por Luiz Leduíno de Salles Neto
Com o início das aulas nas universidades mais uma vez voltamos a ver estampadas na imprensa manchetes como “Calouros são obrigados a beber de joelhos”, “Universitário passa mal após trote abusivo e é internado”, entre outras que noticiam lamentáveis ocorrências em nossas instituições de ensino superior em diversas regiões do país.
Também não há como esquecer o trágico falecimento de um estudante ocorrido há 12 anos em seu primeiro dia de aula. Para a justiça brasileira essa tragédia foi fruto de “uma brincadeira —de muito mau gosto— em uma festa de estudantes, não existindo elementos para se responsabilizar alguém por sua morte”.
Até que ponto o trote é uma “brincadeira” saudável, e não de mau gosto, abusiva ou violenta?
Essa questão é demasiadamente subjetiva para permitir uma resposta que subsidie políticas e ações que garantam o bem-estar daqueles que iniciam um curso superior. De uma simples pintura, passando pelo corte de cabelo e a solicitação de dinheiro nos semáforos, o popular “pedágio”, podem resultar danos à pessoa, especialmente aos novos estudantes – exemplos não faltam. É compreensível e louvável que muitos queiram festejar, mas o trote não deve, e não pode ser o caminho.
Tendo em vista que praticamente todas as universidades promovem atividades culturais, científicas, integradoras, e campanhas de conscientização, vale indagar: por que continuam ocorrendo abusos? É preciso compreender que o trote, de origens medievais, é uma tradição ainda tolerada por diversos atores da sociedade, dentro e fora da universidade. Contudo, o trote parte de uma premissa que não deve mais ser aceita: a de que os novos estudantes não tem voz e vontade, são os “bichos”, que devem obediência aos seus senhores, os “veteranos”.
Para por fim a essa tradição que atenta contra a dignidade e os direitos humanos é preciso continuar e aprofundar o debate sobre suas origens e consequências. Contudo, faz-se necessário um pacto antitrote que vá além da administração da universidade, e inclua entidades estudantis, docentes, técnicos-administrativos, estudantes e seus familiares, imprensa e a sociedade em geral.
De todos devemos esperar um tratamento digno aos novos estudantes, abolindo, por exemplo, o termo “bicho”, ainda utilizado, oficialmente, por algumas universidades e veículos de comunicação. Punições severas devem ser imputadas àqueles que agredirem ou humilharem.
Estudantes e familiares também devem compreender que existem outras formas de saudar a conquista do ingresso no ensino superior. Entidades representativas dos estudantes devem planejar e organizar atividades, com apoio e participação institucional, sem a presença do autoritarismo, da privação de liberdade, da violência, seja física ou moral. Todos devem compreender que o trote não é legal, que o trote não é brincadeira. Só assim conseguiremos festejar plenamente uma nova fase, para muitos a melhor da vida, para milhares de jovens em nossas universidades.
Luiz Leduíno de Salles Neto é professor adjunto e pró-reitor de Assuntos Estudantis da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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