Flávio Azeredo: Nas redes sociais, confusão entre PT e comunismo
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Nas redes sociais e na internet, tem gente que não acha isso aí em cima piada
Linguagem e confusão: o PT e o comunismo
por Flávio Azeredo*, via Facebook
A dificuldade que as pessoas, no geral, têm de entender conceitos e não desvirtuá-los não é algo difícil de se notar.
Quando era aluno da faculdade de Educação da USP, ficava abismado com o fato de os alunos do Centro Acadêmico desfilarem orgulhosos com uma camiseta que trazia uma frase atribuída ao Paulo Freire: “O mundo não é, está sendo” .
Sempre fiquei me perguntando o que aquela frase fora do contexto das contribuições de seu autor poderia significar.
Felizmente, algum tempo depois, fui apresentado pelo meu professor-orientador Jaime Cordeiro a um dos trabalhos de Israel Scheffler, professor da Harvard cujo brilhantismo se apagou em fevereiro deste ano.
Trata-se do livro “A Linguagem da Educação”.
Nessa obra, Scheffler mostra a facilidade com que as teorias educacionais são tomadas e transformadas em slogans que acabam desvirtuando o pensamento do autor.
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Bem antes de Scheffler, o apóstolo Paulo já entendia a dificuldade que algumas pessoas têm de compreender conceitos.
Em Corintios 14, por exemplo, Paulo teve que ensinar o povo de corinto e corrigí-lo em relação ao conceito erronêo que elas estavam construindo sobre os dons de língua.
Seu argumento, como sempre arguto, se constrói por meio de uma pergunta: “Por que se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha? Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis falando ao ar.”
Freud, pai da psicanálise, dizia que a palavra é errática e, em sendo errática, cada um entende de forma diferente o que foi dito.
Apesar de achar a psicanálise uma das ferramentas mais fecundas para compreender melhor nossa cultura, devo dizer que discordo totalmente dela em relação a essa questão. Para mim, se entende o que é dito ou não.
Meu objetivo aqui é tratar da confusão que existe em torno do conceito de comunismo e partidos de esquerda ou progressistas.
Certamente isso deixará triste tanto as pessoas que estão no PT porque acham que ele é um partido comunista, quanto aqueles que baseiam suas críticas acreditando piamente na classificação do partido como tal.
Utilizarei para isso, um artigo do meu atual professor de Ciências Políticas da USP, Renato Janine.
Comecemos dizendo que o PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história.
E por que não? “O princípio de todo partido ou militante comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu moro não é ‘meio de produção’. Menos ainda, minha roupa. Mesmo a horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for, o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção — fazendas, fábricas — é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem essa tese, não há comunismo.”
É importante ressaltar que para Marx, a propriedade privada não era uma questão moral, mas econômica.
“A propriedade privada acabaria se mostrando ineficiente. Seria superada por uma forma superior de propriedade, a coletiva. Ora, até hoje a propriedade privada se mostrou mais produtiva. E ninguém conseguiu mostrar na prática (ou teorizar) o que seria a propriedade ‘social’ dos meios de produção. Houve, sim, propriedade estatal deles. Mas Marx era claríssimo: o Estado tinha que ser abolido. Nunca propôs ampliá-lo. Nem reduzi-lo. Ela ia mais longe do que os próprios liberais: queria suprimir o Estado. Era o contrário do que fizeram os Estados comunistas, que reforçaram a polícia e controles de toda ordem. Eles suprimiram a propriedade privada, mas não o Estado: criaram um monstro policial que Marx jamais aceitaria.”
De fato, o PT namorou em seus inícios a ideia de um socialismo vago, mas nunca se bateu pela abolição da propriedade privada dos meios de produção.
Por isso mesmo que, “nos seus primórdios, fosse até acusado de ser uma armação contra a ‘verdadeira’ esquerda, a comunista. Dizia-se que Lula seria um ingênuo, ou um agente da CIA aqui infiltrado.”
Como se isso não bastasse para não classificar o PT como partido comunista, há que se lembrar que ele (o PT) nasce de um inovador movimento sindical. Como se sabe “Lênin fora áspero na crítica ao ‘sindicalismo’, que padeceria de uma ilusão reformista, querendo melhores salários em lugar da revolução. Tínhamos um abismo entre o projeto petista e o comunista. Finalmente, o lado libertário do PT — o fato de reunir descontentes com a cultura dominante, machista, racista etc. — desagradava a quem achava que a contradição decisiva da sociedade seria o conflito do capital com o trabalho. Havia marxistas no PT, talvez ainda os haja, mas sempre foram minoria.”
Disso advêm duas consequências curiosas e paradoxais quanto ao comunismo.
“Para ele, o fim da propriedade privada não é só um projeto. É uma certeza científica. O marxismo pretende ser a ciência das relações humanas. É científico que um dia virá o socialismo. Disso decorre que, sendo uma ciência, o marxismo no poder não admite discordância. O dissidente é um errado. E por que autorizaríamos os errados a falar? Eles só atrasarão a rota da história… Seria mais econômico e melhor, para a humanidade, calá-los. Daí, o caráter não democrático dos regimes comunistas (é por isso que, na democracia, a liberdade de expressão significa que podemos erra, renunciamos à certeza). Disso decorre, também, que os marxistas fora do poder não têm pressa. Um dia, chegará o comunismo. No poder, enfatizam que o socialismo é uma necessidade histórica. Fora do poder, enfatizam que a história não precisa ser apressada. Dão-se bem com a adversidade. Derrotados, sabiam ser serenos, para usar a virtude que mostravam em tempos nefastos: a história lhes daria, um dia, razão.”
“É paradoxal, não é? A mesma convicção de que o marxismo seja uma ciência leva os comunistas, no poder, a não tolerar a oposição, e fora do poder a fazer tudo o que é acordo, mesmo dos mais espúrios, a aguentar qualquer derrota, a esperar. Ora, é digno de nota que o PT nunca aceitou o pressuposto do marxismo como ciência. Por isso mesmo, também recusou suas consequências. Nunca reprimiu divergências ao feitio comunista. E sempre teve pressa (exceto, talvez, depois de chegar à Presidência). Não foi à toa que, entre petistas e comunistas, as relações nunca tenham sido fáceis. A queda do Partido Comunista tradicional, o ‘partidão’, acaba coincidindo com a ascensão do PT. Não restou espaço ao PCB. Mudou de nome, abriu mão do fim da propriedade privada, manteve uma excelente retórica, foi para a direita.”
O que se pode concluir disso tudo? Há muito a criticar ou a elogiar no PT, mas será errado criticá-lo (ou elogiá-lo) por ser comunista.
*Mestre em Análises Econômicas da Universidade de São Paulo
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