Claudia Wanderley: Os primeiros autocuidados no dia a dia

Tempo de leitura: 5 min
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Por Claudia Wanderley

Sol nascendo entre Rio de Janeiro e Buenos Aires. Imagem registrada pelo astronauta Ron Garan da Estação Espacial Internacional Foto: NASA

Primeiros Cuidados no Cotidiano

Por Claudia Wanderley*

A palavra raja vem do sânscrito, quer dizer real. Tem a ver com rei, tem a ver também com luz, brilho, força.

Raja é também uma modalidade de yoga, ensinaram-me amigos e mestres ao longo da vida.

Raja Yoga se refere a um conjunto bem orquestrado de cuidados relacionados aos planos físico (Hatha Yoga), emocional (Karma Yoga), mental (Gnana Yoga) e espiritual (Bhakti Yoga).

E é sobre isso que vou falar hoje.

Proponho que façamos uma experiência de Raja Yoga, um tipo de autocuidado fundamental para o nosso dia a dia. Tem a ver com o querer.

Para a yoga acontecer em nossa vida, é preciso que a gente queira e decida se cuidar de maneira consciente. E, assim,  colocamos a nossa vontade para funcionar a nosso favor.

Família de elefantes na Reserva Dzanga-Sangha, na África. Foto: Damiano Luchetti/Wikimedia Commons

Quem cuida da gente no dia a dia?

Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos.

Ao longo da vida, é importante que cuidemos de outras pessoas, assim como que alguém cuide da gente para seguirmos adiante. 

Muitos se ligam inicialmente à imagem da mãe, depois na do companheiro ou companheira.

Filhos e amigos também podem cuidar da gente.

Às vezes, somos nós que cuidamos de todos eles.

Essa troca é uma delícia. 

É uma contingência inelutável, seja você dependente, interdependente ou esteja em busca da independência.

Assim, estamos sujeitos às variações, aos desafios e às dificuldades dessas modificações naturais.

Expansão é uma escolha cotidiana

Estrelas se formando em Henize 2-10, galáxia anã a cerca de 30 milhões de anos-luz da Terra. Foto: NASA

Entretanto, a possibilidade de expandir a consciência e/ou expandir nossa capacidade amorosa é   totalmente opcional. Depende do interesse de cada pessoa. 

Investir no autoconhecimento depende de um certo conhecimento transmitido na tradição e de um tipo de ousadia para mudar a maneira de encarar a vida.

Essa decisão é somente sua e está diretamente ligada a um silêncio criativo que se manifesta muitas vezes nas práticas de meditação.

Ou seja, crescer internamente de acordo com esta perspectiva não é natural.

Descobrir-se como ser capaz de desenvolver amorosidade e a própria consciência é um processo de expansão infinito, que precisa ser conduzido de forma clara e consciente por cada um de nós.

Entender isso — acreditem! — muda o nosso jeito de olhar o mundo e de olhar para nós mesmos.

Cuidar de si é um esforço que fazemos para estarmos experimentando a vida com mais qualidade.

E essa qualidade é o quê? Um tipo de marca? Um selo?

Aí, está o nó de muitas experiências que nos exaurem, se não refletirmos e renovarmos regularmente nossa compreensão do que é qualidade para nós.

Meditação reflexiva é uma prática fundamental, para não sermos tragados pela rigidez mental, pela falta de horizontes e, assim, estagnarmos na vida.

A dica de Sita: existimos

Imagem de Sita no Templo Sita Samahit Sthal, India. Foto: Wikimedia Commons

Para expandir o nosso horizonte e abrir outros, compreender nossa presença no mundo de maneira mais ampla, é preciso estudar. Isso é parte da disciplina de yoga.

Estudar/aprender tem a ver com Gnana Yoga (yoga do conhecimento, da sabedoria).

Eu, por exemplo, estou às voltas com a tradução do Sita Upanichade, já que não achei uma versão em português.

Então, como disciplina de estudo, resolvi fazer uma tradução experimental (veja o nosso PS) com os alunos de yoga da turma de saudação ao sol, no campus de Barão Geraldo da Unicamp.

Este é um exemplo de prática de estudo.

Nela, amplio a percepção de quem sou e do que é possível experenciar por aqui. Isso me permite reavaliar escolhas e repensar minha presença.

A palavra Upanichade deriva das palavras sânscritas upa (“perto”), ni (“embaixo”) e chad (“sentar”).

Neste caso, podemos entender de forma livre como sentar-se perto e abaixo de Sita [para percebê-la].

Logo no começo do texto, temos a frase: “Sendo a primeira causa, Sita é conhecida como Prakriti”. 

Prakriti pode ser entendida como matéria original, a matéria-prima, a matriz, o universo em que experimentamos nossa existência, matéria da qual também somos feitos.

Sita é um arquétipo de uma deusa que, na tradição Shaktista, é causadora da realidade.

Até onde entendo, o melhor que podemos experimentar é a condição de ter consciência da nossa existência.

Pode parecer bobagem, mas podermos ter consciência de tal presente é um caminho real.

Particularmente, na escala de nossa existência, podemos considerar Prakriti como nosso jeito mais singular, nossos traços originais.

É, aí, nessa experiência individual, metaforicamente sentados perto e abaixo dessa existência para ouvi-la, que nossa consciência se desenvolve.

A pergunta seguinte aparece em todas as filosofias e poesias: a que que se destina?

Desenvolver a consciência 

Aí, entra a brincadeira do yoga. Ela só se desenvolve conscientemente. Não acontece naturalmente.

Então, sem praticar yoga, não se participa da brincadeira de desenvolver a consciência.

A brincadeira é estar consciente, a maior parte do tempo possível, e ser amoroso, também a maior parte do tempo possível. E fazer isso de maneira cada vez mais ampla.

É um tipo de cuidado que você pode ter com você.

Professores de yoga nas tuas proximidades podem te apontar práticas.

Converse com algum deles. Busque saber sobre as atividades disponíveis em sua região.

Yoga é plural, pois é um caminho para todos os seres humanos crescerem.

Sempre vai ter uma prática mais próxima de seu gosto, de seus interesses.

Pergunte, procure, peça ajuda, envolva-se.

Para ir se familiarizando com essa tradição, você pode também adotar cuidados no seu dia a dia. 

Como primeiros autocuidados, recomendo:

— Atenção à respiração.  Sempre que possível, faça respiração profunda. É assim. Primeiro, inspire profundamente, preenchendo de ar toda a capacidade dos seus pulmões. Depois, esvazie-os completamente. Experimente fazer esse exercício respiratório enquanto caminha ou medita.

— Atenção às emoções, para fazer o melhor uso possível da expressão de seus sentimentos. Isso permite vínculos mais profundos.

— Atenção ao tipo de informação que deseja assimilar. Busque conhecimento trazido por pessoas consistentes, realizadas em suas atividades e que você admira.

— Atenção à sua própria natureza. Reflita sobre como ela pode florescer de maneira a favorecer a vida.

 Yoga — lembre-se, sempre! — é para o bem.

Sugestão de meditação

Hoje a minha sugestão de meditação para você é esta:

— Tome um banho

— Sente-se com uma roupa limpa, coluna reta, olhando para o leste

— Respire fundo durante toda a prática

— Coloque sua atenção no umbigo

— Observe sua natureza, sua constituição

— Agradeça a experiência

— Reflita sobre como pode melhorar o cuidado consigo

PS. A tradução será atualizada à medida surjam sugestões. Se quiser, mande questões aqui pelo Viomundo. O que eu souber, responderei. Está online, dê uma olhada.

*Claudia Wanderley coordena o grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.

Leia também:

Claudia Wanderley: Transformação é a fonte da vida. Transforme-se!

Claudia Wanderley: Que a gente floresça internamente também!

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Claudia Wanderley

Coordenadora do grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.


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Zé Maria

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10
“Por aqui rodeando a larga parte
De África, que ficava ao Oriente,
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambeia as águas bebe,
As quais o largo Atlântico recebe.”
[…]
18
“Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.”
[…]
23
“Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrelas!
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.”
[…]
55
“Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis única despida:
Como doido corri de longe, abrindo
Os braços, para aquela que era Vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.”

CAMÕES
Os Lusíadas
Canto V
https://oslusiadas.org/v/

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