Ataque ao pré-sal pode desarticular integração do continente à brasileira

Tempo de leitura: 4 min

patria o muerte

O velho slogan ganha atualidade

por Luiz Carlos Azenha

2007. Estados Unidos. Assessores de Barack Obama chegam a flertar com os progressistas da América Latina. Chávez, Evo, Correa, Lula. No programa do candidato a candidato do Partido Democrata, a sugestão de que a distribuição de renda poderia estabilizar a região. Eu morava em Washington, então. 2008. Setembro. Desmorona a Lehman Brothers. Tem início a maior crise econômica internacional desde 1929. George W. Bush transfere o poder a Obama já compromissado com uma trilionária injeção de dinheiro público para salvar os bancos. Mundo louco, o nosso: a direita norte-americana delira quanto o “socialista” Obama salva a General Motors à base do intervencionismo estatal.

Na origem da crise estavam papéis podres, títulos sem lastro, dissociados de riqueza real. Especulação pura e simples. Coisa tão maluca que era possível fazer fortuna apostando na quebra de uma empresa, com a consequente perda de milhares de empregos. CapEtalismo, como brinca um de nossos leitores. Cada transação destas rendia uma fração do dinheiro envolvido aos bancos. Famosas taxas de administração, que resultavam em gordas comissões aos facilitadores.

Detentores da moeda de troca universal, os EUA enfrentaram a crise exportando parte dela através do QE, o chamado Quantitative Easing. Trocando em miúdos, imprimindo dinheiro à vontade e injetando na economia. Foi isso, nada mais do que isso, que sustentou Wall Street. Bolsa em alta, povo em baixa. Desemprego. Cozinhas de emergência. Recorde na distribuição dos food stamps, os cupons para compra em supermercados que equivalem ao Bolsa Família brasileiro. Concentração de renda.

Na Europa, onde a Alemanha representa um terço do PIB total, o cassino estava montado como se fosse uma fila de dominós. Na ponta, irlandeses, espanhóis, portugueses e gregos, que haviam aproveitado o dinheiro barato do tempo das vacas gordas para fazer investimentos imobiliários. A casa. A casa de campo. O apartamento na praia. Os emprestadores eram bancos espanhóis, conectados aos italianos, por sua vez ligados aos franceses, conectados aos britânicos e assim sucessivamente, até chegar a Berlim. Angela Merkel, atendendo à opinião pública alemã, que vê os mediterrâneos como gastadores irresponsáveis, pendurou a conta na periferia. A penúria atual dos gregos, o desemprego recorde dos jovens espanhóis, a nova onde de imigração de irlandeses, os profissionais portugueses que redescobrem o Brasil — isso tudo é apenas consequência.

As versões japonesa e europeia do QE dos Estados Unidos deram resultados igualmente pífios. O PIB da Alemanha teve uma retração de 0,2% no segundo trimestre de 2014, assim como o da Itália, com a França registrando dois trimestres consecutivos de crescimento zero. Para complicar ainda mais, a desastrosa intervenção externa dos Estados Unidos na Ucrânia vai provocar um retração de 10 a 15% em uma economia relativamente importante do Leste, exigindo um resgate não inferior a U$ 50 bilhões.

A possibilidade de uma recessão global está no horizonte, escreve Jack Rasmus no Counterpunch. Rasmus, aliás, acredita que vivemos o prelúdio de uma depressão global.

A China, que com sua fome de matérias primas sustentou economias exportadoras, cresce a um ritmo bem inferior ao do passado, apesar de ter adotado suas próprias medidas de estímulo. O cobertor anda curto na economia globalizada.

O fato concreto é que nunca houve, de fato, uma contabilidade honesta de 2008. A papelada sem lastro continuou voando por aí, às custas de uma imensa transferência de riqueza dos 99% para o 1% — a classe que administra e controla o sistema financeiro. Mas o rombo é tão gigantesco que talvez exija uma guerra para “estimular” a economia. John Pilger, por exemplo, acha que os EUA caçam guerra no entorno da Rússia.

Não seria a primeira, obviamente. Uma das saídas para lastrear as operações financeiras a descoberto em riqueza palpável, material — como o minério de ferro de Carajás, o cobre do Chile ou o coltan do leste do Congo — é a recolonização.

Vimos isso mais recentemente no Iraque, no Sudão e na Líbia.

A invenção do Sudão do Sul assim, de forma improvisada, foi um jeito de tirar da China o controle de reservas de petróleo estrategicamente situadas, desenvolvidas com o dinheiro de Beijing.

Na Líbia, a operação conjunta Estados Unidos-OTAN nada mais foi que a desestatização na marra do petróleo, cuja renda o ditador Kadafi utilizava para financiar projetos de autonomia africana.

Autonomia é algo que não combina muito bem com o capitalismo em crise, pois ela se sustenta na exploração soberana de recursos naturais disponíveis em determinado espaço geográfico.

Na América do Sul, desde o início dos anos 2000, surfando no apetite gigantesco dos chineses por matéria prima, o governo Lula jogou um papel decisivo. O continente em geral e o Brasil em particular atingiram um nível de autonomia política que jamais tinham vivido anteriormente, ainda que sob a sombra permanente do Tio Sam.

Washington deixou claro quais seriam os limites geográficos da “ousadia” que estava disposta a aturar quando despachou o governo de Honduras em 2009. Era avançar demais sobre o quintal alheio.

A arquitetura anti-hegemônica brasileira, costurada inicialmente pelo ministro Celso Amorim, incluiu a diversificação de mercados, a independência em relação ao FMI, a ampliação e o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul, a ‘ultrapassagem’ da OEA e o fortalecimento das relações entre os BRICs, para citar apenas alguns passos.

Embora as campanhas eleitorais sempre priorizem as questões domésticas, não podemos deixar de considerar esta arquitetura também estará em jogo nas eleições de outubro deste ano: o desmanche, o realinhamento ou o fortalecimento do projeto de inserção do Brasil na economia global adotado há mais de dez anos.

Isso, num quadro de crise econômica duradoura, em que as finanças miram, acima de tudo, as grandes riquezas ainda disponíveis na América do Sul.

O filé mignon é o megalastro energético que, aos poucos, vai se transformando no pilar central do desenvolvimento integrado do continente.

A saber: o pré-sal brasileiro, as reservas de gás da Bolívia e as maiores reservas de petróleo pesado do mundo, na faixa do Orinoco, na Venezuela. De certa forma, estas reservas começam a se tornar interdependentes, embora de forma ainda incipiente.

Aqui, somos nós, os sulamericanos, que estamos diante de nossa própria sequência de dominós. A queda de um coloca em risco todos os outros.

Talvez seja apenas retórica de campanha, para agradar usineiros; ou uma satisfação aos que sonham com a era pós-petróleo. Se Marina Silva, de fato, não considera prioritário o desenvolvimento do pré-sal, pode estar colocando em risco toda a arquitetura da integração continental à brasileira que herdamos do governo Lula — e isso, para além da ideologia, se traduz em emprego e renda.

Leia também:

Padu Palmério: O ouro de uma cidade mineira escorre pelo ralo


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Comentários

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Bacellar

Excelente…Olhem para o México, quintal dos fundos, uma nação onde está vetada imperialmente a possibilidade de se eleger um partido de esquerda à presidência. Pesquisem sobre a “Reforma energética” mexicana.

É o petróleo, é o spread, é a Selic…

Viktor

Dilma PRIVATIZOU o maior campo de petróleo do PRÉ-SAL

Dilma afirmou em 2010, que seria um “CRIME PRIVATIZAR O PRÉ-SAL”. Mas, 3 anos depois veio a CONTRADIÇÃO: ela vendeu (PRIVATIZOU) o maior campo de petróleo do pré-sal, o Campo de Libra, para empresas estrangeiras. Confira nos vídeos: . . . ( http://www.youtube.com/watch?v=kGJDY4IMkyg ). . . ( http://www.youtube.com/watch?v=JrukI8hgpCw ) . . . ( http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=78287 )

Tião Macalé

Marina diz que o “novo” é deixar o Pré-sal de lado e apostar todas as fichas nos usineiros produtores de álcool, esses senhores feudais que a 400 anos exploram as mesmas terras, com o mesmo produto e usa as pessoas com empregos análogos à escravidão, para o cultivo de cana-de-açúcar .

Enquanto isso, Dilma não só mantém os investimentos no pré-sal como lança foguetes movidos a etanol:

http://www.cla.aer.mil.br/index.php/component/content/article?id=145

A diferença de pensamento entre os dois projetos de governo é tão gritante, que fica difícil até compará-los…

Votar na Marina é jogar o Brasil de volta ao período histórico do Brasil colônia, onde os coronéis mandavam na política econômica, a religião ditava os costumes e as revoltas sociais urgiam nas cidades.

    Mauro Assis

    Tião, viaja não, Tião…

    A agricultura da cana de açúcar hoje é 80% mecanizada. Quem trabalha lá ganha bem e é capacitado para comandar equipamentos de 3 mi de reais.

    E se as mesmas terras estão produzindo a 4 séculos é porque a produção é sustentável, certo?

    A Marina tá é certa em dar atenção a outras fontes. Lembre-se: assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, a do petróleo vai acabar rápido, o negócio é chamar as estrangeiras, vender as licenças e usar a grana para fazer outras coisas. Não se esqueça que o petróleo do pré-sal é o mais caro do mundo.

    Me diga o seguinte: se a petrossauro continuar inchando, qdo o petróleo definhar vamos vender a sucata no quilo?

    Bacellar

    “As pessoas usam estatísticas para provar qualquer coisa Kent. 14% das pessoas sabem disso.” Hehehehe.

    80% mecanizada? Essa saiu da cartola hein…Cortador de cana ganha bem? Equipamento de 3 mil reais? 3 mil? Cultura canavieira sustentável? Realmente o teclado aceita qualquer coisa. De fato a idade da pedra não acabou por falta de pedra mas por avanços tecnológicos…Só demorou cerca de 2 milhões de anos…O cartel petrolífero vai esvanecer no ar? A indústria petroquímica vai acabar da noite pro dia?

    Você é livre pra falar besteira. Só não seja arrogante ao fazê-lo.

Lindivaldo

Excelente análise.

Urbano

Está parecendo mais um complô formado por uma extraterrestre, os bildebergs, os iluminattis e a otanato sob o comando do otramoia…

Mauro Assis

Ou seja: se a eleição da Marina se confirmar, até os nossos vizinhos terão o que celebrar…

João Brasileiro

DESISTIR DO PRÉ-SAL É DESISTIR DO BRASIL
Por Victor Farinelli, especial para o Maria Frô
(http://mariafro.com/2014/08/31/desistir-do-pre-sal-e-desistir-do-brasil)

Olá, Pessoal

Acredito que esse poderia ser um grande SLOGAN para a campanha da reeleição da nossa Presidenta Dilma Roussef, em contraponto ao Slogan da candidata do ITAÚ:

“NÃO VAMOS DESISTIR DO BRASIL!”, diz a candidata do atraso. Diria a DILMA:
“DESISTIR DO PRÉ-SAL É DESISTIR DO BRASIL!”

Que acham?

Um abraço

Mário SF Alves

Hipótese:

Estamos numa encruzilhada. Ou entregamos de mãos beijadas a referida arquitetura e tudo o mais que foi conquistado nos últimos doze anos ao elegermos a transversalidade¹ marino-silvista, ou… teremos de reeleger a presidenta Dilma e continuar na luta. Contra o quê mesmo?

Não sei. É só uma hipótese, mas, politicamente, 1964 explica relativamente bem contra quem e o porquê desse enfrentamento.

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¹Tô achando que nessa transversalidade cabe é tudo. Só não cabe o desenvolvimento sócio-econômico, e, por extensão, o povo.

_________________________________
Bom, a não ser que se decrete a reconversão do Brasil aos tempos pré-colombianos. Aí, sim, já pensou, todo mundo índio?

Teríamos não apenas a tão discursivamente propagada sustentabilidade, mas, de quebra, a autosustentabilidade.

    Mauro Assis

    Que desenvolvimento sócio-econômico, cara pálida (com trocadilho)?

    Inflação, recessão, queda no investimento, nas exportações, na qualidade da matriz exportadora, obras que não acabam nunca, roubalheira…

    Esse desenvolvimento? Tô fora…

Fabio Passos

Atacar o pré – sal… nem parece verdade.
A grande oportunidade do Brasil utilizar uma riqueza fabulosa para prover saúde e educação para a população trabalhadora e pobre.
E marina quer atirar nosso futuro no lixo!?!

marina é realmente a candidata do PiG: Ponta de lança dos interesses imperialistas.

marcio gaúcho

Sou urbano. Logo, não quero ir para a colônia plantar milho e couve, nem ordenhar vacas. Se Marina ganhar essa eleição, regrediremos um século!

Piloto

Parabéns Azenha!

Excelente texto!

Ao ponto!

Belmiro Machado Filho

Nunca foi tão fácil se apropriar de bilhões de barris de petróleo(Pré-sal) sem disparar um tiro. Receita: a) Dividir para conquistar(manifestações de junho de 2013- somos contra tudo que está aí); b) Promover a status de heroína a fadinha da floresta que por mera coincidência é ambientalista e detesta petróleo. Viram como é fácil? O consórcio anglo-sionista agradece ao povo brasileiro pelo seu permanente analfabetismo político.

    Mário SF Alves

    Perfeito, prezado Belmiro! Se não é exatamente isso, é bem por aí.

Geraldo

Perfeito, Azenha!! Eu diria que riscos externos são diretamente proporcionais aos internos!

    Mário SF Alves

    Diretamente… sim, porém em intensidade muitíssimo menor. Até porque, cavalo de troia é o que mais plantaram nestes tristes trópicos. E isso, desde antes do fatídico e vergonhoso 64.

    Mário SF Alves

    Digo, muitíssimo menor, sim, muitíssimo menor, por mais paradoxal que possa parecer, sim, é isso, muitíssimo menor. São os cavalos de troia, e o PiG é o maior deles, que facilitariam e facilitam tudo para os abutres externos.

Marat

Azenha e amigos, a Marina (ou qualquer outro que se sujeite) é funcionária dos EEUU. Lógico que será incensada pela imprensa (que também recebe suas esmolas do Tio Sam) até que recoloque o país de joelhos para o monstro da América do Norte.
A classe média atrasada e estúpida já faz sua parte, comprando veja e outros lixos similares, e fazendo seus empregados humildes lerem aquelas porcarias e incutindo-os ideias típicas de gusanos de Maiami.
A luta deverá ser como a de Stalingrado, e sei que nós seremos os soviéticos lutando contra os Hitleres do Império do IV Reich!

Mardones

Espero que não seja tarde para tratar desse assunto, mas o governo petistas não conseguiu mostrar ao Brasil o que está em jogo em 2014, 2018, 2022, 2026 e 2030.

Os blogueiros sujos e necessários, ao seu jeito, dizem que essa eleição é entre a Petrobras e a Chevron.

Não precisa desenhar. Mas a turminha da bíblia e do face pode dormir na nova classe média e acordar desempregada. As ruas podem ficar pequenas depois de 2014.

José X.

Boa Azenha. Não esquecer também que na Ucrânia também está envolvido o petróleo da Rússia, que aquece boa parte do verão europeu. Provavelmente os americanos querem cortar essa dependência dos países europeus do petróleo russo. Como, não sei. Vamos ter uma prévia agora no fim de ano, inverno no hemisfério norte.

No Afganistão e Paquistão também tem petróleo envolvido, petróleo do Casaqistão e Turcmenistão que seriam transportados até a Índia através do oleoduto TAPI.

E a estúpida Marina Silva vem com essas ideias estúpidas de colocar o pré-sal em segundo plano…

Uma pena que normalmente você deixa aquele seu clone simpático àquelas besteiras de black blocs e MPL escrever no Viomundo…

FrancoAtirador

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Discussão bastante esclarecedora sobre o Pré-Sal:

O que o COMETA G.A.F.E.* não publica aqui no Brasil

até os jornais norte-americanos estão publicando lá.

The Wall Street Journal
se rende à Realidade
do Petróleo no Brasil

Novos dados da Petrobras
refletem Otimismo na Indústria

(http://jornalggn.com.br/noticia/novos-dados-da-petrobras-refletem-otimismo-na-industria)
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    FrancoAtirador

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    Os Gringos estão sempre de olho no Pré-Sal:

    (http://online.wsj.com/news/articles/SB20001424052702304697704580073653086366176)

    FrancoAtirador

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    DESISTIR DO PRÉ-SAL É DESISTIR DO BRASIL

    Por Victor Farinelli, especial para o Maria Frô

    (http://mariafro.com/2014/08/31/desistir-do-pre-sal-e-desistir-do-brasil)
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    Mercado Financeiro Celebra:

    “A Marina é o nosso Obama!”

    Tony Volpon, da Nomura Securities
    (http://www.nomura.com)

    http://imgur.com/rYVvm8L
    i.imgur.com/rYVvm8L.jpg
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    Mário SF Alves

    E pra isso, nada mais prudente do que manter a velha ordem do Brasil como eterna reserva de valor. Desenvolvimento socio-econômico? Pra quê? Pra distribuir tudo isso com o povo?

    Nada. Deixa que os gringos tomam conta. Né não, marineiros de primeira viagem?

    luiz fernando de almeida

    Com relação a seu comentário, não sei, mas sei que o que falta no Brasil é franco atirador.

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