Gerson Carneiro ao irmão Pedrinho: ”Guarde esta carta; pode ser nossa despedida”

Tempo de leitura: 3 min

Da Redação

Gerson Carneiro é leitor e colaborador do Viomundo há quase dez anos.

No primeiro turno dessas eleições, ele votou em candidatos do PT, de cima a baixo, como invariavelmente faz.

Porém, como milhares de brasileiros, Gerson enfrenta um drama político familiar neste momento.

Seu irmão Pedrinho, apaixonado pelo exército brasileiro e evangélico, declarou voto no neofascista Jair Bolsonaro.

Nesta sexta-feira, 12/10, bem cedindo, Gerson mandou-lhe então uma carta, que abaixo reproduzimos:

Meu irmão Pedrinho,

Eu vou te falar uma coisa muito séria.

Isso aqui é uma carta que estou escrevendo.

Você tem sua liberdade de escolha que eu respeito muito.

Eu também tenho.

E na minha liberdade eu penso e digo o que penso.

Tenho vinte mil seguidores no facebook e com eles eu dialogo todos os dias.

Com eles eu falo coisas sérias, conto piadas, dou risada, choro, me emociono, me divirto.

Muitos deles eu já conheço pessoalmente. Sem eles, eu poderia ser um sujeito depressivo.

Caso os militares venham assumir o poder, a primeira coisa que eu vou fazer é encerrar minha conta no facebook e perder o contato com meus amigos.

Porque com os militares no poder eu não vou ter mais liberdade de dizer o que penso e dialogar livremente com meus amigos como hoje eu ainda consigo fazer.

Caso eu não encerre minha conta no facebook, eu vou correr o risco de perder meu emprego, ser torturado, ser assassinado, e ser desaparecido.

Moro em um lugar onde muitas pessoas foram torturadas e desaparecidas simplesmente por dizer o que pensavam.

Ou simplesmente porque os militares julgaram que a pessoa dizia o que pensava, muitas vezes a pessoa nem dizia nada. Mas os militares achavam que ela era subversiva. Ser subversivo é pensar e dizer o que é proibido pensar e dizer.

E muitas vezes as pessoas torturadas e desaparecidas eram delatadas por parentes, vizinhos, colegas do trabalho que por algum motivo, ou por nenhum motivo, não gostavam delas por simplesmente elas pensarem diferente.

Isso pode vir a acontecer comigo. E não é porque sou um vagabundo. Eu não sou vagabundo.

A violência contra os que pensam diferente, especialmente contra os que têm ideologia esquerdista iguais a mim está cada dia mais aumentando. E as autoridades estão incentivando.

Caso ocorra algo comigo nesse sentido, eu quero que você lembre que a tua admiração pelo Exército brasileiro — mais do que pela liberdade das pessoas –, contribuiu para esse estado de coisas.

Mas saiba que você é livre para fazer as tuas escolhas e eu respeito.

Porém, é muito importante para mim que eu deixe isso registrado.

Quero que você saiba que eu tenho uma admiração pela liberdade de pensar e falar infinitivamente maior do que a admiração que eu tenho pelo Exército brasileiro.

Por fim, digo que nossos pais foram perseguidos, sim.

A perseguição aos nossos pais se deu através de duas formas:

1. Eles não podiam pensar e falar o que pensavam. Quantas vezes papaim e mãinha falaram sobre Política com a gente?

Ao menos comigo papaim e mãinha nunca conversaram sobre Política.

Pelo contrário, foram até humilhados por seu Edinho, que era o vereador sabe tudo da cidade e que, na verdade, não passava de um vagabundo. E achava que detinha o direito exclusivo da fala.

O Anselmo, filho do Edinho, arrogante, chegou até a puxar revólver para papaim. Eu, aos onze anos de idade, testemunhei isso.

2. Nossos pais sempre foram obrigados a viver na pobreza.

Na Barra do Mendes chegamos a trocar pedra por comida.

Mãinha só foi viajar de avião e conhecer o mar muito tempo depois de os militares saírem do poder.

Papaim não chegou a viajar de avião e nem conheceu o mar.

Guarde esta carta com você. Pode ser nossa despedida.

Um forte abraço, meu irmão.

12.10.2018. Gerson Carneiro.

Seis horas depois meu irmão respondeu:

“Ideologia eu quero uma pra viver” Cazuza

PS de Gerson Carneiro: Depois que eu publiquei a carta aqui no Viomundo, minha irmã Solange postou uma foto do nosso álbum de família com a mensagem que faço questão de compartilhar com vocês:

Iolanda, eu [Solange] e Gerson. Irmã e irmão. Éramos crianças caladas na época da ditadura militar (sim, era ditadura, não era um “movimento”). Roubaram nossos sorrisos. Esse foi um dia diferente, nos produzimos para o retrato para a posteridade. Crescemos, vencemos a fome e a opressão. Preservamos os sonhos de liberdade e não nos calaremos jamais. #Haddadsim, #Haddad13 #orgulhodesernordestinos


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Comentários

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Pedro Rezende

Marys

12 de outubro de 2018 às 23h10

Concordo com vc, temos que lembrar do fascismo e o que ele provocou na humanidade com o assassino Hitler. O que esta acontecendo no Brasil e uma amostra do que esta por vir, só cegos e idiotas que não percebem. Haddad tem que mostrar em seu programa de TV, as cenas do holocausto nos campos de concentração, que podem muito bem ser repetidas por aqui. #DITADURANUNCAMAIS

Jose Carlos Cafe Alves

Parabéns, Gerson pela tua coragem e determinação em escrever esta carta ao teu irmão, e por que não dizer, a todo o povo brasileiro. Parabéns, Viomundo!

Edgar Rocha

Nasci em 1972. Desde meus cinco anos de idade, vejo minha família militando. Me lembro do terror que vivíamos, mesmo estando distantes do centro da participação política. Foram seminaristas “suicidados”, militantes desaparecidos, o autoritarismo presente nas escolas (aquela coisa de ordem unida, hastear bandeira, cantar o hino nacional, e temer, temer, temer. Alunos apanhavam, eram expulsos, sobretudo se fossem pobres e todo mundo tinha que tomar cuidado com o que falasse em sala de aula). Canalhas de todo tipo posavam de senhores da ordem e dos costumes. Certa vez, levei um aperto de minha família porque levei pra escola um livro pra ler nas horas vagas: achei bonito porque tinha um porquinho segurando uma taça de champagne. Eu estava na terceira série, mesmo assim meu professor não perdoou. “Isto é coisa de comunista!” Chamou meus pais e eu passei o ano copiando o “Caminho Suave” nas horas vagas pra ter o que fazer e não virar marginal. O Livro era A Revolução dos Bichos. Minhas irmãs ficaram apavoradas, coitadas.
Não tenho saudade nenhuma de nada disto. Nem das dificuldades, da carestia, do desemprego, das humilhações, dos medos, da discriminação por ser pobre.
Lamento profundamente que nas periferias a repressão com “R” maiúsculo nunca tenha deixado de existir. Reclamo disto feito pobre no Datena. Não me conformo do fato de que a tortura, o medo, a criminalização dos mais pobres – tudo aquilo que mais eu desejaria ver combatido – jamais foi alvo da combatividade de uma esquerda que se identifica muito mais com classe média do que com os mais pobres.
Fiz uma ironia dia desses, e eça ainda me vem à cabeça quando me irrito com minhas frustrações: é como disse o Mujica. A política é cíclica. Há períodos em que o pobre apanha e períodos em que a classe média também apanha.
Enquanto houver tolerância a dor alheia, vamos continuar neste ciclo. Esta conciliação política jamais foi prioritária. Este seria o verdadeiro pacto pela democracia e pela governabilidade. Chamar os mais pobres pra denunciar a truculência contra a classe média letrada e se esquecer de defender o Estado de Direito pra todos, acaba confundindo a cabeça das pessoas, sobretudo dos que estão em situação mais frágil. Aí, não dá pra dizer que o povo não sabe votar. Está difícil chegar pra um favelado e dizer pra ele não votar no Bolsonaro. Tudo que as pessoas querem é parar de apanhar, pelo menos de um dos lados. Pensando como um refém do PCC numa comunidade dominada, o desespero não deixa outra opção senão tentar anular o inimigo mais próximo. Sei que é um equívoco. Sei que a polícia não vai matar sua galinha dos ovos de ouro. Mas, fazer o quê, se a esquerda não moveu uma palha pra enfrentar o problema? Ao contrário, tentaram cooptar as “lideranças comunitárias” que comandam estes locais. Isto ocorreu, sim! E não aceito que venham dizer que é mentira! Não no caso da zona Leste de São Paulo. Eu mesmo fico tão surpreso com a ambiguidade daqueles que elaboram ideologicamente esta “estratégia” que me atrevo a dizer que um dia, no futuro, muita coisa estranha terá de ser esclarecida para o real entendimento de certos fatos históricos. Mas, só quem sofre com os resultados desta situação pode se preocupar em entender. Os que controlam o jogo político nem querem tocar no assunto. Os que não são atingidos pela repressão ininterrupta nos cantões e quebradas, também nem estão nem aí. Eles podem se dar o luxo de serem “pragmáticos”, indiferentes, de trilharem os atalhos que só eles conhecem para chegada ao poder.
Ao Gerson Carneiro, o qual admiro desde sua primeira postagem, só posso dizer que também tenho pavor do que vem pela frente. Só me ressinto de ser tão acostumado com o medo que já não sei o quanto poderá piorar nas periferias. Nem quero pensar muito, ora não entrar em pânico.

    Conceição Lemes

    Olá, Edgar. Podemos publicar este testemunho seu? abs

    Edgar Rocha

    Claro, Sra. Conceição. Desculpe pela demora. Só vi sua mensagem agora. Fico feliz se puder contribuir com a discussão. Só peço encarecidamente que corrija alguns erros de digitação e gramática. A gente escreve com pressa, né? É medo de cair a conexão e perder o raciocínio (além das minhas limitações linguísticas, claro). Obrigado.

    Conceição Lemes

    Valeu, Edgar. Obrigada. abs

Lindalva

Bela carta! Emocionante e triste…

RABUGENTO

Gerson, eu tinha 15 anos em 1964.
Lá em Santos os helicópteros enormes do SAR a todo momento pousavam no pátio do colégio onde eu estudava. As cortinas das janelas das salas de aula eram fechadas imediatamente pelos “maristas” que tinham ordem de não nos deixar ver o que acontecia. A um quarteirão de lá era a sede da truculenta Polícia Marítima para onde eram levados os “passageiros” que ali desembarcavam. Fecharam o Centro dos Estudantes onde eu tinha me filiado há poucos dias… Passaram-se os anos. Santos deixou de ser um dos locais mais importantes da resistência. Muitos crimes aconteceram sem explicação. Em 1967 aconteceu a explosão do gasômetro que ficava atrás do quartel general da Baixada Santista e que deixou toda a cidade sem gás. http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos083.htm . O papo era que o general tinha mandado acabar com o gás de rua fornecido aos moradores de Santos. Em 1971 “suicidaram” o meu amigo e colega de colégio https://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Eduardo_Merlino sem motivo premente. Assim me lembro de um pouco do que passamos com o regime militar. Tenho muitas informações mais ds atrocidades mas serão comentadas pessoalmente. ;)

    Sônia Bulhões

    Conheci Luiz Merlino com o codinome Nicolau. Temos uma calça de lã cinza que pertenceu a ele e um LP de músicas clássicas. Isso foi em 1970 e 71.

Julio Silveira

Parabéns Gerson, por sua lucidez. Tendo eu vivido a época da ditadura militar no ambiente militar, e com o conhecimento que adquiri no meio, te digo com certeza, o povo parece não saber que os militares espelham as instituições brasileiras. Todas, do legislativo ao executivo passando pelo judiciario, assim como espelham o povo brasileiro, também no que tem de pior.

Marys

Se Haddad colocar depoimentos de sobreviventes do holocausto na propaganda eleitoral, talvez as pessoas compreendam melhor o fenômeno fascista que está acontecendo no Brasil.

Marys

É pena que a deesperança, o desemprego e a falta de bom senso tenham deixado as mentes predispostas ao discurso de ódio de um psicopata.
Talvez, se Haddad colocasse na propaganda eleitoral depoimentos de judeus que sobreviveram ao holocausto, isso pudesse ficar mais claro para os jovens que não querem acreditar na monstruosidade que os aguarda no futuro.

Valdir Rocha

A tristeza da ditadura jamais poderá matar a alegria da democracia.
Apesar de você (medo dos covardes) amanhã sera outro dia (com a coragem dos que não se calam).
Já dizia Marthim Luher King: “o que me assusta não é o grito dos covardes, violentos, maus o que me espanta e indigna é o silêncio dos bons”

MARIA DA PIEDADE PEIXOTO SANTOS

Gerson, como vc tenho uma IRMÃ Pedrinho. Minha irmã caçula, a minha última boneca; nasceu quando eu tinha 12 anos e como brinquei com ela bebê. Sou maluca por ela e por seus 3 filhos que cuidei com desvelos de avó quando nasceram. E como o seu Pedrinho vota em Bolsonaro e ODEIA o PT!!! um, petista de carteirinha desde 1984 mereço hj dela um silêncio de raiva. nem carta à ela consigo mandar… Tomara isso passe logo… Nossa luz no fim do tunel se chama Haddad.

Anesio

Emocionante depoimento! Sou fã do Nordeste! Haddad é Lula, Lula é Haddad. Bolsonaro é FASCISTA! #EleNão

    pedro

    É xará , esclareça bem a sua mente, sou de Marinha, eu a amo, e não sigo os mandamentos de um capitãozinho que foi excluído da carreira militar
    por indisciplina e por má conduta habitual.

Hudson

Há soldados armados − amados ou não;

Quase todos perdidos, de armas na mão.

Nos quartéis, lhes ensinam uma antiga lição:

De morrer pela Pátria − e viver sem razão.

Terezinha Monteiro

Parabéns amigo. Só nos que sentimos na pele o gosto amargo da ditadura, sabemos valorizar a democracia. Por isto também luto muito para não termos que passar por aquilo novamente #HaddadSemMedoDeSerFeliz

Gilmar Filho

Esse negócio de exercito nao é muito confiavel em termos de moral e ética. Confio mais no corpo de bombeiros como instituiçao. Bombeiro se joga no rio para salvar alguém. Mas nessa epoca de super herois arrumaram um outro heroi.

a.ali

que mais “irmaos pedrinhos” leiam, reflitam e votem num futuro melhor pra tod@s!

Eudes Soares Nepomuceno

Viva a liberdade a imprensa sem cabresto, obrigado Viomundo.

marco

|Meus parabéns caro senhor.Pessoas desse quilate,são cada vez,mais raros.

lulipe

Agora só falta torcer pra algum diretor da Globo tomar conhecimento desse “drama” pra transformá-lo quem sabe numa minissérie….

Fábio Franco

Sinceramente, fui emocionante. Pena que tenha que terminar assim.

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