Regina Camargos: A “Petro” precisa voltar a ser “Bras”
Tempo de leitura: 5 minPor Regina Camargos
A “Petro” precisa voltar a ser “Bras”
Por Regina Camargos*
De novo, o preço dos combustíveis volta a ser manchete na mídia brasileira.
O “palavrão’’ da hora é a desoneração fiscal.
Em maio de 2022, a dupla Bolso-Guedes, de olho nas eleições, usou uma gambiarra para “resolver” o problema dos aumentos sucessivos.
Eliminou temporariamente (de junho de 2022 a janeiro de 2023) a cobrança de impostos federais e limitou a cobrança de impostos estaduais sobre esses produtos.
Isso é o que nós economistas chamamos de desoneração fiscal.
A medida da dupla Bolso-Guedes, além de eleitoreira, era artificial, para inglês ver, e ainda com prazo de validade definido: de junho de junho de 2022 a janeiro de 2023.
Por que artificial e pra inglês ver?!
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Porque não ataca o PPI, o coração dos preços altos dos nossos combustíveis.
Antes de mostrar quem é o verdadeiro vilão, um breve histórico.
Em 2021, quando a economia mundial se recuperava da pandemia, os preços do petróleo no mercado internacional começaram a subir.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, agravou o problema e levou ao aumento da inflação em diversos países, inclusive no Brasil.
Os preços dos combustíveis afetam os demais preços da economia, pois, quando sobem, têm impactos diretos no custo dos fretes cobrados para transportar as mercadorias que compramos nas lojas, supermercados e feiras.
É verdade que o mundo todo foi afetado por esses choques nos preços do petróleo, mas, no Brasil, os impactos poderiam ter sido menores se a Petrobrás não tivesse adotado, em outubro de 2016, uma nova política de preços dos combustíveis que ficou conhecida como Paridade de Preço de Importação ou PPI.
A PPI se baseia nas variações dos preços do petróleo no mercado internacional, dos custos com frete de navios, transporte e taxas portuárias. A empresa acrescenta a esses preços e custos uma espécie de seguro para se proteger dos riscos inerentes à sua atividade operacional, por exemplo, a variação da taxa de câmbio – que é a relação entre o dólar norte americano e o Real –, os custos relacionados à permanência de seus navios em portos estrangeiros e os impostos que paga no exterior.
Em resumo, quando esses preços e custos aumentam, os combustíveis no Brasil ficam mais caros.
Essa política de preços foi adotada pela Petrobrás com a justificativa de evitar a interferência do governo nos preços praticados pela empresa. O então presidente da empresa no governo Temer, Pedro Parente, só não disse à população que a partir da PPI os preços dos combustíveis no Brasil seriam “dolarizados”.
A “solução” de Bolsonaro e Guedes para o aumento dos combustíveis
De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), entre janeiro de 2019 e o início de junho de 2022, o diesel nas refinarias tinha subido 203%, a gasolina, 169,1% e o GLP 119,1%. No mesmo período, o salário mínimo havia aumentado apenas 21,4%.
De olho nas eleições, Bolsonaro e Guedes, em maio de 2022, encaminharam ao Congresso Nacional um Projeto de Lei para reduzir os preços dos combustíveis por meio da extinção temporária (de junho de 2022 a janeiro de 2023) da cobrança de impostos federais e da limitação da cobrança de impostos estaduais sobre esses produtos.
O projeto foi aprovado em 15/06/2022, tornando-se a Lei Complementar 194/2022.
Dias antes da lei ser aprovada, a Petrobrás reajustou o preço da gasolina em 5,2% e do diesel em 14,2% numa reunião extraordinária convocada às pressas pelo presidente do Conselho de Administração da empresa.
A escalada dos preços dos combustíveis foi interrompida e isso desacelerou a inflação. Mas, Bolsonaro e Guedes deixaram uma bomba-relógio armada para o futuro governo (mais uma…lembram-se da taxa de juros comentada no artigo anterior?).
A redução artificial e eleitoreira dos preços dos combustíveis, cedo ou tarde, resultaria num rombo nos cofres dos estados, municípios e do próprio governo federal, pois estava baseada numa enorme renúncia de receitas.
Numa economia cambaleante, a bilionária perda de receitas com impostos comprometeu os investimentos dos governos em serviços essenciais como saúde, educação e segurança.
Além disso, a lei que permitiu a redução dos impostos não alterou a política de preços da Petrobrás, que é a verdadeira responsável pela escalada dos preços dos combustíveis, nos últimos anos.
A política de preços praticada pela Petrobrás desde 2016, portanto, é desfavorável à população.
Então, quem ganha com a PPI?
Primeiramente, os acionistas da Petrobrás que são o governo brasileiro, que é o controlador e os grandes acionistas privados, representados por fundos de investimento estrangeiros e nacionais. De fato, a PPI tem proporcionado altíssimos lucros à Petrobrás.
No caso do governo, os dividendos pagos pela Petrobrás podem ser destinados ao financiamento de importantes políticas públicas, compensando-se, de alguma forma, os impactos da PPI no aumento do custo de vida da população mais pobre.
Além dos acionistas, ganham os produtores norte-americanos e negociantes internacionais de derivados de petróleo.
Nos últimos anos, a Petrobrás reduziu suas operações de refino de óleo cru e produção de derivados de petróleo. De acordo com a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), a companhia utiliza apenas um quarto da sua capacidade instalada de refino e importa dos EUA quase 80% do diesel consumido no Brasil.
Política de distribuição de dividendos impede investimentos produtivos
Nos governos de Lula (2003 a 2010) e Dilma (2011-2015) a distribuição de dividendos da Petrobrás se limitava a 40% do lucro líquido da empresa. Após 2016, a política de dividendos foi alterada e atualmente quase todo o lucro da companhia é distribuído aos acionistas.
No último trimestre de 2022, por exemplo, a Petrobrás distribuiu aos acionistas R$ 35,8 bilhões enquanto o lucro líquido da companhia, no mesmo período, foi de R$ 43 bilhões.
Ou seja, quase não sobrou nada para a empresa investir em atividades que são essenciais ao desenvolvimento do país.
Essa política de dividendos, semelhante à de grandes empresas privadas, embora propicie receitas vultosas ao governo, descaracteriza a natureza púbica e a missão histórica da Petrobrás.
Na atualidade, as atividades da Petrobrás se limitam a extrair e vender óleo cru, mas a companhia poderia investir na transição energética e contribuir para a retomada da economia.
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propõem mudanças na política de dividendos da Petrobrás para ampliar os investimentos produtivos da empresa e constituir um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis.
O fim da desoneração de impostos
A desoneração de impostos sobre combustíveis era uma medida insustentável, pois prejudicava os cofres públicos.
Em 28 de fevereiro deste ano, o governo voltou a cobrar impostos federais sobre os combustíveis para tentar melhorar suas receitas e viabilizar a implementação de políticas sociais previstas no programa de governo eleito no ano passado.
Além do mais, ao melhorar a arrecadação, o governo mostra que está fazendo sua parte para sanear as contas públicas destruídas por Guedes e Bolsonaro. Com isso, pretende abrir espaço para a queda na taxa de juros.
A medida deveria ter sido adotada em janeiro, mas o novo governo precisava de tempo para conhecer o tamanho do rombo nos cofres da União, dos estados e municípios causado pela redução de impostos. Era necessário também aguardar a posse do novo presidente e da nova diretoria da Petrobrás.
A volta da cobrança de impostos será diferenciada. A gasolina será tributada com um valor maior (R$ 0,47/ litro) e o etanol, que é um biocombustível, com um valor bem menor (R$ 0,02/ litro). O diesel e o gás de cozinha permanecerão sem cobrança de impostos. Sobre o GNV e o querosene de aviação serão cobrados impostos federais apenas daqui a quatro meses.
A Petrobrás, por sua vez, reduziu o preço de venda da gasolina para as refinarias em 3,93%. Além disso, o governo criou um imposto sobre a exportação de petróleo cru que será cobrado por quatro meses até que sejam definidas novas políticas de preços e dividendos para a Petrobrás.
O governo estima que a volta da cobrança de impostos elevará o preço médio dos combustíveis em R$ 0,34/litro e não terá impactos expressivos e duradouros na inflação.
Como a cobrança de impostos foi diferenciada e não atingiu os preços do diesel e do gás de cozinha os impactos no custo de vida da população de baixa renda serão menores.
A curto prazo, a bomba relógio do preço dos combustíveis foi desarmada. Mas, para evitar nova escalada de preços, é preciso enfrentar os interesses do capital financeiro e das grandes petroleiras internacionais encastelados na Petrobrás desde o golpe.
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Regina Camargos
Economista e consultora
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