Guardian: A crise europeia atinge novo patamar

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Crise na zona do euro retorna para agitar mercados depois de período de calma

Dados econômicos da França, Itália e Espanha, aliados à agitação civil e indecisão política, causam turbulência no mercado de ações

por Ian Traynor em Bruxelas

guardian.co.uk, Wednesday 26 September 2012 18.21 BST

Os tremores do mercado em relação à crise da dívida da Europa retornaram na quarta-feira depois de semanas de calma relativa em meio ao anúncio de estatísticas sinistras sobre algumas das maiores economias europeias, sinais de disputa entre líderes políticos europeus e protestos em massa contra a austeridade no sul da Europa.

Em meios a distúrbios na Grécia, Espanha e Portugal, os custos da dívida de Madrid subiram outra vez acima da marca de 6% depois que os principais credores da zona do euro deixaram claro que um resgate planejado de 100 bilhões de euros a bancos espanhóis aumentaria ainda mais o nível da dívida do país.

A falta de vontade política para enfrentar a crise foi reforçada pela contradição clara entre a Comissão Europeia e os governos da Alemanha, Holanda e Finlândia, quando estes se afastarem de promessas feitas na cúpula da UE em junho.

O sentimento sinistro que toma conta da zona do euro também foi sublinhado por dados econômicos da França, que colocam o número de desempregados acima dos 3 milhões pelas primeira vez em 13 anos e pela queda das vendas do varejo na Itália, que enfrenta recessão. Os mercados cairam em toda a Europa, com a FTSE perdendo 1,5%, enquanto o Dax alemão caiu 2% e o Cac francês baixou 2,8%.

O aumento do desemprego francês vai complicar a pretensão do presidente François Hollande de enfrentar a crise econômica do país. Os gastos com benefícios relativos ao desemprego e a queda da arrecadação de impostos também vai tornar mais difícil para a França atingir as metas prescritas pela UE de um déficit do orçamento de 3% no próximo ano.

Hollande chegou ao poder em maio depois de uma campanha em que resistiu à austeridade liderada pela Alemanha. Ele agora precisa mergulhar a França na austeridade — embora não use este termo — para poupar 30 bilhões de euros através de cortes de gastos e aumentos de impostos. Os detalhes vão se tornar mais claros na sexta-feira, quando o primeiro orçamento de seu governo for anunciado pelo ministério.

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Em meio a uma recessão que se aprofunda, com a economia projetada para encolher pelo menos 2,4% este ano, a Itália também anunciou números ruins, com as vendas do varejo para julho caindo 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Mas com os custos para emprestar dinheiro em alta, a situação da Espanha — aliada a divisões crescentes sobre como enfrentar o problema — é o maior fator a enervar mercados. Embora o primeiro-ministro Mariano Rajoy pareça condenado a eventualmente ter de pedir um humilhante resgate que, segundo estimativas do ministério das finanças alemão, poderá chegar a 300 bilhões de euros, ele continua tentando ganhar tempo.

A zona do euro está dividida sobre como responder. Hollande e o primeiro ministro italiano, Mario Monti, estão pressionando Rajoy a pedir o resgate. Berlim o encoraja a ganhar tempo. A chanceler Angela Merkel terá um ano eleitoral pela frente e reluta em voltar ao parlamento em Berlim para defender outro programa de resgate impopular da zona do euro.

A divisão entre Berlim e Paris sobre a Espanha reflete divisões mais amplas e fundamentais sobre políticas para enfrentar a crise da dívida soberana. Duas grandes mudanças em meses recentes trouxeram algum alívio, dando aos líderes tempo para definir ações mais substantivas.

Em junho, a cúpula da União Europeia declarou que a política deveria focar na quebra do círculo vicioso entre os bancos vulneráveis e a dívida soberana, que causam uma espiral de dívida cada vez maior. Com este objetivo, a UE decidiu usar os fundos de resgate da zona do euro para recapitalizar os bancos mais fracos, sem somar a dívida ao orçamentos dos Estados.

A segunda grande medida veio do Banco Central Europeu, que no início deste mês anunciou uma nova política de intervenção ilimitada nos mercados para comprar papéis fracos dos governos.

Nunca houve forte consenso, em junho, para emprestar diretamente aos bancos fracos e o objetivo fracassou na terça-feira quando os três credores AAA da zona do euro, Alemanha, Holanda e Finlândia, divulgaram uma nota surpresa declarando que os fundos de resgate para recapitalizar bancos diretamente só poderiam ser usados como último recurso, que a política era uma opção de longo prazo e que não poderia se aplicada a legados pré-existentes, como os da Espanha e Irlanda, que tinham suas esperanças ligadas ao cumprimento do acordo. A recapitalização direta dos bancos foi congelada antes mesmo de começar.

Na quarta-feira, a Comissão Europeia criticou a mudança dos três países, insistindo que a política acordada em junho deveria ser implementada prontamente. “Nossa posição sobre a quebra do círculo vicioso entre os bancos e a dívida soberana é clara… Deveria acontecer rapidamente”, disse o porta-voz do banco Olivier Bailly.

Ao concordar com empréstimos diretos a bancos em junho, Berlim tinha exigido que primeiro deveria haver um novo regime no BCE para supervisionar os bancos da zona do euro. A comissão desenhou legislação complexa em menos de três meses. Berlim agora reluta, adiando o novo regime e insistindo que ele não deverá policiar a maior parte dos bancos alemães.

Num contraste claro, o ministro francês para a Europa, Bernard Cazeneuve, disse esta semana em Bruxelas que o novo regime de supervisão bancária deve ser instalado urgentemente.

PS do Viomundo: Algumas coisas nos chamam a atenção. O tratamento dos mercados como entes humanizados, plenos de emoções. O tratamento dos humanos (como em ‘desemprego’, por exemplo) como desumanizados, que criam problemas. O resgate aos bancos é visto como solução natural, óbvia, sobre a qual não se deve discutir. A austeridade, que castiga milhões, também é vista como solução natural para problemas que não foram criados pelos milhões agora penalizados.

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