Rolin: “Gastaram R$ 21 mil no meu cartão. Compraram um Macbook para o Capilé”

Tempo de leitura: 7 min

Fora do eixo: Artistas sem pagamento em casa remunerada

por Lino Bocchini e Piero Locatelli, em CartaCapital 

Na esteira dos protestos de junho, a Mídia Ninja emergiu como uma novidade instigante, um novo modelo de jornalismo. A concepção é simples e barata: por meio de celulares, os repórteres ninjas transmitem pela internet as imagens dos acontecimentos. Não há texto nem edição, apenas os vídeos em estado bruto em transmissões que facilmente duram seis horas. Na página do grupo no Facebook, há ainda fotos dos atos.

O sucesso repentino tornou-se, porém, uma fonte de dor de cabeça. Tudo começou com a presença de dois de seus expoentes no Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura, em 5 de agosto. O jornalista paulistano Bruno Torturra, até então, era a única face do Mídia Ninja, acrônimo de “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”. A novidade foi a presença de Pablo Capilé, criador do coletivo Fora do Eixo, guru de uma nova forma de ativismo. Ficou clara a ligação umbilical dos dois (Ninja e Fora do Eixo), antes praticamente desconhecida.

Por que essa relação virou alvo de tantas críticas? Em pequenos círculos, não é de hoje, corriam acusações contra o movimento. A exposição de Capilé amplificou as acusações nas redes sociais, espaço de excelência do grupo. Nos últimos dias, CartaCapital ouviu oito ex-integrantes e debruçou-se sobre a estrutura organizacional do coletivo.

Metade deixou-se identificar. Os demais preferiram não ter seus nomes citados, por medo de represálias, mas confirmam as informações dos ex-colegas. Emergem da apuração um aglomerado controverso, acusações de estelionato, dominação psicológica e ameaças.

Nas casas, os integrantes dividem quartos, dinheiro, comida e roupas. E estão submetidos ao “processo” do Fora do Eixo. “Primeiro te isolam. Proíbem de sair na rua ´sem motivo´, impedem de encontrar amigos ou estabelecer qualquer contato com pessoas de fora. Depois, vem a apropriação de toda a sua produção. O cara sai sem grana, sem portfólio e distante dos amigos antigos. Sem apoio psicológico ou da família, vai demorar a se restabelecer social e profissionalmente”, diz o fotógrafo Rafael Rolim, 29 anos, 3 deles na organização, em contato direto com Capilé. Rolim e os demais integrantes ouvidos pela revista endossam o depoimento da ex-integrante Laís Bellini, postado nas redes sociais.

A cineasta Beatriz Seigner foi a primeira a criticar o coletivo. Em texto postado no Facebook dois dias após o Roda Viva, diz, entre outros pontos, que o Fora do Eixo rompeu acordos e não lhe pagou por exibições de seu filme. Escreveu ainda sobre o volume de trabalho dos integrantes, que não teriam direito à vida pessoal ou diversão. Se disse ainda impressionada com a devoção à figura de Capilé. E comentou a repercussão: “Chegaram centenas de mensagens de coletivos e artistas do Brasil todo agradecendo o desmonte da rede. Estou aliviada”.

No dia seguinte foi a vez de Laís Bellini. Segunda ex-integrante a se manifestar, seu longo relato é considerado por outros ex-membros o mais completo e fiel retrato do dia-a-dia do coletivo. Laís descreve uma estrutura radicalmente rígida e verticalizada, baseada em forte dominação psicológica. Para exemplificar, revela que foi afastada de um amigo antigo que vivia sob o mesmo teto – “Disseram: ´Laís, o Gabriel era seu amigo lá em Bauru. Aqui vocês não têm que ficar de conversa. Aqui dentro vocês não são amigos”.

Laís revelou ainda o “choque-pesadelo”, prática que consiste em por uma pessoa na sala e “quebrá-la” moralmente, aos berros; a moça narrou ainda que a cúpula controla horários e saídas à rua e que o trabalho é extenuante e sem folga nem aos domingos. São vigiados até bate-papos no Facebook ou Gtalk. Laís está em meio a uma longa viagem pela América Latina, sem data pra voltar. A distância, diz, lhe deu coragem para falar. “Quando postei, tirei toneladas do ombro e comecei a chorar. Tomei coragem para dizer o que muitos têm medo mas que todos sabem que é verdade”.

Um dos pontos levantados pelos entrevistados é o uso dos integrantes como uma espécie de isca sexual, o chamado Catar e Cooptar. “Há reuniões na cúpula para definir quem vai dar em cima de você e te fisgar pra dentro da rede”, afirma Laís.

O designer Alejandro Vargas, que morou por 3 anos na Casa Fortaleza, dá mais detalhes: “Numa viagem rolou um papo que ‘deveria ficar ali’, sobre ‘fazer a entrega para a rede’. Diziam: ‘tem o cara ou menina mais feios, mas que trampam muito’ e tem aqueles com ‘mais chances de ter relações’. Tem que fazer a entrega para alimentar o estímulo de quem é menos provido de beleza, inclusive de fora da rede, para trazer para dentro”.

Rolim acrescenta: “‘Catar e Cooptar’ é o termo usado pelo Pablo, com todas as letras e constantemente. Eu mesmo fui proibido por ele de me aproximar de uma pessoa com quem tinha afinidade porque, ‘para o processo’, eu deveria estar solteiro, eu era uma boa ‘isca’.

Relações espontâneas entre dois integrantes, por amor, também não são bem vistas. Casais assim são pressionados a desmanchar, e é proibido ter relações com pessoas de fora da rede, a não ser por ordem superior. Capilé nega a prática. “As relações afetivas não são determinadas por regras do movimento, mas construídas por cada indivíduo, a partir dos desejos de cada um.”

O Fora do Eixo nasceu em 2005, e seu nome faz menção ao fato de a iniciativa ter começado em centros distantes de São Paulo e do Rio. Capilé é de Cuiabá. Do Mato Grosso, o coletivo expandiu-se para Uberlândia (MG) e Rio Branco (AC), e dali para outras cidades. A relação com os artistas funciona assim: uma banda iniciante entra na programação de eventos culturais do grupo e faz shows em algumas cidades. Não paga passagem, hospedagem e alimentação (fica nas casas Fora do Eixo). Em contrapartida, não recebe cachê. O dinheiro arrecadado com suas apresentações financia o movimento.

Capilé e seus apoiadores calculam 2000 integrantes, mas o Fora do Eixo se resume a sete casas (São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Belém e Porto Velho), onde vivem em média dez ativistas, ou seja, cerca de 70 no total. Há ainda algumas casas de coletivos parceiros, como em Bauru e São Carlos. Quando se soma os agregados, na estimativa mais otimista, a organização tem hoje 200 participantes.

Oficialmente, o financiamento é baseado em shows e editais do governo ou de empresas estatais e privadas. Existe, no entanto, uma terceira fonte significativa: a apropriação de dinheiro e bens particulares de colaboradores. “Solicitaram um cartão de crédito que eu tinha em conjunto com meus pais para comprar passagens. Como a confiança era total, fui induzido a compartilhar a senha. Em um mês e meio gastaram 21 mil reais no meu cartão. Compraram um Macbook Pro novo para o Capilé, o que só soube quando a fatura chegou”, lamenta Rolim.

Vargas acrescenta: “É prática cotidiana a utilização dos cartões de quem mora nas casas. E como não tínhamos salário, logo a dívida do cartão entrou no SPC e na Serasa, e até hoje tenho o nome sujo”.

Laís, por sua vez, saiu com uma dívida de 5 mil reais. O FdE nega a prática de apropriação, mas reconhece o uso de dinheiro e automóveis dos integrantes. “A destinação de seus bens para o uso do processo é um ato livre. Se você tem um carro e vem para uma casa, é natural que este carro seja usado. Se você tem um cartão de credito e quer disponibilizá-lo para ações da rede, a mesma coisa”. Na última segunda-feira 12 o coletivo lançou um “portal de transparência”, mas não menciona o uso sistemático do dinheiro e bens dos integrantes.

O livro de cabeceira de Capilé é uma pista para entender como ele comanda o grupo. 48 Leis do Poder, lançado em 2000 no Brasil pela editora Rocco, é direcionado a empresários e traz dicas como “faça com que as pessoas venham até você: use uma isca, se necessário” e “faça com que os outros trabalhem para você, mas leve sempre o crédito”. Outra pista, esta fornecida por Laís, é a proibição de se assistir nas casas o vídeo Controle Mental – Como se Tornar um Líder de Culto.

Capilé criou um reino particular a partir de “simulacros” do mundo real. A contabilidade virou “Banco FdE”. Eventos com debates formam uma “Universidade FdE”. Viagens viram “colunas”. O lobby político é o “Partido da Cultura”. E a comunicação tornou-se “Mídia Ninja”.

Aos 34 anos, Capilé dedica-se intensamente ao movimento. Dorme pouco, alimenta-se mal e fuma muito. Viaja tanto que, não raro, cumpre agenda em três cidades em um mesmo dia. Está sempre desconfiado e conectado, e com baterias reservas. E é dono de uma retórica eloquente e messiânica.

Há um claro projeto político, e o coletivo não deixa de exercer sua influência. O Fora do Eixo teve peso na indicação, entre outros, do secretário municipal de cultura de São Paulo, Juca Ferreira, do subsecretário estadual de cultura do Rio Grande do Sul, Jéferson Assumção, do secretário estadual de educação do Acre, Daniel Zen, e de três dos secretários municipais de Porto Velho.

A organização não discrimina espectro ideológico. Sua ampliação em Cuiabá se deu sob as asas do PSDB, quando ganhou verbas públicas na gestão de Wilson Santos na prefeitura. Nas eleições do ano passado, apoiaram o petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo e Mauro Zariff, atual prefeito de Porto Velho, do PSB. O senador mais próximo do grupo é Randolfe Rodrigues, do Psol. A respeito, o FdE disse não acreditar em política de governo, mas “em políticas de estado.”

A nova aposta é a Rede de Marina Silva. O coletivo esteve no lançamento da legenda em Brasília, e Torturra afirmou no Roda Viva ser marinista. Caso o partido consiga registro no Tribunal Superior Eleitoral, o plano de Capilé é lançar Torturra candidato a deputado federal pela Rede em 2014. “Ele é o nosso homem com rejeição zero”, afirmou o cuiabano em mais de uma ocasião.

A relação do Fora do Eixo com parte da esquerda e dos movimentos sociais tem sido atribulada, desde antes da criação da Mídia Ninja. Alguns grupos fazem duras críticas aos ativistas por despolitizar manifestações, ao trocar causas concretas por slogans genéricos. Entre os grupos que tiveram embates com o Fora do Eixo estão Mães de Maio, o Movimento Passe Livre, o Desentorpecendo a Razão, os moradores da Favela do Moinho e o Cordão da Mentira.

Capilé costuma negar que o coletivo e a Mídia Ninja sejam a mesma coisa, mas quem esteve nas casas reafirma os laços entre os dois. “O projeto nasce e vive no Fora do Eixo, segue a mesma estrutura, tem as mesmas hierarquias e cargos. Mas tem outro nome, para evitar a rejeição que o FdE provoca. Mas quem dá o OK são as mesmas pessoas que dão OK em tudo no Fora do Eixo, e quem vai para rua cobrir são moradores das casas ou colaboradores do FdE”, esclarece Gabriel Zambon, coordenador do Ninja em Belo Horizonte até maio último.

Mesmo antes da recente leva de críticas, estava em curso um esforço para desvincular os dois. Capilé segue, contudo, confiante no poder de sedução de sua retórica e do mundo que criou. E vive a repetir: “para cada um que sai do Fora do Eixo tem dez querendo entrar”.

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Érica Batista

Tá dificil demais dizer que o Capilé é um lord inglês. Danou-se tudo.

helena

Mídia Ninja surge para os mortais comuns, preocupados com o país e,portanto, conectados com as manifestações de junho/julho/e até agosto/em seguida setembro?..numa sociedade brasileira gelatinosa, “a geléia geral brasileira que o jornal do brasil anuncia” em que os únicos corpos vivos pareciam ser as grandes emissoras de TV, especialmente a rede Globo, os grandes jornais, (especialmente FSP, Estadão, O globo), as revistas semanais (especialmente Veja) instituições do Estado (especialmente as polícias militares, o STF, o Congresso e o governo federal). Nenhuma política parecia ocorrer fora desses digamos assim, espaços tradicionais da política, esses paraísos artificiais da política alguém já usou essa expressão. Os movimentos de rua e a intensa atividade do mundo virtual, nas redes sociais e na blogosfera, sem falar nos emails trouxeram outros sujeitos para a política, para balançar essa gelatina que agrada a muito pouca gente e não destrava a economia, a política e cultura no Brasil. Entre eles a interessante expressão da mídia relativamente barata e direta, produzida no interior mesmo dos movimentos, das manifestações, dos quebra-quebra e do pugilato entre polícia e manifestantes da mais variada natureza. Produziram imagens importantes e permitiram elementos para uma compreensão mais apropriada do que estava acontecendo. Sem as imagens da Ninja seria impossível perceber as provocações das próprias forças da ordem, a ação dos P2 e muitas outras cenas, que a tv partidarizada, de direita, no Brasil, jamais exibiria. A expressão midiática dos movimentos (como aquele vídeo em que os manifestantes desmontam uma armação da rede globo, que colocou e filmou um cartaz na mão de um bêbado na passeata da CUT, para desmoralizar a paralização dos sindicatos, em 11 de julho). Sem imagens como essas, o movimento estaria mais facilmente manipulável, as imagens das redes de TV, cuidadosamente editadas para construir um discurso político, que interessa unicamente à direita e a sua extrema — pois é, gostaríamos que tivessem deixado de existir, mas continuam aí e com os projetos de sempre. O que chama a atenção, depois da fase mais quente dos movimentos (de junho?, do inverno?, de meados ao fim de 2013?, do “memorável ano de 2013”?, quem será capaz de afirmar com segurança? Qualquer cairota coçaria o queixo, cético),é que na análise da produção midiática desses sujeitos, os únicos expressando o interior dos movimentos sociais recentes, essas imagens deixam de ser referência e o que passa a preocupar os analistas são o Fora do Eixo, suas fontes de renda, suas formas de vida, seus modos de ser, mas tudo isso separado do que fizeram vir a tona — as inéditas imagens que produziram, e que já se tornaram históricas, concordemos com a perspectiva de seus autores, ou não. As fontes para o entendimento do que ocorreu/está acontecendo no Brasil, depois de tanto tempo de interdição das ruas pelo “direito de ir e vir” e pela violência da polícia militarizada no Brasil, cujo exemplo mais nítico (mais não único e definitivo, enquanto a sociedade brasileira não enfrentar a questão urgente da desmilitarização da vida política e social, herança de ditadura que, junto com a tortura e os desaparecimentos continuam, como se os democratas nada tivessem a ver com isso. Tudo bem que se traga a discussão sobre Capilé, de quem vi e ouvi falar pela primeira vez na entrevista do Roda Viva, do mesmo modo como os mortais dos brasileiros que vêem diariamente a TV só souberam do rapaz e da moça do Movimento Passe Livre naquele mesmo espaço (por que será?). Tudo bem que se discuta os autores, mas sempre será parcial – e talvez mal intencionada, se desconectarmos os autores de suas obras, sendo estas últimas muito mais relevantes para a análise.

    Fábio

    Assemelha-se a Opus Dei.

Gerson Carneiro

O Capilé tá ficando mais rico que o filho do Lula.

Gerson Carneiro

Eu quero um computador igual ao do Capilé.

Pedro Henrique Lewandovsky

Que pessoa brilhante…usando cartão de crédito…dos outros…é essa a fonte de renda da Família Manson?

Hipocrisia?

Êta mundo conectado…o Herói vira vilão cada vez mais cedo…

Deveria esperar por isso…vai dizer que é mentira agora? Ser político?

Que revolução…pra quem não entende a conveniência…

Gerson Carneiro

Capilé é o novo Jim Jones.

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