Marcha que Trump denuncia como “invasão” pode ser sintoma do aquecimento global

Tempo de leitura: 4 min
Spc. Zayid Ballesteros

Azenha,

Uma marcha de imigrantes, a violência na América Central e o aquecimento global parecem ter se unido em prol do teatro político de Donald Trump.

Uma das manchetes do jornal britânico Guardian me fez pensar em um documento ao qual tive acesso faz bem uns dez anos.

O jornal, agora, fala como a mudança do padrão climático está expulsando do campo milhares de pessoas em Honduras, El Salvador e Nicarágua e que este seria o verdadeiro motivo da formação dessa caravana de imigrantes que está se deslocando rumo à fronteira do México com os Estados Unidos em busca de sobrevivência.

Lá pelos idos de 2008 ou 2009 eu li um documento sobre a formação do Africom, o Comando Militar Americano na África.

Ele foi criado em 2007 e entrou em ação em 2008, com sede em Stuttgart, na Alemanha.

Projeto do “saudoso” Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, o Africom foi aprovado pelo então presidente George Bush e cobre a África toda, com exceção do Egito que continua monitorado pelo Comando do Oriente Médio.

O Africom está completando dez anos neste mês de outubro e até hoje a base do programa continua sediada na Europa.

Os americanos não conseguiram convencer país algum do continente a se tornar a nova sede do Africom.

Uma herança de Muammar Gaddafi, que articulou um bocado com os colegas de continente para evitar a entrada pesada dos milicos americanos.

Voltando ao documento que recomendava a criação do Africom, ele ressaltava a importância de militarizar especialmente o norte da África, por conta do interesse nas riquezas do continente e para, entre outras coisas, conter a onda de migração que se previa para um futuro ainda distante, provocada pela desertificação de áreas cultiváveis.

Aparentemente, esse processo começou primeiro do lado de cá do planeta.

Segundo o Banco Mundial, o avanço do termômetro vai forçar cerca de 3,9 milhões de pessoas a deixarem suas terras na América Central nos próximos 30 anos.

Confesso que fico sempre embatucada com esses números… 3,9 milhões. Não seriam 4 milhões? Ou 3 milhões e quinhentos?

Adoraria saber como chegam a esses números. Mas ao que tudo indica, essa movimentação de gente desesperada por trabalho e por comida já começou.

Será que é totalmente espontânea? Justamente nas vésperas de uma votação importante aqui nos Estados Unidos?

Eu sei… essa mania de ver conspiração por todo lado. Mas quantas teorias e desconfianças acabaram confirmadas com o tempo?

Bem alguns estudiosos falam em motivos mais do que concretos para esse deslocamento de tantas famílias.

Segundo Robert Albro, pesquisador do Centro de Estudos Latino Americanos da American University, em Washington, o aquecimento global é a principal causa da migração de agricultores centro americanos.

Alguns citam a seca dos últimos anos. Outros não. Vários falam da violência das gangues, do tráfico de drogas. Mas a fome é o denominador comum. A chamada insegurança alimentar.

Se a família se garantia com uns pés de milho e um pouco de feijão que plantava no terreno pequeno, em nos fundos da casa, hoje não consegue mais porque foi impossível colher algo nos últimos dois anos.

A temperatura subiu, as chuvas desapareceram, a terra ficou seca.

Daí os cerca de 7 mil (ninguém sabe quantos são de fato) homens, mulheres e crianças que se deslocam em dois grupos separados, rumo à promessa de emprego no norte.

Era tudo que Donald Trump podia pedir aos deuses em véspera de eleição.

Na terça-feira que vem os americanos vão renovar parte da câmara, do senado e vão escolher alguns governadores.

Uma eleição que se tornou um referendo sobre Trump. Ele arregaçou as mangas e está viajando de um comício a outro.

Na verdade, a sensação que a gente tem aqui é de que ele nunca encerrou a campanha. E foi justamente o discurso anti-imigrante que garantiu a vitória de Trump nas urnas.

Aos gritos de “build the wall” (construa o muro), os eleitores republicanos levaram Trump à Casa Branca.

E ele tenta de tudo, agora, para manter o assunto na pauta como forma de garantir uma votação para os republicanos e assegurar ao partido a manutenção da maioria no Congresso.

A retórica se tornou mais radical nos últimos dias. As rádios da ultra direita repetem o vocabulário que o presidente lançou nas mídias sociais: “invasão”.

Dia e noite, Trump martela, e a imprensa de direita repete, que o país está a ponto de ser invadido por uma horda de bandidos.

Ele chegou até a dizer que entre eles deve haver vários terroristas muçulmanos. Os comícios pegam fogo.

O povo grita pedindo que ele construa logo o muro na fronteira. Por hora, ele está erguendo um muro de gente, com armas e fardas.

O governo anunciou o envio de mais de 5.000 soldados para a fronteira. É uma mobilização sem precedentes.

Incansável nas mensagens exaltadas, Trump gritou nas redes sociais: “Voltem para casa. Isso é uma invasão do nosso país e o nosso exército está esperando por vocês! ”.

O tom é tão exagerado e a retórica tão desproporcional aos fatos que até um jornalista da Fox News (aquela que está sempre dando uma mãozinha ao presidente) discordou dos colegas no ar.

Shepard Smith disse que a expressão “invasores” está sendo usada com fins políticos, por causa das eleições na terça-feira. E destacou que os centro-americanos terão que caminhar, no mínimo, outros dois meses para chegar aos Esados Unidos.

“Se chegarem”, afirmou.

O assunto só não dominou o noticiário completamente porque a realidade atropelou os planos teatrais de Donald Trump.

Nos últimos dias o país foi sacudido pela multiplicação de cartas bomba enviadas a vários políticos do partido democrata, empresários que patrocinam causas liberais, críticos de Trump e a rede CNN.

O americano, autor das ameaças, foi preso. Mas em seguida um outro americano invadiu uma sinagoga armado e matou onze pessoas.

Ele também está preso e o público acompanha o indiciamento dos dois. Mas na salada em que as redes sociais se transformaram, um mais um vira três num minuto.

Os homens brancos, americanos, que aterrorizaram seus compatriotas logo são mesclados ao clima geral de insegurança promovido pelo presidente com a ajuda de imagens de milhares a caminho de alguma solução para a sobrevivência.

Os eleitores que já estão com Trump faz tempo, não vão mudar de ideia.

Resta saber como estão digerindo tudo isso os outros, os indecisos, os que definem o resultado das urnas.

Na terça-feira que vem eles podem dar mais um sim ao magnata de Nova York ou podem ir às urnas para montar um congresso que se oponha um pouco mais ao presidente.

No partido democrata, são várias as candidaturas mais à esquerda do que o establishment gostaria. E vários professores também estão no páreo.

Cansados de exigir melhorias no ensino público, eles decidiriam concorrer para brigar por mudanças dentro do legislativo.

Muitos deles têm um ou até dois empregos, além da sala de aula, para pagar as contas.

Essas candidaturas eu vou acompanhar de perto, e depois te conto no que deu.

Bj


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Comentários

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Edgar Rocha

Adoro a forma como a Heloisa Villela conta as coisas. É notícia e da boa, com informações, contextualizações, enfim, tudo que necessitamos. Ao mesmo tempo, expõe seu poder de análise sem ferir nossa liberdade de pensar sobre o assunto.
Com todo o respeito e levando em conta suas informações adicionais (meu Deus, nunca tinha ouvido falar nesse absurdo chamado Africom! Obrigado por isto.), creio que não se possa desconsiderar a força da violência nestes países. Pelo que sei, são nações que perderam suas democracias mais uma vez, ao mesmo tempo em que o crime organizado expandiu-se de forma incontrolável, sobretudo pra cima dos mais pobres. Alguma semelhança com o Brasil? Por enquanto, a esperança da classe média de que o coiso vai botar nossa nisso tudo aí, não nos fez sentir as consequências da mistura de um ditador e o crime muitíssimo bem organizado. É pólvora pura!!! Considerando o poder de fogo aparentemente muito maior do PCC que outras máfias da América Latina e sua potencial capacidade de “salvar-geral” quando bem entender, é provável que uma “Pax” ao estilo vitorioso produzido no Tucanistão venha a se estender a todo o território nacional.
Podemos imaginar que a discussão dos termos e a divisão do butim sejam coisas difíceis de se discutir, dada a avidez por poder e grana de ambos os lados. Mas, não acho impossível que se costure um entendimento entre as duas quadrilhas. Se isto ocorrer, ai de nós! De nós todos, mesmo! Opositores, classe média, setor produtivo, pobres, pretos, favelados, imprensa… todo mundo escutará o mantra do crime “Perdeu, otário!” Perdeu a terra, perdeu, a voz, perdeu o dinheiro, perdeu a vida!
Se a mãe natureza decidir dar uma forcinha, não vai ter clima pra ninguém em Pindorama que não seja militar ou miliciano.
Mesmo assim, talvez seja a mão de Deus mostrando o caminho. Nada como uma invasão bárbara pra derrubar um império.
Melhor ficarmos de olho na América Central e pesar com exatidão as razões para o segundo êxodo maia.

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