Fifa, cadê a íntegra do chute inaugural da Copa do Mundo que ocultou?
Tempo de leitura: 6 min
Por Conceição Lemes
No último sábado 14, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou junto com presidenta Dilma Rousseff da plenária PT de Pernambuco, em Recife.
Em seu discurso, Lula, visivelmente indignado (veja o vídeo abaixo), lamentou que os organizadores da Copa do Mundo não tenham valorizado o chute inaugural do evento dado pelo jovem paraplégico Juliano Pinto, “vestindo” uma roupa robótica (exoesqueleto).
Após salientar “essa coisa fantástica” que o professor Miguel Nicolelis, líder do Projeto Andar de Novo, conseguiu fazer, Lula, dirigindo-se à presidenta, foi contundente:
Essa coisa, Dilma, era para ser feita no centro do estádio, antes do pontapé do jogo. Eu até imaginava você entrando com o companheiro doente para dar o pontapé. Porque era para mostrar que o Brasil não é um país de segunda categoria. Este país grande e poderoso.
Pois bem, eu falei com o Nicolelis agora por telefone, Dilma. A imagem não foi liberada pela Fifa ainda. E só permitiram filmar 29 segundos. Se fosse uma Copa na Alemanha ou uma Copa na França, isso teria tido mais destaque que o próprio jogo de futebol, porque era para enaltecer o país.
Mas, aqui no Brasil, a gente que tem um cientista que pode estar preparado para ganhar o Prêmio Nobel de Ciência, fez uma coisa extraordinária que é um tetraplégico [na realidade, paraplégico] poder se movimentar com um robô e quase que não foi mostrado.
E não foi mostrado para o mundo. Foi mostrado só aqui no Brasil, Dilma, numa demonstração que o complexo de vira-lata ainda domina em muitos setores desse país.
Lula tem razão.
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Aliás, se dependesse da Fifa, o chute do Juliano, usando a roupa robótica, não teria acontecido.
A Fifa colocou percalços e mais percalços. Exigiu até exibição exclusiva no Itaquerão no dia 3 de junho, uma semana antes do evento.
Tanto que, após longa batalha, só concedeu 29 segundos para Nicolelis e sua equipe fazerem a demonstração.
Nem a exibição exclusiva e bem-sucedida para os membros da Fifa e do comitê organizador local – entre os quais Jerome Valcke e Joana Havelange – fez com que aumentassem o tempo da apresentação ou a trouxessem para um local de maior visibilidade no campo, dando o protagonismo que a façanha merece.
Será que baixou a ciumeira nos membros da Fifa e do comitê organizador local, que ficaram com medo que o chute do esqueleto-robô tirasse o brilho daquela abertura chinfrim? Qualquer carnavalesco de escola de samba do Rio de Janeiro do grupo especial teria dado de 1.000 a zero na cerimônia.
Ou será que, por motivos ainda não conhecidos, quiseram tirar o protagonismo do Brasil neste avanço da ciência?
Ou, então, por razões políticas, preferiram não prestigiar o feito de Nicolelis, um eleitor de Dilma, Lula e do PT?
Por que aquele manjado globo/palco de cerca de 300 quilos pôde ficar no centro do gramado sem “estragá-lo” e o exoesqueleto/paciente, pesando 130 quilos, não podia?
O fato é que, dos 29 segundos acordados com a Fifa e o comitê organizador local, apenas 8 segundos foram exibidos na transmissão feita pela Globo, a emissora oficial da Copa.
Decisão da Globo?
Qual o papel da Fifa nisso?
Incompetência ou má fé?
Teria aí o dedo de alguém influente do comitê organizador local?
Imediatamente os adversários de Nicolelis interpretaram o êxito como fracasso.
E o que é mais cruel e desumano: “festejaram” o fracasso que não houve, demonstrando desonestidade intelectual e pequenez absoluta.
O ódio deles é tamanho – no Brasil, são apoiadores do “ei, Dilma, VTNC” – que a perspectiva de essa tecnologia ser a esperança de, no futuro, um paraplégico poder andar de novo é o que menos importa.
Politizaram a ciência, ignorando que todas as iniciativas científicas para tentar devolver movimentos ao corpo humano merecem respeito. Afinal, visam ao bem da humanidade.
Nos próximos meses, os resultados da primeira etapa do Projeto Andar de Novo serão publicados em revistas científicas.
Enquanto isso não acontece, sugiro que leiam o artigo que o insuspeito cientista Francis Collins, diretor do National Institutes of Health (NIH), dos EUA, publicou no dia da abertura da Copa.
Está no Blog do Diretor do NIH. Collins tem nas mãos um orçamento de US$ 38 bilhões. É o maior gestor de ciência biomédica do planeta.

Pesquisa de Neurociências dá chute inicial da Copa do Mundo
Postado em 12 junho de 2014 pelo Dr. Francis Collins, no Blog do Diretor do NIH
Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo pode ver hoje pela primeira vez em ação a pesquisa de vanguarda em neurociência, quando um jovem paraplégico, vestindo um exoesqueleto robótico controlado pelo pensamento, chutou uma bola para o lançamento do Copa Mundial Fifa 2014, na cerimônia de abertura em São Paulo – Brasil.
Ainda que falte muito trabalho para que este ou dispositivos semelhantes se tornem amplamente disponíveis para pessoas com paralisia, o momento de hoje fornece uma visão inspiradora de apenas uma das muitas coisas que podem ser alcançadas quando a ciência recebe suporte financeiro a longo prazo.
De fato, o debut dramático deste exoesqueleto robótico está fundamentado em mais de 20 anos de estudos científicos, incluindo pesquisa básica apoiada pelo NIH e pesquisa clínica financiada pelo governo brasileiro.
O líder da equipe, Miguel Nicolelis, o brasileiro que co-dirige o Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, em Durham, Carolina do Norte, vem trabalhando na interface cérebro-máquina em vários modelos animais há décadas [1].
Em um experimento pioneiro que envolve um macaco equipado com sensores cerebrais que enviaram comandos em tempo real associados com movimentos da perna, Nicolelis mostrou que o animal poderia estimular um robô controlado por computador localizado a milhares de quilômetros de distância a andar, simplesmente pensando em andar [2].
Agora, Nicolelis mostrou que uma façanha similar é possível com seres humanos, usando um sistema de exoesqueleto robótico construído em conjunto com colegas alemães que fazem parte da organização sem fins lucrativos, o Projeto Andar de Novo.
A pessoa paralisada usa um boné especial que contém eletrodos que leem as suas ondas cerebrais.
Para mover o exoesqueleto de plástico e alumínio, a pessoa precisa imaginar que está fazendo realmente cada fase de seus movimentos desejados. Por exemplo, “começar a andar”, “vire à direita”, “chutar a bola”, “sentar-se”, e assim por diante.
Esses sinais cerebrais são enviados a um computador – fica dentro de uma mochila usada pela pessoa –, onde são convertidos para comandos que controlam o exoesqueleto.
Para ajudar os usuários a manter o equilíbrio, o exoesqueleto é equipado com giroscópios internos de estabilização.
Além disso, para ajustar os seus movimentos, o exoesqueleto apresenta sensores de “pele artificial” em seus pés que captam várias sensações que são transmitidas como vibrações para os braços da pessoa.
Isso cria um ciclo de feedback que as pessoas com paraplegia relatam que a fazem sentir como se estivessem andando, ao invés de serem movidas por uma máquina.
(Nota: Embora as pessoas com paraplegia não possam mover as pernas, elas podem mover os seus braços. Tetraplégicos sofrem de lesões ainda maiores na medula espinhal, e não têm a capacidade de mover os braços e as pernas).
No sistema de interface cérebro-máquina usado na cerimônia de Copa do Mundo, a mochila contém equipamentos hidráulicos com baterias suficientes para abastecer o exoesqueleto durante um par de horas. Ao computador, acrescenta-se um equipamento colossal de 60 libras (aproximadamente 30 kg). Mas isso não é tão ruim quanto parece, porque o peso é suportado pela estrutura do exoesqueleto, e não pela pessoa que o usa.
Este desenvolvimento dramático deve servir de encorajamento para as pessoas que vivem com paralisia, estimadas em 6 milhões só nos Estados Unidos.
Ainda assim, temos de ser realistas em nossas expectativas. Tão convincente quanto a demonstração de hoje possa ter sido, ela foi apenas uma prova de conceito.
Os exoesqueletos robóticos estão nos primeiros estágios de desenvolvimento. Os cientistas precisam aperfeiçoar seus projetos e testá-los em mais pessoas, e eles precisam analisar e publicar a enorme quantidade de dados que eles já se reuniram.
Eu me encontrei com Nicolelis e sua equipe e visitei o laboratório de Projeto Andar de Novo em São Paulo há apenas duas semanas.
Eu assisti dois paraplégicos em fase final de treinamento para o grande dia. A atmosfera (e a tecnologia) foi eletrizante!
Nicolelis, vencedor do prêmio NIH Director’s Pioneer de 2010, referiu-se ao pontapé inicial da Copa do Mundo como seu “moonshot” (vôo à lua).
Nós dois, porém, concordamos que para os futuros avanços da investigação nesta área será necessário um entendimento ainda mais rico de como os circuitos no cérebro realizam a sua notável variedade de atividades sofisticadas.
E, desde a semana passada, nós temos um novo modelo para esse esforço — um Grupo de Trabalho distinto do meu Comitê Assessor entregou um ousado e inspirador plano de dez anos para o componente do NIH da Iniciativa BRAIN (Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies – Pesquisa no Cérebro através do Avanço de Neurotecnologias Inovadoras).
Eu vou ter mais a dizer sobre isso em futuros posts, mas você pode dar já agora dar uma olhada no relatório.
Referências:
[1] Learning to control a brain-machine interface for reaching and grasping by primates. Carmena JM, Lebedev MA, Crist RE, O’Doherty JE, Santucci DM, Dimitrov DF, Patil PG, Henriquez CS, Nicolelis MA. PLoS Biol. 2003 Nov;1(2):E42. Epub 2003 Oct 13.
[2] Mind Control Monkey Moves Robot in Japan. (YouTube video)
A propósito. Artigo de Nicolelis e equipe é capa da Nature Method do mês de junho — Gravações sem fio da atividade cerebral em em macacos — Wireless brain recordings in monkeys –– .
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