilo que denunciam. Ouvem-se insinuações desse tipo, que para ditaduras do nosso continente já foram explicação “oficial”, desde os tempos quando pessoas como Zuzu Angel e, depois, as Madres de Plaza de Mayo iniciaram denúncias públicas sobre o acontecido com seus filhos e familiares.

Esse fato discursivo não está isolado no Destaques de 2012. O conjunto da construção do inimigo interno reproduz modalizações que lembram as dos poderes militares dos anos 60 e 70, fundamentalmente a de caracterizá-lo como externo ao corpo social (no caso, a sociedade “paulista e uspiana”) e sua associação com “grupos extremistas”. No conjunto perturbador, o boletim inclui dos processados por ocupações a representantes de categorias nos colegiados, e, em alusão a um congresso não realizado em 2007, também as entidades docentes, estudantis e de funcionários.

Contra esses “autoinititulados” e seus aliados chegava-se, na Democracia na USP de 2012, à burla e à ameaça. Ironizava-se o reclamo de desfazer o convênio entre a USP e a PM deturpando-o como exigência infantil de não existirem polícias e dizendo que só poderia ser atendido se “parte do território nacional se declarar novo Estado soberano”.

Por outra parte, em um quadro destacado, a Administração Central proclamava seu direito a recorrer ao Judiciário, e perto do final do texto lembrava que “acusar alguém de conduta criminosa, sem prova concreta, pode acarretar a responsabilização, inclusive penal, de quem o fez”.

Esse trecho não teria sido lido como ameaça se não fosse que, poucos dias antes, a reitoria tinha produzido um dos atos mais prepotentes de sua gestão: a interpelação judicial contra o conjunto da diretoria da ADUSP devido a uma reprodução, em discurso indireto, pelo diário O Estado de São Paulo, de opiniões sobre prioridades no manejo de verbas da Universidade. A interpelação não terminou em nada, mas foi uma clara tentativa de intimidação.

No novo Destaques da revelação democrática, vários dos anteriores membros do eixo do mal contam-se entre os convidados. Por exemplo, as organizações estudantis e os sindicatos (com essa palavra!), inclusive o arqui-vilão SINTUSP (sindicato dos funcionários) com todos seus dirigentes atualmente processados pelas causas mais diversas. E, nessa recente edição, não há antagonista em cena. A percepção de um outro na polêmica fica exclusivamente  nas inflexões argumentativas próprias de todo enunciado no discurso político.

Uma última entidade sofre, também, um deslocamento entre Destaques e Destaques, e para acompanhar seu percurso devemos nos remontar a pronunciamentos anteriores da reitoria. Quase no início da gestão, no dia 8/05/2010, Rodas deu uma entrevista à Rádio Bandeirantes, para um desses programas de tom de “alerta”.

A alocução do reitor é lembrada ainda hoje pela maestria e a ponderação exibidas nas analogias sócio-históricas, com suas afirmações de que a USP corria o risco de virar um Haiti ou “os morros do Rio de Janeiro”.

Naquele momento, havia uma greve de funcionários reclamando o mesmo aumento que acabávamos de receber nós, professores, greve que incluiu piquetes e uma ocupação da reitoria. Na entrevista, o reitor reclamava que a maioria dos uspianos permanecia passiva “de uma maneira absolutamente cômoda” diante das ações da “minoria violenta”, “mercenários de alta estatura e alta envergadura”, “terceirizados pelo sindicato”. Pouco podia fazer a autoridade se “todas as pessoas por inação, por comodismo, por medo” permaneciam sem reagir.

Quase um ano depois, em uma entrevista dada a O Estado de S. Paulo (3/4/2011 ), a “maioria” é determinada como “silenciosa” e nitidamente separada dos que praticam a “política” e a “ideologia”, em uma formulação contrastiva cuja filiação a tradições discursivas autoritárias resulta tão literal que dispensa comentários:

A grande maioria que compõe a USP prefere o silêncio, enquanto uma minoria, ideológica e politicamente ativa, tendo à frente os mesmos dirigentes desde a década de 60, promove anualmente paralisações e invasões, sem se preocupar com os princípios fundamentais do Estado de Direito.

Depois, no Destaques de março de 2012, já não tínhamos uma maioria externa ao conflito, mas a “sociedade paulista e uspiana” na convergência de perspectiva com o enunciador contra o inimigo, que já explicamos.

E agora, na nova “Democracia”, quando a “política” e a “ideologia” já não parecem ser traços de inadaptados e não há antagonismos, lemos a “certeza de que os cento e vinte mil uspianos participarão”. E a maioria silenciosa deixou de ser parâmetro de legitimidade, pois “O risco de que grandes maiorias permaneçam indiferentes, deixando o processo nas mãos de poucos, não é razão para não encetá-lo.”

Restaria ver a credibilidade que se conserva para o “magistrado” que se propõe a conduzir-nos neste debate entre ideológicos, silenciosos, socio-civis uspianos, autointitulados e anistiados, todos convidados para a Nova Acrópoles. Tal vez se sonhe foto no jardim, entre arranjos marmóreos.

4. Da lei ao devir

No boletim de réplica-ameaça de 2012, a sequência básica ganhava forma de uma explicação simples: crime é seguido de punição, tudo baseado em diferentes corpos jurídicos. Este da abertura/apertura, como já explicamos, tem um caráter de anúncio, pelo qual lhe convém mais uma forma narrativa. Porém, o próprio anúncio provoca uma interrogação que acaba requerendo, como no outro, relações causais: como e por que adveio a democracia para nós, logo agora?  A solução dada é também narrativa: “chegou a hora” como elo final da conclusão de “compromissos assumidos” na campanha eleitoral de Rodas quando candidato.

Só que os outros “compromissos cumpridos” que se mencionam não têm qualquer relação de necessidade prévia para mudanças estatutárias sobre eleição de dirigentes, e na verdade têm pouca ou nula relação com o assunto.

Um é a criação de um curso de graduação interunidades. Cursos de graduação e pós são criados todo ano em toda universidade, e nada tem isso a ver com modificar os modos de eleição de autoridades. Outro é a recente aprovação de um plano de inclusão que amplia bônus para o vestibular e introduz, pela primeira vez, na USP, bônus racial.

Só que esse plano não apenas não fazia parte de nenhum compromisso de campanha como também não tem origem em iniciativas da reitoria nem do grupo de poder que a respalda. A USP se viu obrigada a pôr em foco a questão racial e, de modo geral, novas formas de inclusão no ingresso devido à pressão que significaram iniciativas do governo federal sobre reserva de vagas, à insistência de movimentos sociais e ao fracasso do projeto PIMESP, proposto pelo governo estadual para as universidades paulistas e que encontrou forte rejeição devido a seu caráter segregacionista.

Assim, a explicação de por que uma iniciativa sobre um assunto de primeira ordem é tomada neste preciso momento é substituída por uma narração de duvidosa coerência, deixando uma imensa lacuna. A indefinição se estende, inclusive, à possibilidade de que qualquer mudança chegue a ter vigência para o processo eleitoral que deve acontecer no semestre.

A reunião do Conselho Universitário para “apreciar propostas” é convocada apenas para 1 de outubro, sendo que um novo reitor deve tomar posse em 25 de janeiro de 2014. Para ter-se uma ideia da defasagem, convém lembrar que, no último processo eleitoral, para empossar reitor também em janeiro (de 2010), a Comissão Eleitoral foi nomeada em 18 de agosto de 2009 e o primeiro turno aconteceu no dia 20 de outubro de 2009.   A tentativa é, então, “apreciar propostas” para agora, ou fazer novas reuniões enquanto a reitoria é eleita com os mesmos mecanismos insustentáveis?

5. A efeméride e a epígrafe

A carta-convite assinada por Rodas termina destacando sua própria data de publicação, 9 de julho, dia da “saga” de 1932, posta como inspiradora. Sem entrarmos em considerações sobre o modo como a data é evocada, que sem dúvida fará melhor um especialista em história do Brasil, atrevemo-nos a sugerir uma efeméride mais adequada. Os deslocamentos observados entre dois tratamentos discursivos da “democracia” que estamos analisando, separados por tão pouco tempo, fazem-nos pensar no efeito de acontecimentos mais presentes, bem como na resistência a seu efeito, dimensões ambas que se entrelaçam em todo discurso.

Cremos que uma data mais adequada à qual fazer oferenda da súbita inspiração democrática estaria entre 13 e 17 de junho deste mesmíssimo ano, apenas um mês atrás, quando o dispositivo montado por governos, mídia e polícias militares teve que recuar na tentativa de criminalizar as mobilizações –no início- juvenis que paralisavam São Paulo e o Rio de Janeiro.

Pela primeira vez em muito tempo, a perversidade dessa articulação ficou exposta, perdendo momentaneamente a capacidade de agir sobre a opinião pública. Ou ainda dois dias depois, quando os governos tiveram que desistir do aumento de tarifas do qual tinham jurado não abrir mão.

Como uma das consequências desse processo, vemos três grandes pressupostos que hoje se encontram fortemente questionados no espaço público, como nunca estiveram antes:

1) Nenhuma  medida oriunda do poder pode ser revertida mediante a mobilização.

2) É normal e aceito que a Polícia Militar reprima toda mobilização.

3) Protestar no espaço público impedindo o trânsito ou ocupando espaços é crime, inclusive de “formação de quadrilha”.

O enfraquecimento desses pressupostos na população é fundamental também para as relações de força dentro da USP. Com efeito, o descrédito em relação a qualquer possibilidade de arrancar algo do poder, a ameaça da perseguição e repressão, e a criminalização do protesto são alguns dos pilares sobre os quais se apóia, sobretudo desde 2007 [6], o nada meritocrático regime do grupo que tem exercido o poder na USP.

Os acontecimentos de junho intervêm, desse modo, sobre um desgaste que, de fato, já vinha acontecendo. Aquele USP Destaques de março de 2012 mostrava um poder no seu aparente ápice, que acabava, inclusive, de “eliminar” alunos por primeira vez desde o tempo da ditadura, e se permitia toda e qualquer ameaça porque só enxergava obsequência no seu entorno de “dirigentes”. Mas já era, também, o começo do declínio.

O grupo de poder tinha conseguido isolar a greve de alunos do final de 2011, um grande movimento democrático com assembleias massivas e de uma relevância muito maior em relação a qualquer outro acontecido na Universidade na última década, já que apontava para um dos grandes problemas não resolvidos no país: a permanência de forças e práticas repressivas herdadas da ditadura.

Com efeito, a principal reivindicação era o fim do acordo assinado entre a USP e a Polícia Militar nesse ano. Contra essa mobilização houve um gigantesco operativo midiático, tentando convencer a população de que era uma greve pelo livre consumo de maconha, e foi utilizado o assassinato de um estudante por ladrões, meses atrás, para mostrar o acordo com a PM como única possibilidade de segurança para o campus. Boa parte da Universidade, sobretudo dos docentes, foi convencida pela agitação do governo e a mídia, fechando-se a qualquer reflexão sobre o caráter, os antecedentes e a identidade da força militar que a USP acolhia de braços abertos.

O movimento dos estudantes recuou, mas a inquietação ficou e os fatos posteriores vieram mostrar, em vários sentidos, a profundidade do problema. Por uma parte, depois de que em 2012 as Nações Unidas recomendam ao Brasil a desmilitarização das PMs e o debate se abre no país, fica muito difícil continuar zombando, como fazia o Destaques 56, daqueles que questionam a presença permanente dessa força no campus da USP.

E muito mais difícil resulta, ainda, defender essa presença depois de como ficou exposta, nas manifestações de junho, no país todo, a brutalidade policial-militar que antes somente conheciam as periferias, e a ação provocadora dos próprios policiais, abundantemente flagrada. Por outra parte, foram precisamente as problemáticas relacionadas ao terrorismo de estado que deram continuidade à ação opositora na Universidade, finda a greve dos estudantes.

A formação do Fórum pela Democratização da USP e sua bem-sucedida campanha pela instalação de uma Comissão da Verdade local produziram uma confluência de perspectivas sobre a violência de estado de ontem e de hoje, que em nada favoreceu o setor que ocupa o poder. Não é em vão que seu início deu lugar ao ameaçador Destaques de 2012 e que fosse difícil conseguir auditórios para as primeiras ações do Fórum.

Enquanto isso, a aspiração a que alguma corrente estudantil oficialista, ou quanto menos não opositora, ganhasse força entre os alunos fracassou sonoramente. Em diversas eleições com recorde de participação, a esmagadora maioria votou por correntes claramente contrárias ao projeto da reitoria e seus aliados, apesar da também intensa campanha da mídia para favorecer as chapas de direita. Das atividades em torno da proposta de Comissão da Verdade participaram centros acadêmicos inclusive de unidades tidas como “conservadoras”.

O apoio interno que, hoje, o grupo de poder ainda poderia procurar estaria nos docentes. Apoio nada desprezível, se levarmos em conta que somente uma ou duas centenas deles (em torno de 5.900) têm mantido, durante estes anos, uma postura opositora, enquanto a grande maioria oscilou, em proporções difíceis de mensurar, entre a omissão, a indiferença ou o apoio manifesto ao projeto da reitoria. Inclusive houve, em 2011, certa militância ativa de docentes contra a greve dos alunos, envolvendo em algum caso a reprovação em massa de grevistas, e em vários todo tipo de pressões para que os alunos voltassem às aulas.

Mas na maioria dos casos que conhecemos, o apoio tem pouca solidez e se baseia quer na satisfação momentânea com medidas populistas de distribuição de verba excedente mediante gratificações, quer numa identificação imprecisa e de pouco fôlego entre o sucesso em rankings e o modo de governo da Universidade. Tem sido um apoio predominantemente passivo e, por isso, insistimos, nada fácil de ponderar no seu real alcance. E extremadamente inseguro e imprevisível na nova situação do país.

Com a confiança na PM e na mídia deterioradas, tudo faz pensar que sequer os mais despolitizados seriam presa fácil da agitação “antibaderna”, como em 2011. E dificilmente se enfrentariam contra outros setores, como os alunos com os quais convivem no dia a dia que, de modo geral, talvez como efeito de predomínios geracionais, mostram um conhecimento e solidez política muito maior.

Concordamos, a respeito, com Vladimir Safatle, que afirmou, em um artigo publicado em CartaCapital de 26/6/2013, que há décadas não temos “uma geração de jovens tão politizada, corajosa e brilhante quanto esta que levou a cabo as manifestações.” E a ninguém escapa que entre os estudantes da USP se concentra esse componente em proporção considerável.

A epígrafe de Tobias Barreto com que a reitoria inicia sua carta-convite reza “quando se sente bater no peito heroica pancada…”.

Cremos que são duros tapas o que o poder está sentindo, e não precisamente surgindo do seu peito. Entre os dois boletins-democracia que comparamos, antes e depois, as mudanças na cenografia e na construção dos protagonistas, os buracos explicativos, as letras ornamentais, as efemérides de saga são marcas de uma nova atitude do poder para as novas circunstâncias. Mas também são, na sua pobreza argumentativa e nas suas visíveis fendas, traços que deixaram os novos tapas e, antes, os gestos de resistência nestes tempos escuros que, talvez, já estejam saindo de seu fim do poço.

Adrián Pablo Fanjul é professor na FFLCH-USP. Representante docente no Conselho Universitário.

[1] Nos estudos textuais e discursivos se denomina “paratexto” o dispositivo gráfico que apresenta e organiza o texto: títulos, sumário, ilustrações, quadros, leads, destaques tipográficos, etc. Sua importância para a produção de sentido radica em que esses fatores promovem modos de leitura, além de permitirem a produção de antecipações, por parte do leitor, sobre aquilo de que o texto tratará ou sobre seu posicionamento em uma polêmica. O termo foi cunhado por Gerard Genette no início da década de 1980.

[2] Naquele do ano passado, havia uma foto com a legenda “Vista aérea da Praça do Relógio, na Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira”.

[3]  Vide, por exemplo, de Dominique Maingueneau, Cenas da enunciação (Parábola: SP, 2008) ou O contexto da obra literária (Martins Fontes: SP, 2001), entre outras obras desse autor.

[4] Uma recente declaração da diretoria da ADUSP registra amplamente esse traço do boletim.

[5] Mónica Zoppi Fontana, no artigo “A arte de cair fora. O lugar do terceiro na enunciação” (Rev. Ecos, vol. 2, 2004), propõe uma instância de “ele observador” para dar conta das diversas justaposições da terceira pessoa, como perspectiva, em relação às vozes do discurso. Cremos que é o que se manifesta no caso.

[6] Ano em que o ex-governador Serra inicia um processo de restrição à autonomia universitária, e que dá início a todo tipo de práticas autoritárias e repressivas por parte da reitoria anterior (Suely Vilela), continuadas e agravadas pela atual.

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09/02/2004
ÉPOCA/GLOBO

JOÃO GRANDINO RODAS – DEFENSOR DO CAPITAL

Para o presidente do Cade, a decisão de cancelar a compra da Garoto foi uma intervenção drástica que vai prejudicar a economia do país

JANAÍNA LEITE

Na manhã da quinta-feira 5, o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), João Grandino Rodas, estava de ótimo humor. Não parecia lembrar ser o único conselheiro vencido um dia antes, quando foi a plenário o caso que mudou a história das fusões e aquisições no país. Contra a vontade de Rodas, o Cade vetou a compra da empresa capixaba Garoto pela Nestlé, mandando desfazer um negócio fechado há dois anos por R$ 570 milhões. Segundo ele, ‘intervenções drásticas só devem ocorrer quando inevitáveis ou quando há prejuízo à economia como um todo’. Com saída marcada para julho da presidência do órgão, Rodas sente-se à vontade para caprichar nas críticas mordazes ao atual modelo de fiscalização da concorrência e ao modo de agir dos colegas. ‘Há enorme boa vontade de todas as partes. O problema é que só de boa vontade o mundo não vive’, diz. Rodas rebate com veemência as acusações de que o Cade é lento e já faz campanha para que seu substituto na presidência e os de quatro outros conselheiros que estão deixando o órgão em meados do ano sejam logo nomeados, evitando interrupções nos processos. ‘A demora só interessa aos burocratas’, resumiu.

JOÃO GRANDINO RODAS
Carreira
45 anos, professor de Direito Internacional da USP. Integrou o conselho permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) e chefiou a consultoria jurídica do Ministério das Relações Exteriores nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique. Indicado à presidência do Cade em 2000 e reconduzido em 2002
Livros
Direito e Economia da Concorrência, a ser lançado, em co-autoria com Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade

ÉPOCA – O senhor foi o único conselheiro a votar pela aquisição da Garoto pela Nestlé, embora com restrições. Por quê?
João Grandino Rodas – Entendo que a intervenção no domínio econômico deva ocorrer apenas quando indispensável, e no limite mínimo possível para corrigir distorções. Neste caso, havia a opção de desinvestimento parcial, com a venda de alguns segmentos da marca, por exemplo. Não cabe a um órgão, mesmo um tribunal administrativo, agir na economia além do extremamente necessário apenas por considerar que, assim, o país ä atingirá o ideal. A Constituição não dá ao Cade esse poder.

ÉPOCA – Estudos demonstravam, entretanto, que a concentração no setor de chocolates ficaria em limites absurdamente altos.
Rodas – Todas as teses usadas, seja para desinvestir ou criar restrições ao negócio, não são matemáticas. O Direito possui um sem-número de definições econômicas, que flutuam de forma subjetiva. Julgar exige bom senso. Com todo o respeito ao voto de meus colegas, creio ser um engano afirmar que a decisão eximiu-se da questão do potencial investimento estrangeiro no país, sob o argumento de que essa área não é de responsabilidade do Cade.

ÉPOCA – O senhor defende, então, que a garantia de disputar o mercado de forma justa nem sempre deve estar em primeiro lugar nos julgamentos do Cade?
Rodas – Não. Digo, sim, que concorrência deve ser examinada junto com outros itens de relevância, como o princípio da livre iniciativa. Se ela for vista de maneira isolada, a economia como um todo sofrerá. Pergunto: se determinada companhia não atende aos limites, então vamos deixá-la falir? Sairemos por aí destruindo empresas por amor a uma concorrência que existe só na teoria? Não falo de um caso específico, e sim de maneira genérica. Concorrência é um dos condimentos da economia, não o único; é um pilar importante, que tem de ser visto em comunhão com outros aspectos, pois não se sustenta sozinho.

ÉPOCA – O Cade é realmente necessário para garantir a igualdade de condições entre os empreendedores?
Rodas – A Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) foram criadas na década de 90. O Cade existe há 41 anos. Como diz a Lei de Parkinson, tudo se multiplica e aumenta. Hoje esses três órgãos – cada um com competência específica, é certo – existem por inércia. Os governos foram deixando acontecer.

ÉPOCA – O senhor acredita que seria melhor mudar a estrutura de fiscalização da concorrência?
Rodas – A mesma Lei de Parkinson mostra ser muito difícil acabar com o que foi criado. Tentativas para tanto foram feitas, todas malsucedidas. Há três anos são adotadas medidas pontuais, para minimizar o fato de existir vários órgãos voltados a fins semelhantes. Defendo que SDE, Seae e Cade sejam harmonizados para funcionarem em equilíbrio. Isso não significa extinguir algum deles, mas construir uma estrutura boa, ágil, benéfica à concorrência e ao consumidor e que não atrapalhe a economia.

ÉPOCA – O que isso significa, na prática?
Rodas – Elaboração de pareceres conjuntos, por exemplo. A Seae faz um estudo, a SDE outro. Ambos são anexados ao processo que chega ao Cade, mas os documentos continuam chegando. Na prática, os pareceres da Seae e da SDE tornam-se parciais; às vezes não levam em conta nem 10% do que há no processo. A rigor, então, não têm validade científica.

ÉPOCA – O Cade tem sido alvo de várias críticas, inclusive a de morosidade, supostamente causada por análise excessiva de papelório pelos conselheiros. O senhor concorda?
Rodas – Engessar o tribunal administrativo seria um desastre, diante da complexidade dos casos aqui julgados. É preciso, no entanto, um ponto de equilíbrio. Acabar com a possibilidade de, após o encaminhamento de tantos pareceres, outros milhares de adendos serem juntados ao processo – e ainda por tempo indefinido. Se continuar como está, há risco de os pareceres beirar o valor zero. No caso Nestlé-Garoto, por exemplo, nenhum dos pareceres, inclusive o do Ministério Público Federal, aconselhava desinvestimento total. E foi o que aconteceu.

ÉPOCA – O que é preciso para resolver o problema da concorrência no Brasil?
Rodas – Primeiro, racionalizar as estruturas governamentais. Depois, modificar a lei de defesa da concorrência, em vigor há dez anos. Para a reestruturação, foram tentadas soluções grandiosas, com a aglutinação de centenas de funcionários. Um salto da miséria para a opulência, como a criação de uma agência juntando concorrência e consumidor. Nada disso dá certo. A criação de uma superintendência, unindo SDE e Seae sob um único ministério e o Cade, seria uma boa idéia.

ÉPOCA – O senhor está no Cade há quase dois anos. Mudou algo com o novo governo?
Rodas – Vivo sem vínculos políticos, mas, justiça seja feita, neste governo há grande interesse pela concorrência. Nenhum outro presidente, ou outros dos cinco ministros da Justiça com os quais trabalhei, procurou dotar o Cade de técnicos. Isso foi feito há poucas semanas. Estamos com as autorizações para concursos.

ÉPOCA – Resolve o problema? O Cade tem poucos recursos.
Rodas – Não há nem 50 vagas para os técnicos, porém o valor simbólico é grande. As contratações são temporárias porque se pretende implementar quadros de carreiras, projeto apresentado diversas vezes, mas que nunca saiu do Executivo.

ÉPOCA – E as críticas sobre a atuação dos conselheiros, apontados como vaidosos e teóricos em excesso? O Cade realmente funciona de forma colegiada?
Rodas – A sociedade tem o direito de cobrar uma atuação célere do Cade e as críticas já começaram a surtir algum efeito. A morosidade ocorre na minoria dos casos, justamente com aqueles que mais aparecem na mídia. Acredito que nos próximos dois meses todos esses processos antigos, parados por diferentes razões – mas não por interesses escusos, ressalto -, serão resolvidos.

ÉPOCA – O senhor deixa o Cade em julho. Considera os mandatos curtos?
Rodas – Qual é a certeza de continuidade jurisprudencial do Cade com conselheiros ficando só dois anos, prorrogáveis por mais dois? Nenhuma. Em julho serão abertas quatro vagas. Sempre fica a pergunta: a partir de agosto a posição do órgão vai ser diferente da atual? Os novos integrantes do Cade deveriam permanecer mais tempo. Estive com o ministro da Justiça há duas semanas e conversei sobre os interregnos. Fiz a proposta para que, até maio, ele indique os substitutos, inclusive o meu.

ÉPOCA – O ministro foi receptivo à proposta?
Rodas – Creio que sim. A medida acaba com uma série de ansiedades e preocupações. Quem sai explica para quem entra como é que funcionam as coisas. É uma maneira de não paralisar o órgão.

ÉPOCA – Nos grandes casos, as partes abarrotam o Cade com estudos, análises e pareceres independentes. Isso é necessário ou atrapalha?
Rodas – Atrapalha. Há um momento no qual o relator do processo tem de dizer que não receberá mais provas. É só afirmar ter material suficiente para elaborar o voto. Certa vez um conselheiro começou o relatório de um grande caso dizendo que o processo era uma beleza de caso acadêmico. Ora, as pessoas precisam entender que sentença não é tese. Tese você faz é na universidade.

ÉPOCA – A morosidade assusta os investidores e projeta uma imagem de ineficiência do Cade. Tem conselheiro que diz não considerar isso um problema.
Rodas – Se foi realmente dito algo do gênero, parece próprio de burocratas. Sustentar que um órgão como o Cade não se preocupa com a rapidez dos julgamentos é uma irresponsabilidade.

ÉPOCA – O que fazer para que as condições impostas pelo Cade sejam realmente cumpridas?
Rodas – Tudo depende de como se faz o termo de compromisso de desempenho. Se isso for extremamente bem feito não haverá problemas. Claro que dá muito mais trabalho, porém é necessário.

ÉPOCA – Mas quem fiscaliza o cumprimento desse termo de compromisso?
Rodas – O próprio Cade. O importante é entender que não podemos resolver de forma simplista só porque não temos pessoal ou condições de realizar um controle efetivo com as atuais condições de trabalho. Só porque alguém tem um problema na perna deve optar por amputá-la? O Cade não pode escolher a via mais rápida e fácil.

ÉPOCA – O senhor foi denunciado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) por improbidade administrativa, por supostamente ter se recusado a reabrir um caso envolvendo laboratórios.
Rodas – Não. Houve uma carta do senador pedindo informações, apenas. Nunca se falou em improbidade ou denúncia.

ÉPOCA – Quantos processos foram julgados em 2003 pelo Cade?
Rodas – Cerca de 700. No ano anterior, o número ficou em torno de 800. A diferença pode ser atribuída aos humores da economia. Por isso, quando um processo é julgado aqui, os conselheiros não podem se dar ao luxo de uma visão paroquial. Ao contrário, é necessário ter uma sensibilidade internacional. O objetivo é, sim, atrair investimentos porque a economia brasileira precisa deles.

(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI42594-15223,00-JOAO+GRANDINO+RODAS+DEFENSOR+DO+CAPITAL.html)

    FrancoAtirador

    http://glo.bo/1bAf3bP

    FrancoAtirador

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    ESTADÃO
    Quinta-feira, 13 de Junho de 2002, 11:20 | Online

    Rodas será reconduzido à presidência do Cade

    O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), João Grandino Rodas, será reconduzido ao cargo. O presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Senado mensagem propondo a recondução de Rodas e do conselheiro Thompson Andrade. A recondução de Rodas surpreendeu. Pela segunda vez, ele tentou recusar o cargo mas acabou cedendo ao pedido do governo.

    Ele havia comunicado ao ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, a intenção de retornar a São Paulo, onde é professor de direito internacional na USP. Também tinha o desejo de voltar a prestar consultoria na área de direito internacional. Há dois anos, quando recebeu o convite para assumir o Cade, Rodas resistiu mas acabou atendendo um pedido pessoal de Fernando Henrique.

    Ele é amigo do presidente, com o qual trabalhou no Itamaraty, quando FHC foi ministro das Relações Exteriores durante o governo Itamar Franco. Quando foi nomeado ministro da Fazenda, Fernando Henrique tentou levar Rodas para sua equipe, mas ele preferiu continuar no Itamaraty. Rodas também foi colega na USP do chanceler Celso Lafer e do ministro Miguel Reale Júnior.

    Na última semana, ele deu declarações no sentido de que já teria cumprido sua missão à frente do Cade. Na consulta que Reale Júnior fez aos quatro conselheiros, sobre a intenção de permanecerem no cargo, apenas Thompson Andrade não colocou objeção a sua recondução. Em Brasília, o nome mais cotado para assumir a presidência do Cade era o do secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Paulo de Tarso.

    O presidente também indicou Cleveland Prates Teixeira e Fernando de Oliveira Marques para assumir as vagas que serão abertas com a saída dos conselheiros Afonso Arinos e Celso Campilongo. O mandato dos quatro conselheiros terminam no próximo dia 4 de julho. Cleveland Prates é atualmente secretário-adjunto da Secretária de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda. Fernando Marques é professor de direito e econômico na PUC de São Paulo.

    (http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2002/not20020613p31703.htm)

    FrancoAtirador

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    São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001
    Folha de S.Paulo

    TELES

    Empresa questiona fato de o presidente do conselho ter antecipado o seu voto; Grandino diz que votou “convencido”

    Cade retoma hoje batalha Globo-DirectTV

    DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) retoma hoje o julgamento que decidirá se a DirecTV (TV paga) pode incluir entre seus canais a TV Globo.
    A Rede Globo se recusa a assinar contrato com essa finalidade com a DirecTV.

    O processo administrativo se arrasta desde 1999.
    Dos sete conselheiros do Cade, quatro já se manifestaram.

    O relator do processo administrativo, o ex-conselheiro João Bosco Leopoldino, deu parecer favorável à DirecTV.
    Bosco acatou a argumentação da DirecTV de que a sua principal concorrente no mercado de TV por assinatura via satélite, a Sky -ligada às organizações Globo-, transmite a Globo para algumas capitais. Por esse motivo, também teria direito ao mesmo contrato.

    Após a apresentação do voto do relator, a conselheira Hebe Romano pediu vista do processo. Quando o assunto voltou à pauta do Cade, ela se manifestou contrária à posição do relator.

    Há duas semanas, Hebe foi seguida em seu voto por mais dois conselheiros, entre eles o presidente do Cade, João Grandino Rodas.

    Ele e Mércio Felski anteciparam os votos depois de um conselheiro pedir vista.

    O diretor jurídico da DirecTV no Brasil, Fábio Marques, disse que estranhou o fato de o presidente do Cade ter se manifestado.

    “Normalmente o presidente só vota no caso de desempate, não entendi essa posição dele.”

    Philippe Olivier Boutaud, gerente-geral da DirecTV no Brasil, também considerou estranho o fato de a votação ter prosseguido mesmo depois de outro conselheiro ter pedido vista do processo, no dia 6 de junho.

    Nesse caso, Grandino e Felski votaram após o pedido de vista. Na primeira votação, em março, quando Hebe Romano pediu vista do processo, a votação foi interrompida.

    Outro ponto questionável pela empresa é o fato de ela ter apresentado um parecer do advogado Miguel Reale favorável.

    A Globo fez uma réplica, apresentando outro parecer.

    Segundo a DirecTV, ela deveria ter podido contra-argumentar o parecer contrário, o que não teria ocorrido.
    Marques classifica o fato como “uma agressão processual”.

    Votos
    “Decidi antecipar minha posição por duas razões. Primeiro porque estava convencido do resultado e segundo porque esse processo é antigo. Não fazia sentido esperar mais tempo para resolvê-lo”, justificou Grandino.

    Ele acrescentou que, rotineiramente, quando um conselheiro pede vista, o presidente pergunta aos demais integrantes se querem antecipar o voto.

    Felski adiantou sua posição porque era a última sessão como conselheiro do Cade.

    Grandino admitiu que as duas companhias envolvidas no processo têm usado todos os recursos permitidos para tentar obter um resultado favorável.

    O regimento do Cade não proíbe conversas com conselheiros e envio de relatórios com informações complementares.

    O presidente do Cade acrescentou que esse é um processo que envolve duas grandes empresas e, por essa razão, tornou-se um caso de grande repercussão.

    Até o ministro das Comunicações [do Governo FHC], Pimenta da Veiga [PSDB], já manifestou publicamente sua opinião sobre o caso.
    O ministro se posicionou a favor da Globo.

    “O ministro nunca me procurou para tratar desse assunto”, enfatizou Grandino.

    De acordo com o presidente do Cade, se um conselheiro pedir novamente vista do processo, o caso não será concluído hoje.

    Colaborou a Sucursal do Rio

    (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2006200135.htm)

    FrancoAtirador

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    24/02/2003
    Brasilnews

    Presidente do CADE é denunciado

    O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), João Grandino Rodas, foi denunciado pelo Senador Eduardo Suplicy ao Ministério da Justiça por improbidade administrativa pela forma como vem se comportando em relação ao pedido de reabertura das investigações da denúncia de dumping e underselling e dos danos decorrentes das exportações de tubos de coleta de sangue da Becton Dickinson para o Brasil, em prejuízo da empresa nacional Labnew.

    Além de desobedecer acintosamente decisão da juíza Adversi Rates M. de Abreu, da 5ª Vara do Distrito Federal, que deu 48 horas de prazo para reabertura do caso há mais de 170 dias, o presidente do Cade divulgou publicamente sua opinião pessoal – em carta publicada em 17/02/2003 em jornal de circulação nacional – manifestando-se sobre o mérito antes mesmo de levar o caso ao plenário. Em outra ocasião (21/08/02), informado da decisão da Justiça, Rodas comentou: “Apesar de errada a meu ver, a decisão será acatada. Nós entendemos que o caso está encerrado”.

    O senador Suplicy encaminhou também ao ministro Márcio Thomaz Bastos uma transcrição da gravação de um telefonema feito pelo assessor processual do Cade, Valdomiro José de Almeida, ao ex-diretor da Labnew, Rui Macedônio de Sá, onde o assessor afirma serem raras as pessoas satisfeitas, dentro do órgão, com a referida decisão da Justiça. Em um dos trechos da gravação, Valdomiro José de Almeida diz que “Extrapolando um pouco a minha função de funcionário público, como trabalhei no caso de vocês e o resultado não foi favorável, eu sou pessoalmente muito simpático à sua causa. A minha iniciativa é mais uma questão de dever pessoal, se poderia ajudar de alguma forma. Eu trabalho no Cade e vejo como as coisas funcionam. Sou uma das poucas pessoas que não achou ruim a decisão de reabrir o caso. É a primeira vez que a Justiça manda reabrir um caso e isso causa uma certa aversão. Eu tenho receio de que o processo não seja devidamente analisado e seja levado a julgamento com juízo pré-concebido”. O presidente da Labnew, Jorge Borges Sá, tem plena convicção de que “as cartas estão marcadas” no Cade, ferindo as regras éticas básicas da administração pública.

    A gravação, disponível na íntegra em MP3, tem duração de cerca de 36 minutos, onde o assessor insiste na sua “boa vontade” para com a Labnew e no alerta para a má vontade do Cade. ” No Cade quase não tem casos de preços predatórios, é um trabalho difícil e a gente faz dentro do possível. Os senhores têm que estar muito alertas, muito atentos, procurando conversar com os técnicos. Minha preocupação, como se diria na gíria, é que vão dar um tapa no processo”, revela em outros trechos. E sinaliza: ” Agora que o governo mudou é o melhor dos mundos, porque o PT pode nomear um conselheiro que seja mais isento”.

    O ofício do Senador Suplicy está acompanhado de carta na qual o diretor-presidente da Labnew informa a sua temeridade quanto a um julgamento isento e que irá argüir a suspeição do titular-chefe da autarquia. A advogada da Labnew, Adriana Souzani, disse, através de sua assessoria, que anulará mais uma vez o julgado, caso não sejam considerados os elementos de provas de dumping e underselling presente nos autos, levados a efeito pela BD, em plena vigência do compromisso de cessação.

    Entenda o caso:

    Desde 1992 a Labnew luta contra práticas desleais de comércio de produtos hospitalares. Inicialmente foi contra a Becton Dickinson (BD), líder mundial do setor médico hospitalar, que diante das provas de dumping e underselling fez acordo de compromisso de cessação no CADE para não ser condenada. Em seguida, veio o segundo maior produtor mundial, a Terumo Medical Corporation que, aliada ao grupo farmacêutico Merck, passou a perpetrar os mesmos ilícitos econômicos até então de autoria da líder BD.

    A Labnew, após 20 anos de atuação no mercado médico-hospitalar e 12 anos de luta contra a concorrência desleal, foi obrigada a descontinuar sua linha de produção de tubos para coleta e demitir todos os funcionários, quando antes já chegou a gerar 230 empregos diretos. Apesar de ter investido US$ 4 milhões em 1997 para retomar a produção, acumula atualmente mais de US$ 50 milhões em prejuízos e encontra-se em estado pré-falimentar, em razão da inércia dos órgãos de defesa da concorrência, do então governo FHC.

    O tubo para coleta de sangue a vácuo é um produto de última geração, utilizado para coletar amostras sanguíneas para realização de análises laboratoriais, e representa um faturamento anual de US$ 5,0 bilhões no mercado mundial.

    Informações na fonte:
    Eduardo Macedônio de Sá: (19) 8111-8869
    CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
    TEL.: (61) 426 8599 – FAX: (61) 328 5523
    Gabinete do Senador Suplicy
    Tel: (61) 311-2818 / 311-3213 / 311-3215Fax: (61) 311-2816
    Souzani e Oliveira Advogados Associados
    Dra. Adriana de Barros Souzani – Rua Orlando Fagnani, 460 – Nova Campinas – Campinas/SP
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    Empresa responsável pelas informações acima: Brasilnews

    (http://www.brasilnews.com.br/fonte2.php?Codreg=676&CodNext=999)

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