Dr. Doom, a Grécia e o euro: Divórcio doloroso, mas necessário

Tempo de leitura: 4 min

Greece should default and abandon the euro

por Nouriel Roubini*, o Dr. Doom, no Financial Times

A Grécia está emperrada no círculo vicioso da insolvência, da baixa competitividade e do contínuo aprofundamento da depressão. Exacerbada pela austeridade fiscal draconiana, a dívida pública do país está a caminho de representar 200% do PIB. Para escapar, a Grécia precisa dar início a uma moratória ordeira, abandonar voluntariamente o euro e trazer de volta o drachma [moeda nacional].

O recente acordo para trocar a dívida da Grécia oferecido pela Europa foi uma trapaça, que deu muito menos alívio ao país que o necessário. Se você analisar os dados e levar em conta os grandes incentivos do plano dados aos credores, o verdadeiro alívio da dívida grega é próximo de zero. A melhor opção atual do país é rejeitar o acordo e, sob a ameaça de moratória, renegociá-lo em melhores condições.

Ainda assim, mesmo que a Grécia brevemente recebesse um alívio real e significativo de sua dívida pública, não retomaria o crescimento econômico, a não ser que restaurasse sua competitividade rapidamente. E sem a retomada do crescimento, a dívida grega vai continuar insustentável. O problema, no entanto, é que todas as opções que podem restaurar a competividade da economia grega requerem uma depreciação real da moeda.

A primeira destas opções, um profundo enfraquecimento do euro, é improvável enquanto os Estados Unidos estiverem economicamente fracos e a Alemanha super-competitiva. Uma rápida redução dos custos unitários do trabalho, através de reformas estruturais que aumentem a produtividade acima dos salários, também é improvável. A Alemanha levou dez anos para restaurar sua competitividade desta forma; a Grécia não pode esperar uma década em depressão.

A terceira opção é uma rápida deflação dos preços e salários, conhecida como “desvalorização interna”. Mas isso levaria a cinco anos de depressão crescente, o que tornaria a dívida pública ainda mais insustentável.

Logicamente, assim, se estas três opções não são possíveis, o único caminho que resta à Grécia é deixar a zona do euro. O retorno a uma moeda nacional e uma grande desvalorização restaurariam rapidamente a competividade e o crescimento, como aconteceu na Argentina e em vários mercados emergentes que abandonaram o câmbio atrelado.

Naturalmente, este processo será traumático. O problema mais significativo seriam as perdas de capital das instituições financeiros no coração da zona do euro [N.do T.: Que controlam um grande estoque de dívida grega]. Da noite para o dia, as perdas estrangeiras em dívidas do governo, dos bancos e de empresas da Grécia disparariam. Ainda assim, estes problemas poderiam ser superados. A Argentina fez isso em 2001, quando “pesificou” as dívidas em dólar. Os Estados Unidos fizeram algo similar, em 1933, quando depreciaram o dólar em 69% e repeliram o padrão ouro. Uma “drachmasificação” das dívidas em euro seria necessária e inevitável.

Os bancos e investidores da zona do euro também sofreriam grandes perdas no processo, mas estas perdas seriam gerenciáveis — se as instituições forem recapitalizadas adequada e agressivamente. Evitar uma implosão do sistema bancário grego, pós-saída do euro, no entanto, pode infelizmente exigir a imposição de medidas no estilo argentino — como feriados bancários e controle de capital — para evitar consequências sobre as quais não se tenha controle.

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Realisticamente, os danos colaterais vão acontecer, mas poderiam ser limitados se o processo de saída da Grécia da zona do euro fosse controlado e se apoio internacional fosse dado para recapitalizar os bancos gregos e financiar a difícil transição para o equilíbrio fiscal e externo. Há quem argumente que o PIB real da Grécia será muito menor em um cenário de saída da zona do euro do que num cenário de dura desvalorização interna. Mas é uma lógica internamente falsa: o poder real de compra da economia grega e de sua riqueza cairiam de qualquer forma, junto com a desvalorização interna. Através de depreciação real e nominal, a saída da zona do euro vai restaurar crescimento imediatamente, evitando uma deflação depressiva de uma década de duração.

Aqueles que argumentam que o contágio vai puxar outros países para a crise também não querem enxergar a realidade. Outros países periféricos enfrentam problemas com a sustentabilidade de suas dívidas e com a competitividade, no estilo grego; Portugal, por exemplo, pode eventualmente ter de reestruturar sua dívida e deixar o euro.

Economias ilíquidas mas potencialmente solventes, como as da Itália e da Espanha, vão precisar de ajuda da Europa, independentemente da Grécia deixar ou não a zona do euro; na verdade, uma corrida contra a dívida pública da Itália e da Espanha a esta altura é quase certa, se apoio para manter a liquidez não for dado. Os recursos oficiais atualmente  desperdiçados em resgatar os credores privados da Grécia poderiam então ser usados para salvar esses países e os bancos de outros lugares da periferia da Europa.

A saída grega pode trazer benefícios secundários. Outras economias em crise da zona do euro terão a oportunidade de decidir por conta própria se querem ou não seguir a Grécia ou continuar com o euro, com todos os custos da escolha. Independentemente do que fizer a Grécia, os bancos da zona do euro agora precisam de recapitalização rápida. Para isso um novo programa da União Europeia será necessário e não um baseado em estimativas obscuras ou testes-de-stress forjados. A saída da Grécia poderia catalizar esta política.

As experiências recentes da Islândia, assim como as dos países emergentes nos últimos 20 anos, mostram que uma reestruturação ordeira e uma redução da dívida externa pode restaurar a sustentabilidade dos pagamentos, a competitividade e o crescimento. Como naqueles casos, os danos colaterais resultantes da saída da Grécia serão significativos, mas podem ser contidos.

Como num casamento falido que requer divórcio, é melhor que haja regras que tornem a separação menos custosa para os dois lados. Romper e se divorciar é doloroso e custoso, mesmo quando as regras existem. Não se enganem: um saída ordeira do euro será dura. Mas assistir a uma implosão desordenada da economia e da sociedade gregas será muito pior.

*Nouriel Roubini is Chairman of Roubini Global Economics, professor at the Stern School, New York University and co-author of ‘Crisis Economics’. A longer version of this article can be found on the RGE website

Tradução: Luiz Carlos Azenha

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