Mário Scheffer e Caio Rosenthal, sobre Aids no Brasil: Hora de recuperar o tempo perdido com o fundamentalismo

Tempo de leitura: 2 min
Ilustração: Unaids

Aids no Brasil: hora de recuperar o tempo perdido

Fundamentalismo que tanto atrasou luta contra a doença deve ficar para trás

Por Mário Scheffer e Caio Rosenthal*, na Folha de S. Paulo

O governo Bolsonaro fez o Brasil perder tempo na luta contra a Aids, paralisia que não pode ser creditada somente às dificuldades do sistema de saúde durante a pandemia de covid-19.

Fato grave, o descuido na notificação de infecções pelo HIV passa agora a falsa ideia de queda nos números da Aids no país. Mas esse não é o maior dos problemas.

Enquanto a PEC da transição não for aprovada, o que se vê no orçamento federal de 2023 são apenas R$ 1,9 bilhão para enfrentar a Aids, demais infecções sexualmente transmissíveis, hepatites, tuberculose e hanseníase, cujas áreas técnicas foram amontoadas em um mesmo departamento do Ministério da Saúde.

Somente na compra de medicamentos para pacientes com HIV o governo federal gastou R$ 1,7 bilhão em 2021, além de R$ 62,9 milhões em preservativos. Ou seja: faltaria dinheiro no ano que vem.

Os ministros da saúde de Bolsonaro tinham total conhecimento do alarmante aumento do HIV entre jovens de 15 a 24 anos e gestantes, mas nada fizeram. Abandonaram as campanhas de prevenção e permitiram o desabastecimento de testes rápidos para HIV e sífilis.

Por quatro anos, negligenciaram as populações desproporcionalmente afetadas pela Aids, que enfrentam barreiras para acessar serviços de saúde, prevenção e cuidados, sendo o estigma a maior delas.

Nesta terça (29) o Programa das Nações Unidas sobre HIV considerou não ser mais viável a meta de acabar com a epidemia da Aids até 2030.

O Brasil, quem diria, hoje contribui para essa frustração mundial.

Mais de 1 milhão de brasileiros com Aids e mais de 360 mil mortes devido à doença, desde os anos 1980, deram motivos para muita dor e lamento.

Com a acertada política do SUS, de oferta de tratamento e prevenção eficazes, houve rápida desaceleração da epidemia – que, no entanto, estacionou no elevado patamar de 37 mil novos casos de Aids e 11 mil óbitos, em média, por ano.

Não há como avançar sem a diminuição do grande número de infectados que não sabem sequer da sorologia positiva e sem melhorar a adesão ao tratamento para que todas as pessoas que vivem com HIV possam se beneficiar da supressão viral, reduzindo ao mesmo tempo a transmissão entre parceiros sexuais.

Medidas imediatas podem ser tomadas. Por exemplo, implantar na rede pública a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec, que ampliou o uso da chamada profilaxia pré-exposição (PrEP).

O medicamento para prevenir o HIV passou a ser recomendado para todos os adultos e adolescentes sexualmente ativos com risco aumentado de infecção.

É preciso reverter o boicote à oferta da PrEP, mas também a proibição de materiais educativos em escolas, a censura às questões de gênero, sexualidade e de combate ao racismo e à homofobia.

O fundamentalismo e as alianças conservadoras em prol da governabilidade que tanto atrasaram a luta contra a Aids devem ficar para trás .

*Mário Scheffer é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Caio Rosenthal é médico infectologista.

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Comentários

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Zé Maria

Excerto

“Fato grave, o descuido na notificação de infecções pelo HIV
passa agora a falsa ideia de queda nos números da Aids no país.”

.
Comentário

A Sub-Notificação não apenas da AIDS foi uma Estratégia
usada pelo desgoverno para não investir em Tratamentos,
nem em Medicamentos, nem em Vacinas, nem em nada.

E alguns Governadores Bolsonaristas também adotaram
igual Método, até para não ficarem mal na foto eleitoral.

Aliás, atualmente o Estado da Bahia é o Primeiro a alertar
para o recrudescimento da Pandemia pela Subvariante BQ.1.

http://www.saude.ba.gov.br/2022/11/26/linhagem-bq-1-da-omicron-e-identificada-na-bahia/

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