Santayana: Capital espanhol procurou o Brasil e aprofundou a crise local

Tempo de leitura: 3 min

Foto de Samuel Aranda, para uma galeria do NY Times (dica da Conceição Oliveira)

A Espanha, a crise e a síndrome da Catalunha 

por Mauro Santayana, no Jornal do Brasil

A Espanha não é a Espanha: os portugueses, seus vizinhos e dela súditos por algum tempo, referem-se ao resto da Península como as Espanhas. Ainda que o nome do país venha do tempo em que ainda o ocupavam os cartagineses, nunca houve no território unidade cultural e política, a não ser pela força.

A Espanha é um mau arranjo histórico. Até onde vai o conhecimento do passado, o povo que a ocupa há mais tempo é o basco. O orgulhoso nacionalismo basco proclama que sua gente sempre esteve ali, como se houvesse brotado do chão, mas a antropologia histórica contesta a hipótese. De algum lugar vieram os bascos, provavelmente da África, como os demais europeus.

A Espanha foi ocupada por todos os povos do Mediterrâneo, e alguns deles nela estabeleceram colônias que mantiveram, durante todos os séculos, sua identidade primordial. É esse o caso dos catalães. Colônia fenícia, em seu tempo, a Catalunha vem lutando, desde o século 17, para recuperar sua independência. Um dos episódios mais fortes desse movimento foi a Guerra Civil de 1640.

Iniciada por camponeses (a rebelião dos segadores), ela se tornou movimento de independência nacional só derrotado doze anos mais tarde. Os catalães não se consideram “espanhóis”, como tampouco assim se consideram os bascos, os galegos, os asturianos e os andaluzes. O predomínio de Castela, depois de sua união com o reino de Aragão, no fim do século 15, tem sido frequentemente contestado.

Mais recentemente, em 1913, os catalães obtiveram seu primeiro estatuto de autonomia, principalmente em questões orçamentárias, mas essa concessão lhes foi revogada pela Ditadura de Primo de Rivera, em 1925. Em 1931, com a vitória da esquerda republicana nas eleições municipais, a Catalunha se proclamou república independente, mas, em solidariedade com os republicanos do resto da Espanha, adiou sua plena autonomia, diante das dificuldades políticas que levariam à Guerra Civil de 1936.

Com a vitória de Franco, a repressão aos movimentos de autonomia, particularmente os da Catalunha e dos Países Bascos, foi de aterrorizadora brutalidade.

O momento é propício para a reivindicação dos catalães. A Espanha entrou em uma crise econômica de difícil saída, por ter — fosse com os conservadores, fosse com os socialistas de faz de conta — privilegiado o grande capital, que preferiu investir na América Latina a promover o desenvolvimento do próprio país e a criação de empregos.

A razão era a normal do capitalismo: os lucros em nossos países são maiores, porque os salários e as obrigações trabalhistas são menores. Ao mesmo tempo, sem o controle sobre a remessa de lucros, o nosso continente é-lhes o paraíso. Mesmo assim, a arrogante Espanha, por ter promovido a desigualdade social e malgastado os recursos obtidos da União Europeia, ao serviço dos banqueiros, encontra-se hoje de chapéu na mão diante da ainda mais arrogante Ângela Merkel, que comanda, hoje, o FMI e o Banco Central Europeu.

A situação internacional, sendo instável, particularmente na Europa, coloca os espanhóis na defensiva e acelera o movimento centrífugo, já antigo. Há, mesmo, uma tendência para que a união dos estados europeus seja substituída por uma “união de povos europeus”. Pensadores bascos têm insistido nesta tese.

Ontem, o líder do PSOE, Alfredo Perez Rubalcaba, propôs uma solução inteligente para resolver não só o caso da Catalunha como o de todas as outras nacionalidades que orbitam em torno de Madri: a construção de um estado federativo.

Os conservadores levantaram-se contra e é esperada uma manifestação dura do rei, e com sua própria razão: no caso da Espanha será difícil uma federação sem república, e a monarquia dos Bourbon começa a claudicar, com a desmoralização da família real, metida em escândalos e em desvio de recursos públicos.

Não obstante essa presumível reação, será o melhor caminho: uma reforma constitucional negociada — e rapidamente, tendo em vista a situação geral do país e da Europa — para que as atuais “autonomias regionais” se convertam em unidades federadas, com o máximo de soberania nacional em um estado republicano. Tanto quanto a autonomia administrativa e financeira, esses povos reclamam respeito à sua cultura e à sua dignidade histórica.

Enquanto isso, o Parlamento da Catalunha caminha para realizar a histórica consulta ao seu povo — se deseja, ou não, tornar-se uma nação independente. Se a Catalunha disser “sim”, será difícil à Espanha repetir, hoje, o que fez Filipe IV, da Espanha, e subjugar militarmente os catalães — sem que haja uma comoção europeia. Os tempos são outros, embora se pareçam muito aos anos 30 — os de Franco, Hitler e Mussolini.

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Comentários

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abolicionista

Excelente! Muito elucidativo!

Jotace

De imperdível leitura o artigo do Santayana! Uma extraordinária aula de história que expressa com clareza e, como sempre o tem feito, com absoluta precisão da linguagem que a elegância do escrito torna ainda mais agradável. Pois nada mais preciso que a definição de ser a Espanha ‘um arranjo histórico sem unidade cultural e política’, ou ‘um arranjo mau, defeituoso’ pela justaposição que é de povos de origens e culturas diferenciadas e que até hoje não se integraram. Por isso mesmo entendo e justifico as pretensões independentistas dos povos basco e o catalão citados no artigo, e reprimidas com extrema atrocidade pelo regime policialesco fascista/monárquico. Que o diga a repressão extremamente brutal de ontem, dia 25, contra os manifestantes, inclusive anciãos, que tentavam no seu protesto simplesmente rodear o prédio do Congresso em Madrid. Por outro lado a arrogância do antigo império espanhol parece haver perdurado através dos séculos em toda a América Latina e é muito provável que, se efetuada a divisão do país, os dirigentes republicanos das novas nações poderão respeitar novas formas de relacionamento, inclusive com o Brasil que não sejam a pilhagem e a pirataria descarada, praticadas pelas empresas espanholas com o beneplácido de nossas autoridades lenientes servíse dos vendepátrias que aqui temos. Dividida a Espanha em estados como deve ser, é de se esperar até que, pelo maior número de portões de entrada na Europa, diminua a arrogância sem limites traduzida pelo tratamento bárbaro que foi inflingido à maioria dos brasileiros que passaram pelos aeroportos espanhóis. Jotace

    Jotace

    Por favor leia: …de nossas autoridades lenientes, servís,
    e dos vendepátrias que aqui temos.Jotace

Valdeci Elias

Santayana, por que não te calas ?

Francisco

Sempre lamento o fim de monarquias, particularmente, de monarqias “baratas” e limitadas à função de chefia de Estado. Na hora dos balacobacos, sempre aparecem como porto seguro das nações.

Lamentavelmente, a monarquia espanhola não é “barata”, nem se restrige a dar tchauzinhos nas carruagens. Se metem nas diretorias de empresas biliardarias, fazem lobbys, uma zona! E uma pena.

Uma federação espanhola seria uma boa solução, só não sei é se o resto da Espanha sobreviverá a uma provincia basca autonoma. O dinheiro esta lá, bem sabemos.

Outra questão é: e os bascos franceses?

rodrigo

Nosso amadíssimo & querido & adorado governador (SP), muito do preocupado com a situação na España, ajuda como pode (e principalmente como NÃO pode) os pobres peninsulares.
O Santander é a maior prova da bondade e compaixão de Xuxulé I. Eita homi bão!!!

Eduardo Vieira Miranda

É o começo do fim da Espanha como conhecemos.
País de tradicional postura arrogante, agora se vê em uma situação em que nem mesmo seu próprio povo gosta da imagem representada por seu Estado.

dukrai

obrigado, Elton, eu nunca perco um artigo do Santayana e este tinha passado batido. Achei que a foto era uma caminhada do MST rs
A razão para os investimentos espanhóis no Brasil são esses que o Santayana descreve, “os lucros em nossos países são maiores, porque os salários e as obrigações trabalhistas são menores. Ao mesmo tempo, sem o controle sobre a remessa de lucros, o nosso continente é-lhes o paraíso.”, mas não só, o governo espanhol isentou do imposto de renda, alíquota de 25%, os investimentos em outros países, tempos de fartura e muita liquidez. E aí vieram com força los hermanos do norte/leste, se não me engano na jografia rs compraram telefonicas, concessões de rodovias, hotéis no nordeste, etc e tal. Pergunto se foi só por essas razões que o Santayana e eu apontamos ou se já sabiam que um enorme rolo tava armado pra explodir, especulação imobiliária, roubalheira em bancos regionais e o escambau a quatro. Como sabiam que a confusão tava armada, especularam no curto prazo e investiram no longo prazo e os espanhóis que se explodam. Como catalão não é castelhano, o feitiço pode virar contra o feiticeiro e libertas quae sera tamem hahahah

    Elton

    Pois é camarada, eu tô torcendo por eles, catalães, bascos, e pela REPÚBLICA espanhola. Até curto a página deles no facebook.

Julio Silveira

Ler os artigos do Santayana é presenciar uma ode a cultura.

Murdok

Dizem que o inferno é ao lado. É pra onde deve ir aquela família real.

    Guilherme Bastos

    Para o túmulo do Generalíssimo Franco,foi ele que a restabeleceu,ele que a aceite de volta!!!!

Hans Bintje

Azenha:

Peço que preste atenção num detalhe daqui em diante:

– Em que pontos o discurso dos políticos das comunidades que desejam autonomia divergem do discurso da Espanha central?

Autonomia por autonomia, isso pouco adianta. Se não houver ideias novas, uma prática mais voltada ao desenvolvimento regional, fiquemos com os demônios antigos.

Pelo menos, eles são velhos conhecidos nossos.

No caso da divisão da Espanha, da Bélgica e de tantos outros países, quem financiará a criação dos novos Estados? Será que eles são viáveis, econômica, social e culturalmente falando?

A resposta está nos discursos. Por piores que sejam, neste momento, vale a pena ouvi-los.

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