Médico de Goiás acha que foi demitido por causa de cubanos; chefe diz que não
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Rogério Perillo gosta de tirar fotos com políticos e postar em sua página no Facebook. Acima, ele com o prefeito de Trindade, Jânio Darrot, e outra com o primo em segundo grau, o governador Marconi Perillo
por Conceição Lemes
Os médicos cubanos são o bode expiatório da hora.
Na segunda-feira 26, o médico Rogério Perillo postou na sua página no Facebook:

Ao lado da mensagem, o comentário do amigo Jeremias Araújo (imagem no alto da página), colocando a demissão de Rogério na conta dos médicos cubanos.
Rogério mora em Goiânia, tem 32 anos, formado há seis, cursou a Faculdade de Medicina de Marília, interior de São Paulo. É primo em segundo grau do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).
Em 2 de agosto deste ano, começou a trabalhar no PSF (Programa de Saúde da Família) 307 Valter Correa, em Trindade, município a 18 quilômetros de Goiânia. Na última segunda-feira, 26, foi demitido após briga com uma enfermeira.
“Os médicos cubanos já estão tirando vagas de brasileiros. A minha demissão não foi à toa. Não foi por causa de uma briga com uma enfermeira”, considera Rogério. “Como é que pode: está tudo correndo bem, aí tem uma briga com uma enfermeira e eu sou demitido? Trindade é o local que vai receber mais médicos estrangeiros não só de Goiás, mas do País. Trindade foi contemplado com seis médicos.”
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Rogério alega também ter sido boicotado pelo programa Mais Médicos.
“Eu tentei fazer a minha inscrição de todas as formas. Primeiro, foi dado como inválido o meu CRM. Tenho dois. O de São Paulo e, mais recente, o de Goiás. Foi negado”, conta. “Depois tentei fazer a inscrição com meu CPF. Disseram que o meu CPF não batia com o da Receita Federal. Por isso, eu digo que fui boicotado pelo Mais Médicos.”
Divaldo Rodrigues, chefe do PSF de Trindade, afirma que a demissão de Rogério não tem nada a ver com os médicos cubanos.
“Ele brigou com duas enfermeiras. A Amanda, que trabalha só há um mês no PSF, e com a Cida, que estava ensinando a Amanda. Elas vieram aqui para me contar. Elas xingaram ele, ele xingou elas. E o Zezinho chegou à conclusão de que ele não havia se adaptado”, diz Divaldo. “Mas demissão dele não tem nada a ver com os médicos cubanos. Nós estamos precisando de médicos. Temos nove vagas. Os médicos que vierem serão bem-vindos, sejam cubanos ou não.”
Consultei o Ministério da Saúde para saber quantos médicos do programa irão para Trindade. A previsão é que receberá 12 médicos do Mais Médicos e Goiânia, capital do Estado, 40.
Rogério foi readmitido na mesma segunda-feira à noite. Mas não para trabalhar no PSF 307 Valter Correa. Foi remanejado para outro PSF.
Segue a íntegra da entrevista que fiz com Rogério Perillo.
Viomundo – O que realmente aconteceu?
Rogério Perillo — Nas duas primeiras semanas, me trataram muito bem. Na terceira, comecei a ter uns probleminhas. Foi a partir do dia em que pedi à recepcionista que fizesse um novo prontuário dos pacientes. Os já existentes têm ácaros. E me negaram.
Viomundo – Por favor, explique melhor.
Rogério Perillo – Eu sou muito alérgico. E os ácaros dos prontuários antigos me dão muita alergia. O que eu queria era só anexar uma folha nova ao prontuário antigo. No final do dia, você vai lá e grampeia. E o prontuário fica completinho. Não havia motivo para briga. Mas, a partir daí, começaram a me perseguir, a me tratar mal. Os agentes de saúde fizeram a mesma coisa, como se fosse uma máfia mesmo.
Viomundo – E depois?
Rogério Perillo — Na última segunda-feira, a enfermeira Amanda, que é prima do ex-prefeito Ricardo Fortunatti, do PMDB, estourou comigo na frente dos pacientes.
Ela queria que eu passasse um paciente na frente dos outros. Eu disse que não dava. Os outros chegaram antes – tem paciente que chega lá às 5 da manhã para pegar senha! – e a pessoa ia ter de aguardar.
O paciente estava com cólica nefrética [cólica renal], mas estava bem. Não estava em fase de dor. Ele adentrou no consultório com a mãe, que estava mais alardeada, querendo passar na frente
Aí, eu disse: “Olha, a senhora vai me desculpar. Se realmente acha que o seu filho precisa de cuidado neste instante, a senhora vai levá-lo a um hospital de urgência/emergência, pronto-socorro, porque lá a senhora vai ter o respaldo para quem está realmente com dor”.
A Amanda começou a gritar comigo na frente de todos os pacientes. Disse que eu não quis atender o paciente, que a família dela tem nome na cidade… Eu tive uma discussão rápida com ela e logo encerrei. Continuei, dando atendimento aos pacientes. Nisso, ela ligou para o Zezinho.
Viomundo – Quem é o Zezinho? Qual o nome dele?
Rogério Perillo – Todo mundo na cidade conhece ele por Zezinho. É um subsecretário da Saúde de Trindade.
No mesmo dia, quando terminei as consultas, o Zezinho já estava lá para me demitir. Ele é do PSD, oriundo do PMDB, que é adversário político nosso, aqui no estado de Goiás. Ele tem o poder de contratar médicos, mas quem demite é só o prefeito.
Viomundo — O que ele alegou para te demitir?
Rogério Perillo – Que eu não me adaptei ao contrato. Mesmo assim, pedi para ele me deixar trabalhar, que eu estava fazendo um bom trabalho, que os pacientes gostavam de mim…
Não adiantou. Falei pra ele então: Você não vai me demitir assim, não. Eu sou amigo do prefeito [Jânio Darrot, PSDB] e vou querer falar pessoalmente com ele. Eu disse ainda que ia fazer todo o possível pra derrotá-lo, destruí-lo, mostrar para todo mundo o que ele está fazendo comigo. O Zezinho foi o maior carrasco dessa história toda
Mas como tem uma hierarquia, eu tinha que falar primeiro com o secretário de Saúde, depois com o prefeito. Pedi ao Zezinho para conseguir a audiência para mim com o secretário. Ele disse que eu tinha que conseguir sozinho.
O pessoal acha que, porque eu sou parente do governador, é só ligar pra ele, não é bem assim. O governador tem os compromissos políticos dele e não pode ficar interferindo na vida de primo ou de quem quer que seja. Isso atrapalha, tira voto dele. Eu já sou bem grandinho para resolver os meus problemas.
Viomundo – E, aí?
Rogério Perillo — Fui então ao bar em frente e comecei a explicar aos pacientes o que estava acontecendo, a mulher queria colher assinaturas, fazer abaixo-assinado.
A enfermeira chamou a polícia. Vieram quatro viaturas. Acharam que eu estava perturbando a ordem. Eu mostrei pra eles o que realmente estava acontecendo. Expliquei que os médicos cubanos estão chegando.
Eu fiz um estardalhaço e realmente surtiu efeito. A mídia começou a ligar pra lá. À noite o meu telefone tocou. Era o secretário da Saúde dizendo que a minha demissão tinha sido um grande equívoco, que o Zezinho tinha passado por cima da hierarquia do prefeito. Encheu a minha bola e disse que eu seria readmitido.
Viomundo – Você disse também que foi boicotado no Mais Médicos.
Rogério Perillo — Eu tentei fazer a minha inscrição de todas as formas. Primeiro, foi dado como inválido o meu CRM. Tenho dois. O de São Paulo e mais recentemente de Goiás. Foi negado. Depois tentei fazer com meu CPF. Disseram que o meu CPF não batia com o da Receita Federal. Por isso, eu digo que fui boicotado no Mais Médicos.
Viomundo — Você teme mesmo que os médicos cubanos possam tirar vagas de brasileiros?
Rogério Perillo – Podem, não. Eles já estão fazendo isso. Não foi à toa que houve essa demissão. A minha demissão não foi por causa de uma briga. Com certeza foi porque eles já estão aguardando os médicos cubanos. Trindade é o local que vai receber mais médicos estrangeiros não só de Goiás, mas do País. Trindade foi contemplado com seis médicos.
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